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2006-05-30
A discussão judicial envolvendo os limites e conflitos entre o direito do homem e o direito ambiental tem ocorrido com freqüência no país. De acordo com Vladimir Passos de Freitas, doutor em Direito Ambiental e representante, na América Latina e no Caribe, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), as decisões legislativas costumam optar pelos direitos sociais. Essa prática, porém, poderá ser alterada à medida que os passivos ambientais, em decorrência da ação humana, venham a se acentuar.

Ele cita como exemplo as invasões de mananciais de água. "É péssimo para o meio ambiente, mas são pessoas que não tem onde morar. E acabam tendo decisões mais favoráveis. De uma forma geral, quando há um conflito entre Homem e Meio Ambiente, sempre tem prevalecido o antropocentrismo, ou seja, a justiça em favor do Homem".

Há casos, entretanto, em que esta lógica pode trazer conseqüências perversas a longo prazo, já que aquela proteção que o homem tem hoje se projeta no futuro como um prejuízo para ele próprio. "Daqui a alguns anos, a falta de água poderá ser uma realidade muito mais grave do que é atualmente. A qualidade vai piorando e ela vai se tornando mais cara também".

De acordo com Freitas, a justiça do Brasil em matéria de meio ambiente é uma das melhores do mundo. "Legislações todos têm, e é mais ou menos igual para todos países. O Brasil, com todos os problemas, é uma nação onde o judiciário é muito ativo na área ambiental". Ele atribui esse mérito a órgãos como o Ministério Público, que tem o poder de ingressar com a ação, além de uma abertura do judiciário e da conscientização da própria sociedade.

Desembargador federal aposentado, Freitas foi presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e é atualmente professor doutor em Direito Ambiental na PUC do Paraná. Ele falou na última quinta-feira (25/05) sobre "Direito ambiental: oportunidades e riscos" durante palestra realizada pela Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul (Federasul), em Porto Alegre.

Consciência empresarial
A consciência sobre o passivo ambiental já deixou de ser mera preocupação de ambientalistas e técnicos da área para figurar como pauta obrigatória na agenda das grandes corporações. Embora admita que muitas empresas ainda trabalhem a prevenção visando benefícios próprios – como o lucro ou incentivos fiscais – "já há muitos empresários conscientes, preocupados com o meio em que vivem", adotando políticas públicas em defesa do ecossistema, analisa Vladimir Passos de Freitas.

Os efeitos do aquecimento global já são evidentes e as temperaturas médias do planeta estão subindo cada vez mais. O descaso com os recursos hídricos também gera inquietação e alguns especialistas já cogitam, inclusive, a possibilidade de a água potável acabar antes do petróleo. Há aqueles que tentam se antecipar ao caos, "como alguns estrangeiros que estão comprando terras na Argentina, na região da Patagônia, só por causa da água", comenta.

Ele reitera que "as empresas ambicionam o lucro", como qualquer outra atividade em tempos de globalização. "Mas muitos dos que trabalham nesses estabelecimentos têm filhos, netos, família e sabem o mundo que vão deixar para eles. Há uma preocupação por que o problema está ficando tão grande que ninguém mais consegue ignorar", afirma.

De acordo com Freitas, há atualmente dezenas de condenações envolvendo o não cumprimento da lei ambiental no Brasil. Por outro lado, há barreiras que precisam ser vencidas, casos onde as condenações ainda são poucas. O especialista cita como exemplos os crimes por poluição — "onde há dificuldades principalmente de especialistas para se deslocar até os lugares e fazer a perícia de rios, por exemplo" — e tráfico de animais: "onde a pena é absurda, podendo variar entre 6 meses e 1 ano, mas que geralmente sequer há condenação".

Antecedentes
O representante do PNUMA divide a história do Direito Ambiental no país em três grandes momentos. A primeira etapa, nos anos 70, é denominada por ele como "fase ecológica" – período em que surgem alguns movimentos em defesa do Meio Ambiente, como a Agapan, no Rio Grande do Sul.

Na década seguinte, é a vez da "fase legislativa", com a criação de leis no início da década e o aprimoramento das mesmas na Constituição de 1988. Logo em seguida, nos anos 90, prevalece no Brasil a "fase da conscientização", com o surgimento da preocupação empresarial e o aprimoramento dos serviços, principalmente da polícia, que necessitava compreender o processo para poder apurar corretamente os fatos.

"Nos anos 60 e 70, praticamente não havia decisões ambientais no Brasil. Há registro apenas de algumas ações penais em decorrência do alto nível de poluição exercido por algumas indústrias em São Paulo", conta Freitas. Em 1981, através da lei 6.938, é que se inicia a política nacional do meio ambiente. "Essa lei trazia responsabilidades subjetivas", comenta o desembargador. Segundo a própria legislação, a Política Nacional tinha por objetivo "a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana".

Alguns anos depois, na Constituição de 88, o Meio Ambiente passou a receber tratamento especial. No capítulo VI, Art. 225, a lei assegura que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

Para garantir a efetividade desse direito, compete ao Poder Público preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e exigir, na forma da lei, estudo prévio de impacto ambiental para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de degradação do meio ambiente.

Segundo a Constituição, O Estado necessita também promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente e proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
Por Tatiana Feldens, 30/05.

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