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2006-05-31
A maioria das pessoas acredita que um único furacão Classe 3, o Katrina, devastou Nova Orleans dia 29 de agosto do ano passado. O sistema de proteção à inundação para a área de Nova Orleans foi projetado para proteger a cidade de um acerto direto de uma tempestade de andamento rápido de Classe 3. Mesmo assim, o furacão Katrina, uma tempestade de Classe 4 que não atingiu a cidade diretamente, encheu os sistemas em dezenas de lugares e custou mais de 1.500 vidas e bilhões de dólares em danos à propriedade.

Por quê? Em parte, dizem especialistas que estudaram o desastre, pelo fato de o furacão ser mais parecido com quatro tempestades – pelo menos – que espancaram a área em caminhos diferentes. Eles dizem que o sistema em Nova Orleans estava falho desde o começo, porque o modelo de tempestade que foi projetado para barrar era simples, e levou a uma inadequada rede de barragens, muros de contenção, portões de tempestade e bombas.

A estação de furacões começou na quinta-feira (24/05), com quatro a seis grandes tempestades previstas para este ano pela Administração Oceânica e Atmosférica Nacional. E especialistas dizem que compreender as falhas é essencial para planejar a próxima geração de proteção a inundações para uma Nova Orleans reconstruída, e para sistemas em toda a nação.

“Esta é uma questão nacional”, disse Raymond Seed, um professor de engenharia da Universidade da Califórnia, Berkeley, e um autor de um contundente relatório liberado semana passada. O relatório identificou falhas no design, construção e manutenção das barragens que contribuíram para a falência do sistema. Mas fundamentar isso tudo, declarou o relatório, foi o problema com o modelo inicial usado para determinar quão forte o sistema deveria ser.

Com a proteção certa a furacões, disse ele, o resultado do furacão Katrina teria sido diferente. “Nós o chamamos de tornozelos molhado”, disse ele. O sistema de proteção à inundação foi primeiramente autorizado pelo Congresso depois que o furacão Betsy inundou a cidade em 1965, e supostamente deveria proteger a área do tipo de tempestade que viria somente uma vez a cada dois séculos. Foi esperado para durar cerca de 13 anos para ficar completo e custar cerca de U$85 milhões, segundo uma história do Escritório de Prestação de Contas do Governo.

Quando o furacão Katrina atingiu Nova Orleans 40 anos atrás, o sistema ainda não estava terminado, e já havia custado U$738 milhões. Nos oito meses após a tempestade, o Corpo de Engenheiros gastou mais U$800 milhões em custos diretos para consertar o sistema – U$62 milhões a mais do que havia custado primeiramente.

A principal ferramenta usada para projetar o sistema foi uma ficção – uma tempestade hipotética chamada “projeto furacão padrão”. O Corpo começou a desenvolver um modelo com o Bureau do Tempo em 1959. A idéia, como colocada pelo Corpo de Engenheiro, era que o modelo representasse “a tempestade mais severa que é possível a acontecer na região”.

Os engenheiros basearam o modelo em dados de tempestades anteriores, com alguns cálculos relativamente diretos para estimar a força de movimento da tempestade e as ondas em vários pontos. O major general Don T. Riley, diretor de trabalhos civis para o Corpo, disse em uma entrevista que o sistema de barragem “foi construído no padrão do tempo”. Em retrospecto, entretanto, era uma grosseira e inadequada ferramenta. Este mês, David Daniel, o presidente de uma junta revisando a investigação do Corpo, disse em uma entrevista, “Não era uma análise terrivelmente sofisticada ou detalhada para os padrões de hoje”.

O relatório do grupo de Seed descobriu que os criadores do projeto furacão padrão, em uma tentativa de descobrir uma tempestade representativa, na realidade excluíram as mais ferozes tempestades do banco de dados. Tempestades como o furacão Camille em 1969 foram retiradas dos dados estabelecidos como estando muito distantes do normal; os pesquisadores de Berkeley notaram que “excluir dados externos não é apropriado no contexto de lidar com perigos extremos”. Também, os cálculos da proporção custo-benefício não levaram em conta os custos de falha, tanto econômicos quanto sociais, bem maiores em uma área urbana como Nova Orleans do que em zonas rurais.

Uma vez que o projeto furacão padrão foi completado, caracterizá-lo era difícil. O padrão foi desenvolvido antes de a escala de furacão Saffir-Simpson entrar em uso, e os traços da tempestade pouco se encaixaram dentro dessa escala. A velocidade do vento para o projeto furacão era de apenas 160 km/h, que cai para Classe 2; outras amostragens se parecem muito com uma muito mais severa Classe 4. O Corpo geralmente a chama de equivalente a uma Classe 3 de movimento rápido.

O projeto furacão padrão tornou-se santificado dentro do corpo de bombeiros, escreveu o grupo de Berkeley, e os engenheiros do Corpo viram pouca necessidade de voltar e re-analisar “os verdadeiros riscos de inundação catastrófica” em Nova Orleans. Mesmo quando a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional, a agência sucessora do Bureau do Tempo, recomendou aumentar a força dos modelos, os engenheiros militares não mudaram seus planos de construção.

Um relatório liberado este mês pelo Comitê do Senado para Segurança da Pátria e Assuntos Governamentais disse que chamar a tempestade do projeto furacão padrão de Classe 3 era “na melhor das hipóteses, uma estimativa grosseira, e, na pior, simplesmente imprecisa”, e deu aos moradores de Nova Orleans a falsa sensação de segurança. No relatório, Al Naomi, o gerente sênior do projeto para o sistema do Corpo, admitiu que a simplificação nasceu de conveniência – ou, como ele colocou aos investigadores do Senado, “O que eu vou dizer ao Rotary Club?”.

O que o Rotary Club passou em agosto passado não foi para o que Nova Orleans estava preparada. O primeiro furacão Katrina tocou Louisiana enquanto passava ao sul da cidade, no município da Paróquia Plaquemines, com ventos de mais de 200 km/h empurrando a tempestade. O vento e a água encheram as defesas locais do furacão: Barragens construídas para agüentar quatro metros de água foram inundadas por mais de cinco metros, danificando barragens e espalhando casas e barcos por toda a pouco povoada paróquia, como brinquedos.

Enquanto o furacão se movia através do lago Borgne ao leste, o efeito foi bem diferente: A segunda tempestade enviou fortes ondas e a força da tempestade até seis metros ou mais através do lago até a barragem ladeando a Paróquia de St. Bernard. As longas barragens lá haviam sido designadas para lidar com quatro metros de água. O ataque passou por cima de Chalmette e outras comunidades com inundações excedendo 4,2 metros em algumas áreas. Uma semelhante pancadaria derrubou a barragem sudeste do desenvolvimento, conhecida como Leste de Nova Orleans.

Em sua terceira encarnação, a tempestade subiu o nível da água por um funil formado no canto noroeste do lago Borgne e para dentro do Porto do Canal Interno de Navegação, onde a água subiu e despencou com excepcional força, disse Hassan Mashriqui, um pesquisador do Centro de Furacões da Universidade Estadual de Louisiana. Estas águas racharam paredes anti-inundação em vários lugares e destruiu a Nona Repartição Baixa da cidade.

Enquanto a tempestade empurrava para dentro do Mississippi, ela enviou um empurrão final em direção a Nova Orleans através do lago Pontchartrain, ao norte da cidade. Enquanto a água avançou contra a costa sul do lago, ela levantou-se novamente contra as paredes de três principais canais de drenagem que correm do centro da cidade. Embora esse “empurrão” tenha sido mais fraco do que os outros e a água na alcançou o todo das paredes de contenção, duas ruas sofreram rupturas que causaram o derramamento das águas do lago no centro da cidade.

Outras partes da área, como as comunidades da Margem Oeste, saíram-se particularmente bem. “Se você está sentada na Margem Oeste, você não acha que foi uma coisa tão grande”, disse Edward Link, um professor de engenharia da Universidade de Maryland, que é um líder da investigação do Corpo para o desastre.

Se a tempestade tivesse tomado um curso ao oeste ao invés disso, o efeito teria sido radicalmente diferente, disse ele, e até mesmo uma tempestade fraca pode, se concentrada em um lugar, causar um profundo dano de inundação. A lição é que “uma simples tempestade não pode ser equacionada a uma simples série de forças, ou uma única onda ou força de movimento”, disse ele.

Daniel, que está revisando o inquérito do Corpo, disse que os engenheiros de hoje basearam seus projetos para construções em áreas que tendem a desastres como inundações ou terremotos sobre analises estatísticas que passam por todas as prováveis condições e produzem avaliações que, mais proximamente, caracterizam os riscos.

A Holanda construiu proteções para inundações para fortes movimentos que podem ser esperados a cada 10 mil anos. Jurjen Battjes, um especialista em controle de inundações que está trabalhando no grupo de Daniel, disse que sua nação começou a adotar a abordagem estatística nos anos 30 e teve uma alerta de inundações nos anos 50. Algumas partes da indústria petrolífera começaram a usar uma abordagem semelhante nos anos 60.

Os planejadores holandeses extrapolaram condições bem além de qualquer coisa vista na história, mas mesmo assim possíveis, disse ele, e estimaram custos de proteção, incluindo os custos sociais e econômicos de uma falha, e fundiram com uma curva de custo-benefício. A decisão final, afirmou ele, é menos técnica do que política: “Quanto dinheiro queremos gastar agora para proteção no futuro?”.

Em Nova Orleans, o sistema de proteção a furacões foi agora restaurado para a força que supostamente tinha que ter antes do furacão Katrina, e será futuramente melhorado. O Congresso disse ao Corpo para estudar formas de melhorar a proteção do sul da Louisiana. Desta vez, disse Daniel Hitchings, diretor da força tarefa dos engenheiros militares no comando da recuperação geral de furacões para a Costa do Golfo, será feito direito, com a abordagem de probabilidade que especialistas pediram e com uma maior disposição para levar novos dados em consideração. “Se não acordarmos desta vez”, disse ele, “nunca mais acordaremos”.
Por John Schwartz, The New York Times, 30/05/06.
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