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2006-06-07
A passagem da Rússia pela presidência do Grupo dos Oito (G8) vem sendo marcada por desconfianças de que o presidente russo, Vladimir Putin, esteja usando os recursos energéticos de seu país para ressuscitar o status de superpotência desfrutado pela nação antes do colapso da União Soviética.

Críticas feitas pelo vice-presidente dos Estados Unidos, Dick Cheney, no mês passado, chamaram atenção para esses temores. Cheney acusou o governo russo de usar seus combustíveis como um instrumento de "intimidação e chantagem" contra países que dependem da Rússia para obter petróleo e gás.

Mas, enquanto os líderes dos países mais poderosos do mundo preparam-se para a cúpula do G8 em São Petersburgo, entre os dias 15 e 17 de julho, eles podem se ver tentados a avaliar a nova postura dos russos não como uma ameaça, mas como um sinal de fraqueza. "Os esforços da Rússia para desempenhar um papel de peso na comunidade internacional não contam com o respaldo de recursos energéticos suficientes", afirmou Viktor Kremenyuk, vice-chefe do Instituto para Estudos sobre os EUA e o Canadá, um grupo de pesquisa com sede em Moscou.

Segundo Kremenyuk, o embate com a Ucrânia, em janeiro, a respeito do preço do gás vendido ao país, havia mostrado que a Rússia não pode mais sustentar a antiga "Doutrina Brejnev" de impor a hegemonia russa sobre -- ou o direito de intervir nos -- países que formam seu "quintal estratégico". "Trata-se do fim do domínio russo no espaço pós-soviético", afirmou à Reuters. "Essa é uma grande questão de política internacional -- o que fazer?"

A economia da Rússia, 15 anos depois do colapso da União Soviética, navega sobre uma onda de petrodólares que transformou a estatal Gazprom, que detém o monopólio do combustível no país, em uma das dez empresas mais valiosas do mundo. Integrantes do setor financeiro afirmam que o governo russo deseja levantar até 13 bilhões de dólares com a venda de ações da empresa de petróleo Rosneft, outra estatal, antes da cúpula do G8, a fim de mostrar ao mundo sua seriedade quando de trata de selar parcerias no setor energético.

Mas essa é apenas metade da história: a sociedade russa, que vive hoje sob a luz do princípio "aos vencedores, tudo, aos perdedores, nada", deixou que grandes patrimônios se acumulassem nas mãos de alguns poucos ao mesmo tempo em que legou dezenas de milhões de seus habitantes à miséria. A população do país perde cerca de 700 mil habitantes por ano e suas Forças Armadas, alvo de várias denúncias de brutalidade, mal conseguem proteger as fronteiras do país, que dirá representar uma ameaça a seus vizinhos.

ESTADO DENTRO DO ESTADO?
Em vista da fraqueza do Estado russo, analistas de política e de economia dizem não ser surpresa o fato de Putin ter apelado à estatal Gazprom, responsável por fornecer um quarto do gás consumido na Europa, para dar provas de poder. "A Gazprom não é um Estado dentro do Estado. Ela é o Estado", disse Jonathan Stern, do Instituto Oxford para Estudos sobre Energia.

Mas esse fato, segundo o especialista, faz da Gazprom algo pouco diferente de empresas européias ou de grandes petrolíferas dos EUA que se fundiram para formar grandes conglomerados internacionais capazes de atuar na luta mundial pelo controle dos escassos suprimentos de energia. "A Gazprom não está criando uma nova tendência. Ela é reflexo de uma tendência mundial", afirmou Stern à Reuters. "Não deveríamos criticar a Rússia por fazer coisas no mercado de combustíveis que outros estão fazendo".

Desse ponto de vista, o embate do Ano Novo em torno do preço pago pela Ucrânia no gás russo parece-se menos com uma chantagem baseada em recursos energéticos do que com uma manobra vingativa contra um país que, na Revolução Laranja de 2004, pró-Ocidente, virou as costas para o governo russo.

A mais recente explicação de Putin sobre a decisão da Gazprom de interromper o envio de gás em janeiro em meio às desavenças com a Ucrânia aponta para a frustração da Rússia ao tentar dominar os países antes pertencentes ao bloco soviético. "Se vocês desejam continuar com o que está acontecendo aqui (na Ucrânia), vocês podem pagar", afirmou Putin a chefes de agências internacionais de notícias, em Moscou, na semana passada, criticando o Ocidente por patrocinar a Revolução Laranja, responsável por colocar no poder líderes menos favoráveis a Moscou. "Os ucranianos não merecem mais receber gás russo subsidiado", disse Putin. "Por que nós deveríamos pagar?", perguntou.

ENTRADA NA OMC
Negociações realizadas por Putin e por líderes da União Européia (UE) em maio passado acalmaram os ânimos. Nesse diálogo, foi possível dar prosseguimento aos esforços para abrir a indústria de energia da Rússia em troca de um maior acesso dos russos ao mercado europeu.

Devido à instabilidade do Iraque e às ameaças do Irã de interromper suas exportações de petróleo, em meio ao impasse com as potências ocidentais em torno de seu programa nuclear, os países consumidores podem preferir, ao final, fazer negócios com uma Rússia difícil de manejar, mas ainda assim pragmática.

No entanto, a disputa em torno do gás pode ter dificultado as chances da Rússia de ver progredir sua antiga ambição de ingressar na Organização Mundial do Comércio (OMC) -- um assunto emaranhado na atmosfera negativa dos últimos meses. O diálogo dos russos com os norte-americanos, fundamental para um acordo sobre seu ingresso na OMC -- algo capaz de liberar bilhões de dólares em trocas comerciais e investimentos --, atolou em diferenças sobre a abertura do setor financeiro, a pirataria de filmes e a agricultura.

Mesmo assim, Andrew Summers, chefe da Câmara Americana de Comércio na Rússia, ainda considera haver uma chance de 40 a 60 por cento de que um acordo seja selado se o presidente dos EUA, George W. Bush, puder afastar os céticos de Washington e chegar a uma plataforma comum com Putin. "Será preciso vontade política dos dois presidentes para que isso seja feito", afirmou Summers.
(Reuters, 06/06/2006)
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