Equador e Argentina também estão inclinados a seguir os passos dos movimentos sociais
2006-06-02
Artigo - Por Emir Sader
Os movimentos sociais foram os maiores protagonistas na resistência às políticas neoliberais, ao longo de duas décadas, na América Latina. A conversão de grande parte da esquerda tradicional – partidos nacionalistas, social-democratas – deixou esses movimentos quase que sozinhos nessa luta.
Essas mobilizações contribuíram decisivamente para o esgotamento do modelo neoliberal, depois de suas promessas não cumpridas e o aumento da desigualdade, da miséria e da exclusão social. Governos que tentaram manter esse modelo caíram, sucessivamente, um após o outro.
A Bolívia, o Equador e a Argentina foram os países em que os movimentos sociais mais conseguiram derrubar governos que teimaram em manter e reproduzir políticas neoliberais. No Equador, os movimentos indígenas protagonizaram mobilizações nacionais que levaram à renuncia de três presidentes da República. Numa das vezes, apoiaram um candidato que havia se comprometido com suas causas – Lucio Gutierrez –, mas que, tão logo fora eleito, e ainda antes de tomar posse, foi a Washington e se comprometeu com medidas radicalmente opostas às de sua campanha.
Esse golpe se refletiu duramente na Conaie, a Confederação de movimentos indígenas. Mas ela soube se recuperar a tempo de, unida a outros movimentos sociais urbanos, derrubar Gutierrez. Mais recentemente esses movimentos lograram inviabilizar a assinatura do Tratado de Livre Comércio que o vice-presidente de Gutierrez, Alfredo Palácios, depois de breve período progressista, estava para assinar com o governo dos EUA. As mobilizações populares impediram esse ato, reivindicando uma consulta nacional sobre o tema, assim como a expulsão da empresa norte-americana Occidental e a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte.
Como reflexo dessas mobilizações, a assinatura ficou postergada e o governo de Palácios decidiu expulsar a empresa de petróleo norte-americana, que havia repassado a outras empresas, ilegalmente, as concessões que dispunha. Como resposta imediata, Washington retirou a proposta de Tratado de Livre Comércio, consumando-se assim uma importante vitória dos movimentos sociais equatorianos.
Com a proximidade das eleições presidenciais, em outubro, desta vez a Conaie e o movimento político Pachakutik resolveram não delegar mais sua representação política, e lançaram a candidatura de seu mais importante dirigente político – Luis Macas – à presidência da República. Sua plataforma recolhe exatamente as reivindicações históricas do povo equatoriano – convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte, supressão definitiva da possibilidade de assinatura do TLC, nacionalização dos recursos naturais do país, além da expulsão definitiva da empresa Occidental.
Essa decisão ganha ainda mais relevância porque se dá em um dos países de maior presença indígena na região, justamente junto com a Bolívia, onde os movimentos indígenas haviam tomado a atitude inédita e pioneira de lançar seu principal dirigente – Evo Morales – à presidência. O governo de Evo representa uma referência para todos os movimentos indigenistas e para todos os movimentos sociais, que devem formular e lutar por suas próprias alternativas. Entre estas se encontra exatamente a luta por uma esquerda e um movimento plurinacional, que atenda às características reais dessas sociedades.
De maneira distinta, porque em uma sociedade com composição social e étnica distinta, a Confederação dos Trabalhadores Argentinos – a mais importante e inovadora central sindical argentina – decidiu, depois de muitos anos de debate, lançar a seu principal dirigente – Victor de Gennaro – como candidato à presidência da República, para as eleições que devem se realizar em abril de 2007.
É igualmente uma posição inédita da esquerda argentina, marcada por fragmentações de caráter ideológico, que têm dificultado a tradução no plano política da força social acumulada pelos movimentos, sobretudo desde a resistência ao governo de Carlos Menem e a derrubada do governo de Fernando De la Rua. Basta dizer que nas últimas eleições a esquerda argentina se dividiu entre uma posição de abstenção ou voto nulo, e uma quantidade de candidatos que impediu a multiplicação de sua força.
Com posições como as da Conaie e do Pachakutik no Equador, e da CTA na Argentina, na direção da que tomaram os movimentos sociais bolivianos e o MAS, a luta por um projeto de hegemonia alternativo, por um projeto pós-neoliberal, ganha novos contornos, agora protagonizados diretamente pelas forças sociais que lideraram a luta de resistência ao neoliberalismo. Agora, na hora de formular e colocar em prática as alternativas de governo, cabe a essas mesmas forças, com suas traduções no plano político, desempenhar o papel fundamental.
(Agência Carta Maior, 31/05/2006)
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