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2006-05-30
O espírito de Cararaô volta a assombrar o rio Xingu, no Pará, agora com o nome de Belo Monte. A construção da hidrelétrica pela estatal Eletronorte é dada como certa, no clima desenvolvimentista do governo, mas uma análise independente de custo-benefício concluiu que ela é inviável: US$ 3,6 bilhões inviável, para ser preciso.

O estudo de economia ambiental foi lançado numa reunião em Brasília no último dia 18 pela organização não-governamental Conservação Estratégica, braço brasileiro da americana Conservation Strategy Fund (CSF). Seus autores são Wilson Cabral de Sousa Júnior (Instituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA), John Reid (CSF) e Neidja Cristine Silvestre Leitão (ITA).

Quando ainda era Cararaô, no início da década de 1980, o projeto previa a inundação de 1.160 km2 (depois, 1.225 km2) para gerar 8.381 megawatts (MW) de energia. Diante das reações contra prováveis danos ambientais, sobretudo de nações indígenas da região, o projeto foi adiado e reformulado. Em 2002, a Eletronorte anunciou que seriam inundados só 440 km2, para gerar 11.181 MW.

Os US$ 3,6 bilhões de prejuízo ao longo de 50 anos, em valores atuais, foram obtidos apenas no terceiro dos três cenários de análise desenvolvidos pelo grupo. Nos dois primeiros, Belo Monte teria um saldo líquido positivo da ordem de US$ 1,4 bilhão a US$ 1,6 bilhão, tornando o empreendimento viável -como apregoa a Eletronorte. A diferença, segundo os autores, decorre do emprego de dados e estimativas irreais nos primeiros casos, como muitas vezes ocorre no setor elétrico brasileiro.

O primeiro cenário empregou a metodologia tradicional de simulação do setor, em que os custos projetados do empreendimento são confrontados com os benefícios (valor da energia produzida). No segundo, foram incluídas na conta as chamadas "externalidades", impactos sociais e ambientais cujo valor normalmente não é computado. Coisas como perdas na pesca, na agropecuária, na qualidade da água da bacia hidrográfica e inundação de florestas. A diferença entre um e outro foi considerada pequena: US$ 200 milhões.

Energia firme
No terceiro cenário, o grupo usou uma metodologia diferente, o modelo HydroSim, desenvolvido na Unicamp. Foi com ele que surgiu a divergência crucial, nas estimativas sobre a "energia firme" que Belo Monte gerará. Os 11.181 MW da usina correspondem apenas à capacidade instalada, um nível que só seria alcançado em três meses do ano. No restante, ela produziria uma fração disso -garantidamente, 4.670 MW.

Mesmo este valor se torna otimista, de acordo com o relatório, quando se emprega o modelo HydroSim. Neste caso, a energia firme cai para 1.172 MW, em razão da grande variação nas vazões naturais da bacia. Isso basta para mudar o saldo do empreendimento do azul para o vermelho.

O grupo gerou então milhares de situações, usando projeções consideradas mais realistas, como a tendência de obras hidrelétricas saírem mais caras (sobrepreço médio de 30%, no caso amazônico) e atrasarem. No pior dos resultados, Belo Monte tem uma probabilidade de meros 2,3% de ser rentável. No melhor, 39%. Dito de outro modo: mais de 60% de chance de dar prejuízo, que poderia chegar a US$ 3,6 bilhões.

"Crise planejada"
Para um empreendimento que vai desalojar 3.200 famílias na região de Altamira, é de estranhar que tenha sido tomada a decisão de ir em frente com ele. Mas o grupo do CSF levanta uma outra possibilidade: que a inviabilidade de Belo Monte seja de fato uma "crise planejada". Construída a usina, sua ineficiência poderia ser usada para justificar a construção de outras barragens no Xingu. A Eletronorte nega a afirmação.

"As projeções evidenciadas no nosso estudo apontam que o Complexo Hidrelétrico Belo Monte, como projeto independente, não é economicamente viável e provavelmente seria apenas o primeiro barramento no rio Xingu", afirmou Wilson Cabral, do ITA. Em vista estaria a usina de Altamira, que em sua encarnação da década de 1980, quando se chamava Babaquara, previa o alagamento de mais de 6.000 km2 -o equivalente a quatro municípios como São Paulo- para gerar 6.274 MW.

O pesquisador do ITA deplorou também a falta de transparência no setor elétrico brasileiro. "Tivemos dificuldade para acessar as informações", reclama. "Eles nunca haviam me procurado", retruca Luiz Fernando Rufato, gerente de empreendimentos da Eletronorte.
Por Marcelo Leite, Folha de S. Paulo, 27/05/06.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2705200601.htm

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