Os produtores rurais de Santarém, no oeste do Pará, receberão em breve um
“chamado para a legalidade”. A intimação ou convite (a modalidade vai variar
conforme o caso) virá do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(INCRA), que agora resolveu virar os olhos para as fazendas da região.
Satisfeito com o combate à grilagem feito no entorno da rodovia BR-163, que
teria evitado o desmatamento de milhares de hectares, o presidente do INCRA,
Rolf Hackbart, diz que, dentro de alguns dias, tirará das mangas cartas que vem
guardando há um bom tempo.
Tratam-se de duas instruções normativas que, segundo Hackbart, colocarão
grileiros de terra na Amazônia em situação complicada. As novas regras, que
apenas esperam a publicação no Diário Oficial da União, serão uma tentativa de
regularizar invasões de terra de pequeno e médio porte. Para entrarem na
legalidade os posseiros terão de dar provas do cumprimento da legislação
ambiental, como a manutenção de reservas legais e áreas de preservação
permanente.
Ocupantes de áreas públicas de até 500 hectares, que são maioria na região de
Santarém, não receberão títulos definitivos de posse. Ao invés disso, poderão
ser agraciados com um intrumento até então pouco aplicado, a concessão real de
uso. Ou seja, a terra continuará a ser publica e o uso produtivo será feito via
uma concessão onerosa e de acordo com normas ambientais.
Para garantir que as concessões não afetem unidades de conservação, terras
índigenas ou reservas extrativistas, Hackbart afirma que a edição das novas
normas deverá ser seguida por uma grande ação conjunta de ministérios, polícia
federal e exército para mapearem as terras públicas hoje ocupadas. Algo
semelhante ao que foi feito na região de Anapu, no norte do Pará, logo após o
assassinato da irmã Doroty Stang. Lá, cerca de 1 milhão de hectares já foram
mapeados, de acordo com o presidente do INCRA.
A grande vantagem de regularizar terras na Amazönia através de concessões, diz
José Helder Benatti, o especialista em temas agrários do Instituto de Pesquisas
da Amazônia (IPAM), é tirá-las do mercado. O objetivo é espantar grileiros
ligados a grandes madereiras e pecuaristas, que geralmente se apoderam de áreas
de pequenos e médios posseiros. Aliás, a fuga dos grileiros, segundo Hackbart,
já pôde ser vista nas margens da BR-163. “Viram que não dava mais na margem
direita e passaram a explorar a margem esquerda, em direção do sul do Amazonas”,
revela com preocupação.
Falta infra-estrutura
Contudo, Benatti, que acaba de lançar um estudo encomendado pelo Ministério do
Meio Ambiente sobre grilagem na Amazônia, acha ainda cedo para julgar se ações
do governo federal serão capazes de reverter um quadro de total descaso no trato
com o bem público. Em seu estudo, o pesquisador do IPAM confirmou o que há
muito já se sabe: os escritórios do INCRA não possuem pessoal suficiente para
lidar com os processos de regularização. A pesquisa de campo, feita no oeste
paraense, descreve que há escritórios com mais de 1,5 mil processos empilhados
sem que haja um computador para se trabalhar. Em Santarém, por exemplo, o INCRA
não possui um topográfo, profissional sem o qual não se coloca nem mesmo uma
cerca na área pública.
O interessante do estudo de Benatti é que há uma sútil mudança no mandra de que
as áreas com altos índices de grilagem são apenas terras carentes do poder
público e de infra-estrutura. A relação causal entre falta de autoridades e
grilagem não é tão simples assim, pois o processo mais se assemelha a uma
apropriação do poder público pelos grileiros . O furto de terras públicas é
apenas o primeiro passo de uma estratégia para usurpar o poder local. Assim os
grileiros tornam-se “empreendedores”, aqueles que construirão as estradas,
pontes, dividirão os lotes e fornecerão os materiais de construção. Em breve
serão as lideraças, os prefeitos, etc. Uma conclusão marcante do estudo é: os
municípios no oeste do Pará consolidaram-se através de processos de grilagem.
Não coincidentemente, alguns dos municípios que surgiram de ações de grilagem
figuraram nos últimos anos entre os campeões de desmatamento na Amazônia. Entre
eles São Felix do Xingu, Santarém e Monte Alegre. Quando se trata de grilagem
e degradação ambiental, aí sim, a relação causa e consequência é bastante direta.
Os mapas do IPAM mostram que nos mesmos locais onde a grilagem corre solta,
também se constata o aumento do desmatamento e do rebanho bovino, além de altas
taxas de assassinato de trabalhadores rurais. “Expropriação de recursos naturais
e direitos humanos na Amazônia são faces da mesma moeda”, conclui Benatti.
(Gustavo Faleiros,
O Eco , 03/06/2006)