Responda rápido: o que o Brasil tem de melhor?
Pensou? Convenhamos, não é preciso muito tempo. Com exceção de eventuais
referências a futebol, música popular e mulheres, dá pra pensar o nosso país
sem as famosas praias, montanhas, cachoeiras e florestas? Aqui em O Eco, o
jornalista Marcos Sá Corrêa costuma lembrar de uma pesquisa do historiador José
Murilo de Carvalho, que na década passada revelou como o meio ambiente está
enraizado entre as noções de cidadania mais fortes do brasileiro. “O verde das
florestas foi apontado como o maior orgulho que as pessoas tinham do país,
mesmo que o sujeito nunca tivesse tido contato com esse ambiente no lugar onde
mora”, conta.
Enquanto essa terra paradisíaca permanece estagnada no imaginário popular, na
vida real os atributos naturais estão sendo velozmente exauridos. No entanto, a
pesquisa “O que o brasileiro pensa sobre biodiversidade?”, realizada pelo
Instituto de Estudos da Religião (Iser), mostrou que, aos poucos, a percepção
de que o meio ambiente vem sofrendo graves ameaças tem aumentado - ainda que
essa consciência não esteja acompanhada por mudanças de comportamento. Os
problemas ambientais são vistos como responsabilidade do outro, do vizinho, da
prefeitura, do governo.
O levantamento foi feito pelo Instituto Vox Populi entre os dias 18 e 31 de
março, com 2.200 homens e mulheres, de zonas rurais e urbanas de todas as
regiões do país. A pesquisa é a quarta da série “O que o brasileiro pensa sobre
o meio ambiente?”, lançada primeiramente em 1992, com edições em 1997 e 2001.
Em entrevistas domiciliares que duravam cerca de uma hora, os entrevistados
responderam a 78 perguntas que originaram 800 tabelas – muitas das quais focadas
em temas sobre biodiversidade.
O entendimento do linguajar ambiental foi um dos pontos que mais surpreenderam
a pesquisadora Samyra Crespo, à frente dos levantamentos desde 1992. Apesar de
apenas 26% dos entrevistados se lembrarem de já terem ouvido falar em
biodiversidade, 79% deles explicaram corretamente o termo. No mesmo modo, 62%
dos entrevistados já escutaram a palavra transgênicos, 61% áreas protegidas e
67% efeito estufa.
Nada menos que 98% dos entrevistados consideraram a destruição das florestas
algo, no mínimo, grave para o Brasil. E quando perguntados explicitamente sobre
o principal problema ambiental do país, 65% citaram os desmatamentos e as
queimadas – um avanço desde 1992, quando essa era a opinião de 46% da população.
Em segundo lugar ficou a poluição de rios, lagos e mares, com 43%. Samyra
Crespo destaca que essa consciência não aumentou apenas em números absolutos,
mas de forma bem distribuída no país. “Sobre o desmatamento, a questão se
mostrou mais evidente na região Norte, onde esse índice subiu para 86%.”, diz a
pesquisadora.
Mudanças tímidas
Tal posição poderia significar mais do que o simples reconhecimento da ameaça se
os brasileiros, além de enxergarem o problema, se vissem como co-responsáveis
por ele. Para saber se os entrevistados se envolviam em questões que
efetivamente estavam ao seu alcance, a pesquisa propôs a listagem dos principais
problemas do bairro. Como primeiras respostas apareceram: lixo e saneamento. E
a culpa recaiu sobre os governos. “A maioria das pessoas ainda nem se considera
parte do meio ambiente. Imagina se ia se ver como responsável”, diz Samyra.
Apenas quando explicitamente a pesquisa exigia que as pessoas dissessem de que
maneira podiam ajudar a solucionar os problemas ambientais, elas lembraram do
que tem sido repetido ao longo dos últimos 14 anos de análises. Setenta e oito
por cento delas disseram que vão contribuir fazendo coleta seletiva de lixo,
65% reduzindo o consumo de água e 51% diminuindo os gastos com energia. “Nesse
ranking, a disposição de mudar certos hábitos só vira realidade quando dói no
bolso”, avalia Samyra. “Falta ligar o desafio de formar um Brasil melhor com um
ambiente melhor. Não é pensar só no desempenho da economia, na conta bancária”,
opina a educadora ambiental Suzana Pádua, fundadora do Instituto de Pesquisas
Ecológicas (Ipê) e também colunista de O Eco.
Falando nisso, ainda de acordo com a pesquisa, as poucas mudanças de
comportamento não incluem doação em dinheiro para proteção da natureza. Tampouco
incrementos no consumo de produtos considerados ambientalmente corretos. Mas se
tivessem recursos e a intenção de doá-los para proteger algum ambiente natural
brasileiro, os entrevistados escolheriam a Amazônia, com 38% da preferência.
Em segundo lugar, a Mata Atlântica (18%), seguida pelo Pantanal (9%), Caatinga
(5%), Cerrado e Manguezais (3%) e Campos Sulinos (0%).
Essa escolha pelo destino da doação tem mais a ver com que região tem atraído
mais a atenção das pessoas do que efetivamente o grau de ameaça que o ambiente
sofre. Por exemplo, estima-se que metade da área original da Amazônia, que
ocupava originalmente cerca de 49% do território nacional, tenha sofrido alguma
transformação. Enquanto isso, 80% do Cerrado já foram destruídos, a Mata
Atlântica já perdeu 92% do que tinha e os Campos Sulinos tiveram mais de 99%
de sua área original alterada. “Percebemos que o caso dos campos é ainda mais
grave, pois de tão pouco que resta as pessoas até já se esqueceram deles”,
alerta a engenheira florestal Verônica Theulen, da Fundação O Boticário de
Proteção à Natureza e também colunista de O Eco.
Educação e comunicação
A dificuldade em fazer a relação entre pressão sobre os recursos naturais e o
envolvimento da população é, em parte, explicada por deficiências na educação
básica e no tipo de informação veiculada nos meios de comunicação. “A mídia
tem papel importantíssimo, pois poderia popularizar idéias que remetessem a uma
maior valorização do meio ambiente”, diz Suzana. Samyra concorda. “Prevalece a
visão catastrofista quando alguma questão ambiental aparece. As pessoas estão
preocupadas, não têm idéia do que podem fazer para contribuir diante da
magnitude dos problemas anunciados”, fala a coordenadora da pesquisa.
Helio Mattar, presidente do Instituto Akatu, dá uma noção de como, no caso do
consumo consciente, é possível fazer a sensibilização de questões ambientais,
mesmo as mais abstratas. Ele explica o processo em quatro etapas. A primeira
delas – e a única que aparentemente o Brasil está conseguindo superar – é
reconhecer que o problema existe. Depois, que ele afeta as pessoas. “Muita gente
acha que, em termos práticos, o desmatamento na Amazônia não interfere na vida
de quem vive em São Paulo”, diz. O terceiro passo é perceber que contribuição
cada pessoa pode dar, observar o impacto de uma mudança em seus hábitos de
consumo. Por exemplo, no caso do desmatamento, ser mais criterioso na escolha
da origem da madeira a ser comprada para uma obra em casa ou o lugar de onde
vem a carne usada para alimentação. E, por fim, entender que para fazer a
diferença é preciso mobilizar mais pessoas.
“Esse tipo de pesquisa é muito importante porque podemos parar e ver para onde
a gente está andando, se estamos agindo certo em nossos trabalhos e reconhecer
se o esforço está valendo a pena”, diz Suzana. Para ela, seria bom que não só o
setor ambientalista, mas que o governo também pudesse usar a pesquisa para
refletir sobre a efetividade de suas ações. “O Estado não valoriza nem a
educação nem o meio ambiente. Não tem um governante que fale sobre
biodiversidade como um valor”.
E é bom estarmos atentos ao que os parlamentares têm a dizer justamente sobre
isso, biodiversidade. A pesquisa do Iser teve uma segunda etapa, desta vez
qualitativa. Entrevistou gente dos governos, formadores de opinião, cientistas
e outras lideranças convidadas a responder perguntas sobre meio ambiente. Até
o fim de maio, o estudo será oficialmente apresentado.
Por Andreia Fanzeres,
O Eco , 27/05/06.