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2006-05-30
Por um momento, o bebê macaco lembra bastante uma criança humana, que se afasta dos irmãos para investigar a própria imagem refletida na lente do fotógrafo. E a associação não é fortuita. Ele pertence à espécie dos bonobos, que, assim como os chimpanzés, têm cerca de 99% dos genes iguais aos dos humanos. Segundo os pesquisadores, essas duas espécies estão geneticamente mais próximas de nós e guardam mais semelhanças conosco que com os outros macacos. O olhar inquisidor do macaquinho também pode revelar o medo e a tristeza de alguém que acabou de ver a mãe ser morta por caçadores. É tocante a ponto de sugerir que ele sabe que sua espécie está para ser varrida do planeta. Por todas essas razões, o olhar desamparado dos macacos órfãos fez a belga Claudine André, de 59 anos, dedicar sua vida a salvar os bonobos. Ela virou uma defensora da espécie à semelhança da zoóloga americana Dian Fossey, que na década de 60 passou a viver com os gorilas, em Ruanda. A história de Fossey, assassinada em 1985, inspirou o filme Na Montanha dos Gorilas.

Os últimos bonobos selvagens se escondem na selva da República Democrática do Congo. Enquanto os macacos adultos são mortos por causa de sua carne, os filhotes são levados para a capital do país, Kinshasa, e vendidos como animais de estimação. Claudine fez uma associação com o Ministério do Meio Ambiente do Congo para comprar os filhotes e recolhê-los no santuário Lola ya Bonobo. Na reserva natural, os filhotes são criados por uma equipe de biólogas e veterinárias congolesas e preparados para, um dia, voltar à selva. A reserva, que fica a menos de uma hora de Kinshasa, também recebe a visita de aproximadamente 8 mil estudantes por ano. Isso é importante para que eles encarem os bonobos como o maior patrimônio natural de seu país - e não como caça.

Os congoleses só não comem a carne dos filhotes porque a semelhança com um bebê humano é demasiado grande. Mas, sem as mães, a maioria dos filhotes órfãos acaba morrendo. Outros são traficados para longe. Em dezembro de 2005, um deles, chamado Malou, foi encontrado na bagagem de um passageiro em trânsito em Paris. Estava desidratado. Tinha pés e mãos queimados, o corpo coberto por feridas e um hematoma no abdome. Temendo contaminação por Ebola, as autoridades francesas queriam sacrificá-lo. Mas Claudine, por telefone, falando do Congo através do embaixador francês, conseguiu a extradição de Malou. "Quando ele chegou, eu estava com uma veterinária em Lola", diz Claudine, com lágrimas nos olhos. "Ela deu um grito de horror. Abraçou o bebê e chorou. Ele estava quase morto. Achei que não conseguiríamos salvá-lo. Mas conseguimos." Malou ainda está fraco, porém já brinca na reserva natural.

Ele teve sorte. O último refúgio dos bonobos é uma área entre os rios Congo e Kasai, de tamanho equivalente ao do Estado do Paraná. A região viveu praticamente em estado de guerra a partir de 1997, quando o genocídio no país vizinho, Ruanda, provocou a fuga de milhões de pessoas e uma guerra civil no Congo. "Há ali cerca de 12 mil soldados que ainda não foram desmobilizados", diz Claudine. "Seu único salário é um fuzil Kalashnikov e munição. Para se alimentar, tiram o que podem da floresta. E estão prestes a acabar com os bonobos."

Em 1980, quando os pesquisadores internacionais ainda tinham acesso à região, contavam-se 100 mil bonobos. Hoje, estima-se que exista algo entre 3 mil e 10 mil deles. A região está sendo desmatada rapidamente. As estradas construídas pelas madeireiras ajudam a escoar a carne dos macacos. E as companhias toleram a caça como forma de compensar os salários baixos dos trabalhadores.

O extermínio dos bonobos preocupa biólogos e antropólogos porque a espécie tem um matriarcado intrigante. Eles vivem em bandos liderados por uma coalizão de fêmeas. Machos e fêmeas usam o sexo para estabelecer parcerias, criar amizades e resolver conflitos. O grupo divide os alimentos e a criação dos filhotes. A violência é rara. Bem diferente do que ocorre entre os chimpanzés, cujos machos se matam para subjugar os outros e dominar o harém do bando. Os bonobos podem ajudar a desvendar alguns mistérios sobre os próprios humanos. "O trabalho de Claudine é muito importante", diz o biólogo holandês Frans de Waal, maior especialista em bonobos do mundo. O comportamento não vira fóssil, que serve como evidência para os cientistas.

A especulação sobre a Pré-História humana é baseada no que sabemos sobre os primatas mais próximos. Por isso, não podemos perder os bonobos. O estudo do comportamento dos chimpanzés, que estão menos ameaçados, é bem mais avançado. Mas os bonobos podem ser mais reveladores. Segundo o pesquisador japonês Takayoshi Kano, da Universidade de Kyoto, como os bonobos nunca deixaram as florestas úmidas, eles podem ser mais parecidos com o nosso ancestral em comum com os macacos do que os chimpanzés.

O zoólogo britânico Richard Dawkins criou uma analogia que, com rigor científico, explica como estamos próximos dos chimpanzés e bonobos. É a imagem de uma corrente humana no tempo. Imagine que você dá a mão para sua mãe. Ela dá a mão para a mãe dela, sua avó. E assim por diante, de uma geração para outra. A cada metro dessa corrente, as feições humanas vão se aproximando mais dos hominídeos primitivos. Com cerca de 400 quilômetros, a distância entre Rio e São Paulo, essa corrente humana terá chegado a uma ancestral sua que também é ancestral dos bonobos. Agora imagine que essa tataravó, que viveu há 5 milhões de anos, dá a outra mão para a outra filha dela. E que elas formam outra corrente, paralela à dos humanos, filha após filha, se desenvolvendo até os bonobos de hoje. Você estaria frente a frente com sua prima bonobo, unido a ela por uma corrente ininterrupta. Pensando nessa analogia de Dawkins, o que Claudine tenta fazer, no Congo, é apenas dar as mãos para esses parentes distantes.
(Por Alexander Mansur, Época, 29/05/2006)
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG74279-6014-419,00.html

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