Cerca de 75% das emissões de gases estufa no Brasil são decorrentes de desmatamento
2006-06-07
Cerca de 75% das emissões brasileiras de gases do efeito estufa são decorrentes de desmatamento. Depois dos números divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sobre o boom de devastação ocorrido na Amazônia entre 2003 e 2004, o governo federal mostrou resultados positivos na contenção do problema. Mas não há garantias de que as ações sejam de longo prazo. Ao mesmo tempo em que falta ao Brasil uma política consolidada na área de meio-ambiente, falta-nos uma política nacional de mudança de clima.
”O Brasil tem presença ativa em fóruns internacionais sobre mudança climática e isso é importante. Internamente, possuímos algumas ações específicas. O Ministério do Meio Ambiente, por exemplo, está envolvido no combate ao desmatamento. O Ministério de Minas e Energia está investindo no uso de energias alternativas. Mas não há concatenação de todas essas ações no governo. Essa é uma questão que o Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas está tentando estimular”, avalia Luiz Pinguelli Rosa, secretário-executivo do Fórum.
O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas foi criado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e reavivado no governo Lula. Trata-se de um espaço de discussão envolvendo diferentes setores da sociedade: academia, organizações da sociedade civil, governo, iniciativa privada.
“Discutimos muito o desmatamento da Amazônia, a necessidade de estabelecer metas para a redução, apesar da convenção do clima não estipular que os países em desenvolvimento, como o Brasil, precisam cumprir metas de redução de emissão de gases do efeito estufa. Mas precisamos ver que, além do efeito estufa, o desmatamento tem outros efeitos nocivos, que afetam principalmente a população amazônica”, complementa Pinguelli.
“Se pensarmos em termos da responsabilidade dos países, as emissões por desmatamento no Brasil são enormes. O desmatamento nessas proporções faz com que as emissões per capta no Brasil, por ano, sejam maiores do que as de outros países em desenvolvimento. Isso aumenta a responsabilidade do país no sentido de implementar medidas efetivas para controlar o problema”, ressalta Mark Lutes, pesquisador associado do Instituto Vitae Civilis.
Mark ressalta que o Brasil precisa introduzir a preocupação com as mudanças climáticas e seus impactos e com a emissão de gases do efeito estufa em todos os processos de planejamento. “Em um planejamento de expansão urbana, por exemplo, é preciso levar em conta o potencial de subida do mar, os processos de erosão etc. As atividades agrícolas devem levar em conta o potencial de chuva na região. Há dois anos, o Brasil teve o furacão Catarina, no Sul do país. O fato chamou a atenção de muitas pessoas com relação aos impactos das mudanças climáticas”, relembra.
Segundo Jean-Pierre Leroy, assessor da Fase no programa Amazônia Sustentável, o governo está muito voltado para os mecanismos de desenvolvimento limpo do Protocolo de kyoto, oriundos da Convenção Quadro de Mudança de Clima. “O governo não está voltado para a criação de um fundo público para produzir energias mais limpas, mudar o modelo de ocupação do território e garantir uma política pública que distribua recursos para que se possa seguir uma estratégia pública. Ele praticamente entregou tudo ao mercado. Com o mercado de carbono, ocorre uma longa corrida de setores empresariais para se beneficiar disso”, alerta.
Jean-Pierre também chama a atenção para um impasse entre o governo e organizações da sociedade civil, no que diz respeito à inclusão nos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo do manejo de florestas nativas, evitando a produção de mais gases do efeito estufa: o governo, por motivos de segurança nacional, sempre se recusou a tratar a Amazônia em acordos internacionais, o que não está de acordo com o que ONGs acham que deveria ser feito nesse caso específico.
“Poderíamos imaginar uma política nacional que dissesse: vamos trabalhar para que a floresta não seja desmatada, fazendo a nossa parte para satisfazer a convenção de clima. Mas ainda estamos longe disso. Há um começo de mudança de percepção, mas ainda não há nada concreto”, avalia Jean-Pierre.
Que desenvolvimento queremos?
É possível que as nações promovam desenvolvimento sem que o meio-ambiente seja tão agredido? Que outro desenvolvimento seria mais condizente com a preservação do planeta? Mark chamou a atenção para o fato de os países em desenvolvimento estarem construindo sua infra-estrutura na atualidade:
“Esses países têm a chance de evitar os erros do passado. Muitas nações industrializadas têm usinas de carvão, por exemplo, ineficientes e com velha tecnologia. Trocar ou eliminar essa infra-estrutura representaria um custo enorme. O Brasil tem potencial para energia eólica, de resíduos de agricultura e solar. São essas as áreas que devem ter prioridade no planejamento energético, não a energia fóssil e as grandes barragens na floresta amazônica”, aponta Mark.
Jean-Pierre frisou a necessidade de o Brasil parar de centrar o desenvolvimento sobre a exportação. “Precisamos parar de apostar somente no modelo ligado à exportação. Precisamos de um desenvolvimento mais próximo da realidade, que incorpore a reforma agrária, que interiorize o desenvolvimento, verticalize a produção”, projeta. E acrescenta: “se não há vontade política, se não há a percepção de que as coisas estão ficando graves socioambientalmente, mudança do pensar e do fazer científico-tecnológico e vontade de inclusão, de recuperar a desigualdade no Brasil, acho que não tem futuro”.
Os números do desmatamento
Entre 2003 e 2004, o Brasil teve 27.200 Km2 de floresta amazônica desmatada. Foi o segundo maior desmatamento desde 1995. O Mato Grosso foi o responsável pela maior extensão desse desmatamento, cerca de 13 mil km2, o que equivale ao dobro do Pará. A principal causa desse aumento vertiginoso foi o boom da soja e da pecuária.
”O Brasil é o segundo exportador mundial de carne. Ela é bem-vista por não apresentarmos vaca louca, como na Europa, e por termos uma carne verde, uma carne de pasto. A soja também alcançou preços muito bons no exterior nessa época. Esses dois fatores estimularam o aumento do desmatamento, precedido pela grilagem”, explica Jean-Pierre.
Já para o período entre 2004 e 2005, houve queda significativa no volume de desmatamento: caiu para 18.900 km2, ou seja, houve uma redução de 31% em relação ao período anterior. Segundo o governo federal, a diminuição pode ser atribuída a iniciativas que combinam ações de comando e controle com grandes operações de repressão com outras de ordenamento fundiário e territorial e criação de áreas protegidas.
O Ministério do Meio Ambiente chamou a atenção para a redução expressiva do desmatamento nas áreas próximas à rodovia Cuiabá-Santarém (BR-163), onde houve maior intervenção do governo federal por meio das fiscalizações do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia. E ressaltou que o grande desafio agora é combinar as ações de comando e controle com as ações de desenvolvimento sustentável.
“Acho que as medidas tomadas pelo governo tiveram impacto. Mas outros fatores foram fundamentais para isso: a repercussão, ano passado, da morte da freira Dorothy Stang; o esforço da Polícia Federal para acabar com a corrupção no Ibama; e a queda do preço da soja no mercado”, enumera Mark.
Segundo Carlos Nobre, coordenador-geral do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC)/Inpe, uma parte da baixa dos desmatamentos foi resultado dos baixos preços das commodities agrícolas da carne, o que diminuiu a pressão para abrir e desmatar novas áreas. “Mas, certamente, boa parte da redução pode ser atribuída às ações fiscalizatórias no ano passado, muito mais efetivas, abrangentes. E, para isso, o sistema Deter foi ferramenta fundamental”, afrima.
O sistema Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), implantado pelo Inpe, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, permite o monitoramento de áreas desmatadas, promovendo dados regulares para as agências ambientais dos estados amazônicos, o Ibama e o Ministério Público. “Há casos nos quais o sistema detectou desmatamentos que tinham acabado de ocorrer ou estavam em andamento”, conta Nobre.
“Como transformar a operação feita por órgãos públicos sob a pressão da opinião internacional e da comoção nacional em presença permanente?”, questiona-se Jean-Pierre. E complementa: “recentemente, o Greenpeace denunciou o desmatamento, de uma só vez, de 1.500 hectares em Santarém, na total ilegalidade. É evidente que ainda há muito a fazer”, alerta.
Mark Lutes aponta para o fato de que há dúvidas sobre se as ações do governo serão de longo prazo, mas, ao mesmo tempo, mostra-se otimista. “As últimas ações do governo mostraram que tem nas mãos as ferramentas necessárias para fazer a diferença, para controlar o desmatamento. Se essas medidas não forem de longo prazo, a taxa voltará a crescer. Mas há indícios fortes de que os programas governamentais poderão fazer grande diferença.”
(Por Flávia Mattar, Ibase, 06/06/2006)
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