Ibama nega risco à exploração de gás e capixabas insistem em ameaçar fauna marinha em Abrolhos
2006-06-02
O governo estadual está se mobilizando para pedir a anulação da portaria que cria a Zona de Amortecimento do Parque Nacional de Abrolhos, um local com espécies raras e frágeis fundamentais para a manutenção da vida marinha. Sem justificativas técnicas e apenas argumentos econômicos sem fundamento, o secretário de Desenvolvimento do Estado, Júlio Bueno, ataca o Ibama e recorre a Brasília contra a proteção de um ecossistema importante e que não impede o desenvolvimento econômico.
O documento de Júlio Bueno está levando a Brasília o governador Paulo Hartung, que nesta quarta-feira (31) terá encontro com a ministra-chefe do Gabinete Civil da presidência da República, Dilma Rousseff. Também estão contra a portaria do Ibama o deputado estadual Marcelo Santos (PPB), que encaminhou ofício à ministra de Meio Ambiente, Marina Silva, e o senador Marcus Guerra (PSDB), que se manifestou contra a medida, no Senado. Mas, segundo o gerente executivo do Ibama-ES, Ricardo Vereza Lodi (foto à dir.), a visita de representantes do governo a Brasília, e as intervenções junto ao Ministério de Meio Ambiente, não deverão anular uma decisão do Ibama nacional que não traz qualquer prejuízo à exploração de gás na região.
Ricardo desmentiu as afirmações do deputado Marcelo Santos (PPB) em documento enviado à ministra de Meio Ambiente, de que as populações do Estado e da Bahia não participaram dos debates sobre o assunto.
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"Foram dois anos de discussão e uma aprovação da portaria por unanimidade no Conselho do Parque Nacional de Abrolhos, que é formado por técnicos do governo do Estado e da Bahia, além de representantes da sociedade civil. A portaria não impedirá o desenvolvimento econômico, os blocos de exploração não estão na área de exclusão da zona", frisou.
Para o presidente do Instituto Organização Consciência Ambiental (Orca), Lupércio Araújo, os incoerentes alardes feitos por representantes públicos é típico de um Estado que está sendo classificado como a bola da vez do crescimento a qualquer custo. "E pode ter certeza que isso tem pressão das grandes empresas, de um País de terceiro mundo que quer crescer a partir de uma visão econômica e que encara qualquer iniciativa de preservação como um ato de inibição ao desenvolvimento e até ao patrimônio nacional", completou.
Lupércio ressaltou que falar de preservação, espécies endêmicas e unidades de conservação atualmente é quase falar em vão. "Eles querem liberar tudo, e depois, pensar no que fazer", disse.
Segundo o ambientalista, o Ibama agiu certo e cumpriu apenas uma determinação do Ministério do Meio Ambiente em resposta a uma demanda de estudiosos e cientistas que pediram a preservação da área, lembrando que esta possui inúmeras particularidades, como a própria incapacidade de se regenerar. Caso haja um acidente de grande proporção ou até mesmo em doses homeopáticas, toda a cadeia será afetada.
Na área, são encontradas inúmeras espécies de algas, responsáveis não só pela manutenção das espécies, mas pela primordial troca de gás carbônico por oxigênio. Lupércio lembrou que a região tem um ecossistema extremamente frágil, com corais endêmicos, migração de espécies em risco, e que além da importância natural, a instabilidade pode comprometer toda a biodiversidade do entorno.
"A área de amortecimento garantirá a integridade dessa área. Eu lamento que dirigentes do poder público pensem assim. Estes são caras com visão curta e imediatistas. É um retrato da sociedade de hoje, que espera por decisões das estâncias superiores. Mas lá no mar, ninguém conhece os reais impactos de tais medidas, então é fácil ir a Brasília e pedir a anulação", alertou.
Os argumentos usados para atacar a portaria 39 são fundamentados principalmente no impedimento do desenvolvimento econômico, mas sem usar argumentos técnicos bem fundamentados.
Segundo Ricardo Vereza, na área de exclusão, onde não é permitida a exploração de gás ou petróleo, não há nenhum bloco de exploração, e por isso não há motivo para o alarde. Já na área de restrição, que impõe apenas licenciamentos ambientais mais rígidos, estão apenas os blocos de exploração de Cangoá-Peroá.
A área do Campo de Golfinhos e da Unidade de Tratamento de Gás de Cacimbas (UTGC) também estão fora da zona de amortecimento do Parque Nacional de Abrolhos e não terão suas atividades prejudicadas.
Portaria 39
A portaria visa a garantir a preservação da fauna e flora marítima da região, considerada por ambientalistas como berçário de baleias jubartes, entre outras espécies diretamente prejudicadas pelas atividades pretolíferas na costa capixaba.
A medida, que demorou a ser aprovada levando em consideração os 20 anos de criação do parque, deve garantir o monitoramento ou restrição de atividades que possam impactar a área, mas não impedir a exploração de petróleo e gás já licenciadas como apontam o governo do Estado, o Senado e o Legislativo.
O Instituto Orca ressalta que a zona de amortecimento é necessária para preservar espécies como a baleia Megaptera Novaeangliae e a espécie de golfinho Pontoporia Blainvillei, ambas na Lista Oficial de Espécies da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção e na Lista das Espécies Ameaçadas do Espírito Santo.
Prova disso são os estudos realizados pelo Instituto que constataram um aumento no número de baleias mortas registradas nos últimos quatro anos, bem como o incremento das atividades humanas desenvolvidas na porção sul do Banco de Abrolhos, demonstrando o agravamento dos conflitos e das interações negativas entre as atividades econômicas e conservacionistas na região.
Sem estudos apropriados e restrições às explorações na área de amortecimento de Abrolhos, as atividades podem causar lesões físicas ou sensoriais capazes de causar o afastamento dos animais e desagrupamento de estruturas familiares, comprometendo o sucesso reprodutivo e podendo provocar até a morte dos indivíduos.
Para o Instituto, a portaria expressa a preocupação pela recuperação do estoque populacional de cetáceos no litoral capixaba como também das baleias Franca-do-sul (Eubalaena australis) e Jubarte (Megapfera novaeangliae), que utilizam o Banco de Abrolhos, situado nos estados da Bahia e Espírito Santo, como área de reprodução.
Assim, a Portaria 39 objetiva principalmente o princípio da precaução, tal como definido na Agenda 21, adotando medidas eficazes para garantir ou minimizar a degradação do meio ambiente, sempre que houver perigo de dano grave ou irreversível, mesmo na falta de dados científicos completos.
E a quem se sentir prejudicado, a democracia é garantida. A portaria determina que os estados poderão encaminhar ao Ministério de Meio Ambiente propostas de alteração da relação dos municípios abrangidos pela faixa terrestre da zona costeira, desde que apresentada a devida justificativa para a sua inclusão ou retirada da relação.
Espera-se assim, que haja mais comprometimento e cooperação entre as esferas do governo e sociedade para o estabelecimento de políticas, planos e programas federais, estaduais e municipais que visem à preservação ambiental. Flavia Bernardes, Século Diário, 01/06/2006)