O silêncio diante das denúncias contra a celulose
2006-06-06
Em entrevista, o ambientalista Carlos Dayrell analisa o impacto da monocultura de eucalipto e a importância de ações como a ocupação da Aracruz
Ainda eram tímidas as manifestações de apoio à ação das mulheres da Via Campesina contra a Aracruz Celulose, ocorrida em 8 de março, quando uma carta aberta, endereçada ao governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, chamou a atenção pelo tom pessoal, emotivo e ao mesmo tempo firme com que qualificava a ocupação da empresa como um "ato de bravura, de coragem, de cidadania mundial" e exigia o fim da perseguição policial e judiciária ainda em curso contra os movimentos sociais que participaram da ação.
Intitulada "Nas entrelinhas da ação das mulheres da Via Campesina nos canteiros da Aracruz, um recado para todos nós", a carta também chamava a atenção para o seu autor. "Este ato das mulheres da Via Campesina, ocorrido no mesmo Estado onde, 31 anos atrás, outro ato de três estudantes em cima de uma árvore chamou a atenção da sociedade para a importância de dar relevância para um crescente movimento ambientalista deveria ser entendido por todos nós como um alerta sobre os riscos de uma opção desenvolvimentista que vêm comprometendo a possibilidade de um futuro de todos nós brasileiros, de todos nós cidadãos e viventes do mundo", dizia no texto o mineiro Carlos Alberto Dayrell, ele mesmo um dos três estudantes que na manhã do dia 25 de fevereiro de 1975 protagonizaram um episódio que marcou a história de Porto Alegre e simbolizou o surgimento do movimento ambientalista do Rio Grande do Sul.
Estudante de engenharia elétrica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e sócio da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), em 1975, Dayrell conseguiu impedir que uma árvore fosse derrubada para a construção do viaduto Imperatriz Leopoldina. O caso levou uma multidão à avenida João Pessoa, foi parar na polícia e ganhou as páginas de jornais de todo o país.
Depois de ter trocado a engenharia pela agronomia, curso em que se formou em 1980, hoje Dayrell trabalha no Centro de Agricultura Alternativa do município de Montes Claros, em Minas Gerais. Em 1998, recebeu da Câmara de Vereadores o título de Cidadão Honorário de Porto Alegre.
Com a experiência de quem milita no movimento ambientalista desde a década de 1970 e viu de perto a degradação ambiental provocada pelas monoculturas de celulose em Minas Gerais e no Espírito Santo, Carlos Dayrell explica nesta entrevista os motivos que o levaram a apoiar a ação da Via Campesina contra a Aracruz e analisa que repercussões o fato vem causando dentro do movimento ambientalista. "Uma das nossas tarefas é não silenciar", afirma.
Pergunta – A Via Campesina está sendo acusada de tentar parar o progresso, ao destruir mudas e o suposto laboratório de pesquisas da Aracruz. O que você tem a dizer sobre isso?
Carlos Dayrell – Quando a Via Campesina toma uma atitude como esta, antes de uma acusação fácil e superficial, é preciso que procuremos compreender o que levou as mulheres a isso. Nós estamos vivendo um momento em que não podemos mais ficar omissos frente a um processo extremamente acelerado de apropriação privada dos recursos do planeta, que o está levando ao comprometimento da capacidade de suporte da vida humana. Precisamos de atitudes urgentes e radicais que apontem para um redirecionamento na sociedade para um outro padrão de vida sustentável. Porém, os interesses econômicos da sociedade urbano-industrial, cujo modo de produção dominante é o capitalismo globalizado, são muito potentes.
Quando a Via Campesina toma uma atitude como esta, antes de uma acusação fácil e superficial, é preciso que procuremos compreender o que levou as mulheres a isso. Nós estamos vivendo um momento em que não podemos mais ficar omissos frente a um processo extremamente acelerado de apropriação privada dos recursos do planeta, que o está levando ao comprometimento da capacidade de suporte da vida humana. Precisamos de atitudes urgentes e radicais que apontem para um redirecionamento na sociedade para um outro padrão de vida sustentável. Porém, os interesses econômicos da sociedade urbano-industrial, cujo modo de produção dominante é o capitalismo globalizado, são muito potentes.
O campesinato no Brasil sempre foi e continua sendo a base de sustentação da produção de alimentos e cuja vida, sua reprodução social, depende do que acontece com a natureza. Por viver no e do campo, tem muito mais condições de nos alertar com antecedência, antecedendo inclusive à informações preciosas oriundas da ciência, se a tratativa que a sociedade urbano industrial dá ao campo está comprometendo ou não as funções vitais dos ecossistemas.
Porém, a história brasileira é uma história de negação do campesinato, de não-reconhecimento de seu papel histórico no desenvolvimento de nossa sociedade e, pior ainda, uma história de depreciação de um povo culturalmente diverso que se identifica muito mais com as sociedades não industriais ou não ocidentais.
(Por Luiz Renato Almeida, Brasil de Fato, 05/06/2006)
http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia