A Operação Curupira, que desmascarou um esquema de corrupção dentro do Ibama e
da Fundação Estadual de Meio Ambiente do Mato Grosso (Fema) envolvendo
empresários locais, ganhou corpo depois que a Polícia Federal quebrou o sigilo
telefônico de funcionários suspeitos de acobertarem contrabando de madeira. As
gravações deixaram claro que onde deveria haver fiscalização contra corte e
comércio ilegal de produtos florestais, havia suborno e falta de estrutura do
Estado para inibir esquemas às vezes banais de falsificação de documentos.
Para marcar um ano da operação, O Eco divulga trechos dessas gravações. Todos
os funcionários do Ibama que aparecem nas transcrições abaixo ainda trabalham
no instituto, aguardando a conclusão das investigações.
Os trechos revelam, entre outras coisas, que despachantes e empresários da
região de Colniza recebiam informações privilegiadas, como as fornecidas pelo
então chefe do escritório regional do Ibama de Aripuanã, Paulo Roberto Salazar,
sobre futuras operações de fiscalização na região.
O pagamento de propina a fiscais do Ibama era um crime comum. O analista
ambiental Jesuíno Vieira dos Santos, na época lotado em Aripuanã, é outro dos
acusados desse tipo de infração. Numa das conversas, Paulo Salazar fala a
Jesuíno que “uma pessoa” não deixou “nada” com ele, mas vai deixar. E que logo
vai receber as ATPFs de “aviãozinho” (clique para ouvir e ler a transcrição).
Além disso, denúncias indicaram que Jesuíno mantinha contato com Dirceu
Benvenutti, responsável técnico de diversos planos de manejo da empresa
Bioflora Planejamento Florestal Ltda, da qual era sócio. As investigações
apontaram para a formação de uma grande organização criminosa que grilava
terras públicas e adquiria ATPFs para legalizar madeiras em estoque de serrarias.
Como Dirceu precisava de apoio dentro do Ibama, Jesuíno dava pareceres
favoráveis de vistoria das propriedades beneficiadas com as permissões para
manejo.
Ele também é acusado de levar para dentro do escritório de Aripuanã a senhora
Tatiana Teles Barreto, que tinha acesso a toda documentação de madeireiras e
operava o Sismad (Sistema de Fluxo de Produtos e Subprodutos da Floresta),
podendo acrescentar créditos para o corte de madeira a qualquer empresa, mesmo
sem vínculo legal com o serviço público.
Embora esses crimes acontecessem por todo estado, era grande a concentração de
atividades suspeitas – para dizer o mínimo – no escritório do Ibama em Aripuanã.
Izael Gonçalo da Costa, analista ambiental de lá, é indicado em gravações
telefônicas negociando a liberação de carga apreendida no posto fiscal do Ibama
no Trevo do Lagarto, nas proximidades de Cuiabá. Numa conversa com uma mulher
chamada Karina Almeida Gomes, o servidor promete contatar Marcos Pinto Gomes e
Benedito Paes de Camargo, então chefe e substituto da divisão de fiscalização de
Cuiabá.
Em seguida, Izael comenta o pedido com Marcelo e fala sobre as providências que
está tomando.
Segundo as apurações do grupo de trabalho chefiado pelo procurador federal
Elielson Ayres de Souza, muitos servidores apontados no esquema foram omissos
em seus serviços. Alfredo Hiroshi Abe, por exemplo, é acusado de não verificar
os dados enviados pelas empresas para que fosse realizado o controle do saldo de
madeira. O servidor foi denunciado também por propositalmente não comparar as
duas vias das ATPFs, procedimento obrigatório para checar se o documento não
havia sido falsificado.
Em um dos diálogos captados pelas investigações, os despachantes Elvis Portela e
Wilson Rossetto conversam sobre a conduta de Alfredo Hiroshi Abe, que
supostamente intercepta e destrói as ATPFs falsas porventura remetidas à
verificação do Ibama.
Simplicidade do crime
João Alves da Luz, presidente do sindicato das indústrias madeireiras da região
de Juína não foi citado nos grampos divulgados, mas ele mesmo não se incomoda
em explicar, em linhas gerais, a dinâmica das fraudes ambientais no noroeste do
Mato Grosso que, segundo ele, não foram extintas.
“Por exemplo, você compra um grilo em Colniza (MT). Procura o Instituto de
Terras de Mato Grosso (Intermat) e registra que tem uma área de 400 alqueires,
quando na verdade você tem 800. Com os 400, faz um projeto de manejo para vender
madeira e retira as toras da área maior, claro.” E como é que se faz para
transportar a madeira da área sem documentação do Intermat? Compra notinha”,
ele conta. Entenda-se, notinha: ATPF. “Para obter as ATPFs e os projeto de
manejo aprovados, tinha que ter suborno”.
Segundo o presidente do sindicato, era comum pedir plano de manejo para o Ibama
de uma área completamente derrubada. “Eles não iam verificar. Davam o papel
para a gente, regularizava a área e tirávamos árvore de outro lugar”. Parece tão
simples.
Os madeireiros se aproveitavam da falta de estrutura do Ibama, que não tinha
condições de enviar engenheiros para vistoriar os planos de manejo, para
subornar servidores, que atestavam mentirosamente terem verificado a área, para
que o setor continuasse em atividade. “Toda vida aconteceu assim. Às vezes, o
próprio Ibama nos procurava e passava o chapéu para o dinheiro do combustível,
por exemplo”.
Mesmo com as novas regras, João Alves da Luz diz que o setor madeireiro em Mato
Grosso sempre vai precisar de uma “facilitação” para continuar cortando árvores
no estado. “Se for seguir a legislação ao pé da letra todo mundo pára”. Mas diz
que toda essa rede se desmantelou depois da Operação Curupira. Mesmo assim,
garante que os ilegais estão em plena atividade. “Todo mundo continua
esquentando madeira, só não sei como”, diz.
(Andreia Fanzeres,
O Eco , 01/06/2006)