Madeireiros e agronegócio ameaçam índios da região Norte de MT
2006-06-02
A expansão do agronegócio e das madeireiras nas regiões Norte e Centro-Oeste do país são as principais ameaças à proteção dos povos indígenas isolados ou de pouco contato. O relatório elaborado pelo Cimi elenca casos de violência praticados contra 17 desses povos, mas calcula que o número de populações sem contato chegaria a pelo menos 60 nessa região. “Estes crimes de genocídio têm sido praticados por grupos de extermínio a serviço de grileiros de terras públicas, madeireiros e fazendeiros. A estratégia é acabar com todo e qualquer vestígio de presença indígena para inviabilizar a demarcação de suas terras”, aponta o documento.
Para Francisco Loebens, missionário do Cimi no Amazonas e em Roraima, os povos isolados estão vulneráveis à expansão do latifúndio. Por isso, avalia que uma das ações mais importantes para a proteção desses indígenas é reconhecer sua presença e demarcar a área. “Estamos preocupados porque não se percebe uma ação mais firme da Funai para identificar e proteger esses povos. É preciso mais seriedade no reconhecimento dos grupos isolados e ações para frear as invasões. A Funai, em algumas situações, tem negado a existência dos índios sem ter informações precisas. O agronegócio e o desmatamento têm engolido as terras indígenas.”
Um dos exemplos mais claros da falta de proteção aos índios isolados aconteceu em uma área habitada por povos indígenas que abrange os municípios de Apuí (AM) e Colniza (norte de MT). Os Ministério Público Federal em Rondônia e no Mato Grosso apresentaram denúncia no ano passado em que acusam um grupo de madeireiros de invadir e matar os grupos isolados do Rio Pardo.
Segundo a denúncia, a área está sendo grilada e dividida entre madeireiros e latifundiários. Uma portaria da Funai interditou a área, mas os procedimentos para iniciar a demarcação ainda não começaram.
“No final de novembro de 2005, a operação Rio Pardo da Polícia Federal, a pedido do Ministério Público Federal do Mato Grosso, prendeu 29 pessoas acusadas de grilagem de terras públicas nessa região. Elas respondem ao processo em liberdade. E pessoas do Cimi e da Funai na região estão ameaçadas de morte”, informa o relatório.
Crianças entre as vítimas
As ameaças contra a integridade dos povos indígenas também atingem crianças e adolescentes que, segundo o levantamento, têm sido vítimas de violência sexual, assassinatos e tentativas de assassinato. Além disso, há casos registrados de suicídios nessa faixa etária. “De janeiro de 2003 a agosto de 2005, foram computados 41 casos de violência sexual, entre estupros, tentativas de estupro, atentado violento ao pudor e favorecimento da prostituição no Amazonas, Acre, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Paraná, Rondônia, Roraima e Rio Grande do Sul”, informa o relatório.
Mais uma vez o Mato Grosso do Sul encabeça a lista dos estados com casos de violência sexual contra indígenas. Entre janeiro e agosto de 2005, dos 13 casos registrados no país, sete aconteceram no estado, e 85% das vítimas eram menores de idade. Nove casos foram levados à polícia e seis pessoas foram presas. E, entre os casos de exploração sexual, o relatório cita o crescimento do turismo em território indígena na Paraíba que tem dado espaço à infiltração do crime organizado e à exploração de meninas.
Estatísticas do Brasil
Cento e vinte e dois indígenas assassinados nos últimos três anos no Brasil. Neste mesmo período, também foram registradas ameaças de morte, conflitos entre fazendeiros e indígenas pela posse da terra e atos de violência contra povos isolados principalmente da região Norte do país. Um relatório divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) nesta terça-feira, dia 30, afirma que os casos de violências praticadas contra os povos indígenas estão relacionados principalmente aos conflitos por demarcação de terras e ao avanço do agronegócio. Segundo o documento, entre 2003 e 2005, foram homologadas, em média, seis terras indígenas por ano, enquanto, no mesmo período, a média de assassinatos chegou a 40.
“A questão da terra é a fonte dessa violência. A falta de demarcação obriga os índios a viverem em uma área pequena e isso traz conseqüências: superpopulação, falta de espaço para plantar, com isso os índios são obrigados a sair da área para trabalhar. São cenários de tensão que geram violência”, analisa Lucia Rangel, antropóloga da PUC-SP e organizadora do documento. Segundo ela, um dos objetivos do relatório é chamar a atenção do Estado e da sociedade para a questão.
A Fundação Nacional do Índio (Funai), através de sua assessoria de imprensa , afirma que o órgão vai aguardar a divulgação do documento para se pronunciar a respeito.
Utilizando as informações publicadas pela imprensa ou verificadas por suas equipes, o relatório do Cimi calcula que os conflitos pelo direito à posse da terra chegaram a 26 casos, em 2003, 41, em 2004, e 31, em 2005.
Cenário de conflitos fundiários, o Mato Grosso do Sul lidera o levantamento sobre os atos de violência contra indígenas. Em 2005, por exemplo, dos 43 assassinatos, 29 ocorreram no estado. Uma dessas vítimas foi o líder kaiowá Dorvalino Rocha, morto em dezembro do ano passado por uma pessoa que fazia a segurança de três fazendas da região. Dorvalino foi assassinado dias depois da reintegração de posse da área de Nhanderu Marangatu (no município de Antonio João) determinada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que suspendeu a homologação da terra assinada em abril de 2005. Desde então, as famílias estão acampadas na beira da estrada aguardando o julgamento do recurso apresentado pelo Ministério Público à Justiça Federal de Ponta Porã.
O relatório destaca o aumento do número de assassinatos cometidos por índios em 2005, que em sua maioria também ocorreram no Mato Grosso do Sul. “Nesse estado, os índios sofrem com dois tipos de violência. A externa, que é a dos jagunços e dos policiais, e aquela que acontece dentro da aldeia, provocada pelo alcoolismo, por estarem vivendo em pedaços tão pequenos de terra. Os índios também sofrem com a discriminação, mas o conflito pela terra é o principal problema”, afirma Saulo Feitosa, vice-presidente do Cimi.
Por Fabiana Vezzali, especial para a Repórter Brasil. (24 Horas News – MT,
01/06/2006)