Antes de socializar entre os brasileiros os prejuízos recentes do
agronegócio lançando um pacote de bondades de 75, 5 bilhões de reais
para o setor, o governo deveria olhar para o que aconteceu com as
exportações da indústria madeireira do Pará no ano de 2005. Ela tem
uma bela lição a dar aos plantadores de soja do país. Os madeireiros,
do mesmo modo que agricultores e pecuaristas, também enfrentaram
problemas de infra-estrutura para escoar matéria-prima e um câmbio
desfavorável. Só que tiveram sofrimentos extras, como a suspensão de
mais de 200 planos de manejo que estavam em situação irregular no
Sudoeste do estado e mudanças no marco regulatório, com a aprovação
pelo Congresso da Lei de Gestão de Florestas Públicas.
Na prática, isso afetou sua capacidade de encontrar matéria-prima para
exportação. Mas não afetou a sua rentabilidade. Números sobre as
exportações de madeira do Pará que acabam de ser compilados pela
Associação das Indústrias Exportadoras de Madeira do estado (Aimex)
mostram que a receita obtida em 2005 com a venda de produtos
madeireiros para o exterior chegou a 575 milhões 196 mil dólares, um
crescimento de 5,8% em relação ao ano anterior. O aumento veio junto
com uma redução no volume de madeira exportada. Em 2004, o Pará
despachou para fora do país 1 milhão 184 mil toneladas de madeira. Em
2005, foram 1 milhão e 67 mil toneladas.
O consumo menor é boa notícia para a saúde da floresta onde os
madeireiros paraenses vão buscar sua matéria-prima. Significa que no
ano passado, eles derrubaram menos árvores. O crescimento na
rentabilidade indica, como aponta Adalberto Veríssimo, pesquisador do
Instituto do Meio Ambiente e do Homem da Amazônia (Imazon), uma
mudança fundamental no perfil da indústria madeireira paraense. “Ela
reduziu o desperdício, investiu em tecnologia e passou a exportar
produtos manufaturados, que têm maior valor agregado”, diz. Graças a
isso, conseguiu aumentar sua receita de exportação num ano de
adversidades. A média de desperdício da indústria em 2005 ainda não
foi inteiramente contabilizada pela Aimex.
Segundo cálculo do Imazon, no ano anterior ela estava em cerca de 38%.
Leonardo Sobral, gerente de marketing da Cikel, uma madeireira
certificada pelo Forest Sewardship Council (FSC), confirma que o
número baixou. “Em alguns produtos, ele caiu para 36%”, diz. E o
investimento em tecnologia deu resultado. “Há três anos, poucos
fabricavam pisos. Hoje, praticamente todas as madeireiras fabricam”,
prossegue Sobral. Essa inovação tecnológica, conseguida com a compra
de máquinas importadas sem qualquer linha de crédito subsidiada do
governo, como gosta de lembrar Justiniano Neto, diretor da Aimex,
ajudou a conquista de novos mercados lá fora.
Escadas para a França
“A indústria começou a produzir um piso para jardins, uma espécie de
lajotinha de madeira que o sujeito pode montar sozinho na sua casa,
que fez imenso sucesso na Europa”, diz ele. Outro madeireiro,
acostumado a exportar madeira serrada, comprou máquina de 1 milhão de
euros, financiada em cinco anos pelo seu fabricante, e passou a mandar
escadas para a Europa, conta Neto. Sua receita deu um salto de 30%.
Esses investimentos ajudaram a mudar também o perfil das exportações
de madeira do Pará em 2005. O volume de madeira serrada e compensado
exportados em relação a 2004 caiu. O de molduras, pisos, cabos de
ferramenta e objetos de decoração subiu.
Dessa inesperada transformação e conseqüente bonança financeira nem as
madeireiras do Sudoeste do Pará, região alvo das ações do governo de
repressão ao corte ilegal de madeira no ano passado, escaparam. Luis
Carlos Tremonte, vice-presidente do Sindicato das Madeireiras do
Sudoeste do Pará (Simaspa), conta que sua empresa passou a produzir
lâminas a partir de madeira branca, consideradas de menor valor, e
teve ganhos reais com a mudança. “Começamos a produzir produtos com
valor agregado e menos desperdício e o nosso preço dobrou”, diz.
Essa tendência de receita maior e consumo menor continuou no primeiro
trimestre de 2006. As exportações chegaram a 148 milhões de dólares,
aumento de 0, 89 % em relação ao mesmo período de 2005, mas o volume
de madeira utilizado, comparando os dois trimestres, baixou 15%. Baixou
também a exportação de produtos sem o chamado valor agregado. Madeira
em estado bruto e carvão vegetal desapareceram da lista de exportações
no 1º trimestre de 2006. Em madeira serrada a redução do volume
enviado para fora do país foi de quase 20%. Produtos madeireiros
beneficiados, entretanto, continuaram crescendo. Molduras, por exemplo,
deram um salto de 71% nos três primeiros meses deste ano.
Neto, da Aimex, acha entretanto que vai ser difícil manter esse
desempenho, pelo menos num futuro próximo. “Estamos batendo no limite
em termos de capacidade de suprimento de matéria-prima”, diz. O
problema está principalmente nas incertezas em torno da liberação de
planos de manejo e autorizações de operação no estado neste ano de
transição para 2007, quando a Lei de Gestão de Florestas Públicas, que
regula a concessão para a exploração florestal em terras da União
entrará em vigor. Mesmo as madeireiras certificadas, que não terão
grandes dificuldades de adaptação ao novo marco regulatório e previam
um 2006 mais róseo, começam a ficar preocupadas.
Estabilidade
A Cikel, que tem planos de manejo aprovados em três áreas no Pará, não
sabe quando vai poder voltar a entrar na mata para cortar árvores. “No
nosso caso, o que assusta é a greve dos funcionários do Ibama, que
não parece ter prazo para acabar”, diz Sobral. “Ainda estamos sem a
autorização anual para funcionar”. “Em 2005, apesar de todas as
dificuldades, ainda conseguimos operar com planos de manejo aprovados
em 2004. Mas estamos quase parando. Aqui no Sudoeste, as serrarias
estão operando a 30% da sua capacidade”, diz Tremonte.
Tremonte, do Simaspa, é quem tem a visão mais sombria do curto prazo.
Na sua região de atuação, o Sudoeste do estado, o governo federal
estima que há 40 planos de manejo em condições de voltar a operar
este ano e submeteu à avaliação de seus donos um contrato que foi
qualificado pelo sindicato como excessivamente leonino. Ele reclama
que o texto impõe aos madeireiros prazos de pagamento pelo uso dos
recursos excessivamente curtos, pede garantias que eles não têm
condição de dar e ainda diz que a terra em que estiverem trabalhando
este ano pode ser concedida a outro no ano que vem.
“Estamos recomendando aos nossos associados que não assinem porque
eles não terão como cumprir com as condições”, diz, antevendo a
paralisação de muitas madeireiras na região em 2006. Neto é bem menos
radical. “O madeireiro não pede subsídio. Muito menos socorro. Ele
acha que o risco é inerente ao negócio”, afirma. “Do mercado, a gente
corre atrás. O que precisamos é apenas de um mínimo de estabilidade
regulatória para poder trabalhar”.
Por Manoel Francisco Brito,
O Eco , 27/05/06