Sindicato de produtores de soja do Pará faz acordo com empresa e ONG norte-americanas
2006-05-26
Produtores de soja das cidades de Belterra e Santarém, no Pará, a organização não governamental norte-americana TNC e o Sindicato dos Produtores Rurais de Santarém (Sirsan) firmaram um acordo que tenta legalizar a produção de soja na região. No Pará, mais de 90% do grão vem de propriedades com problemas fundiários e que desrespeitaram de alguma forma a legislação ambiental no país. O acordo, firmado após pressões internacionais, compromete os 106 produtores envolvidos a tentar legalizar suas terras de acordo com as normas brasileiras. Cabe à TNC a monitoração e a assistência técnica. As negociações serão intermediadas pelo Sirsan.
A repercussão das reivindicações dos movimentos socioambientalistas da Amazônia têm extrapolado a região e alcançado o cenário internacional. A sede da transnacional do setor agro-alimentar Cargill, nos Estados Unidos, tem pressionado sua filial em Santarém a tomar uma atitude em relação à situação da soja que compra na região, numa tentativa de proteger a imagem da empresa: “A assinatura do acordo se deu agora porque a pressão aumentou aqui e fora”, avalia Edilberto Sena, membro da Frente em Defesa da Amazônia (FDA). Sena afirma que a pressão também ficou mais forte quando a Justiça Federal condenou a Cargill a realizar o estudo de impacto ambiental do porto construído ilegalmente por ela, em 2001, sem os estudos prévios obrigatórios.
Esse contexto fez com que os produtores da soja se apressassem em firmar o acordo proposto pela TNC. Por sua vez, a Cargill anunciou em carta pública que a partir da próxima safra, prevista para setembro deste ano, só comprará soja certificada e com selo que comprove a sua legalidade. Por meio de sua assessoria de imprensa, a empresa diz não ter porta-voz para comentar as negociações. O Sirsan comemorou o acordo: “O acordo foi firmado por pressão. Chegou um momento que teve que fazer. Quero ver o que [os ambientalistas] vão argumentar depois que as propriedades estiverem todas certificadas”, afirma Adinor Batista Santos, presidente do sindicato.
Desde o ano passado, a TNC tenta firmar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com as partes que fecharam o atual acordo, além de órgãos públicos como o Ministério Público, o Incra e o Ibama: “Esse acordo nada tem a ver com o TAC que a TNC tentava construir e que procurava a parceria do MP, Incra e Ibama para tentar a regulamentação fundiária e anistia de multas. Não houve progresso com esse TAC”, afirma o procurador Felipe Braga: “Não fomos mais procurados, salvo para seremos informados sobre o acordo atual”. O Ibama e o Incra também não fazem parte do desse acordo. Adinor Santos, por sua vez, diz que em breve os órgãos públicos terão que fazer parte das negociações por ser um “TAC completamente cabível”.
Apesar do acordo entre TNC, Cargill e Sirsan ter sido costurado em função das manifestações dos ambientalistas, boa parte do movimento reagiu contra ele. Devido a questões ambientais e ao modelo de cultivo da soja na Amazônia _ que tem desmatado a floresta, arruinado a agricultura familiar e provocado o êxodo das comunidades locais _ os ativistas reivindicam o fim das plantações do grão e não um ajuste das suas condições ou negociações.
“O acordo tenta passar uma mensagem para o exterior de que estão legalizando a situação. Aqui eles querem mostrar que contam com apoio da sociedade local por meio da participação do Sirsan”, afirma Edilberto Sena. Ele explica que o Sirsan é o sindicato dos produtores de soja, e por isso não representa a sociedade como um todo. De acordo com ele, cada produtor tem em média de 900 a 1.500 hectares de área para plantio de grão: “Em Belterra estão os quatro maiores produtores de soja do Pará. O maior tem 2.400 hectares”. O presidente do Sirsan contrapõe: “No sindicato, a maioria é de pequenos de produtores que têm, em média, apenas 100 hectares”, diz.
Trabalhadores rurais ignorados
Para o Ministério Público, tudo não passa de um factóide: “O acordo faz parte de uma ação para legitimar a atividade empresarial que se construiu à base da criminalidade ambiental e fundiária, promovendo desmatamento ilegal, pressão econômica sobre a população de ocupação antiga e o êxodo urbano. São problemas que não tem mais conserto. São atores econômicos que tentaram legitimar sua atividade através do TAC, na época, com a parceria dos órgãos públicos federais. Esse acordo é um TAC de imagem, um factóide para se ganhar apoio da população”, avalia Felipe Braga.
A principal entidade representativa dos trabalhadores rurais da região em momento algum foi procurada para estabelecer qualquer tipo de negociação: “Tivemos conhecimento através da internet. Para nós, trabalhadores rurais, o acordo é uma afronta por não considerar a nossa luta e não ter consultado a população, como se a gente não existisse. É um acordo feito de cima”, afirma Edivaldo Matos, primeiro secretário do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santarém. O presidente do Sirsan diz acreditar que o acordo “não interfere na vida e na atividade dos trabalhadores”.
Segundo a representante da TNC, Ana Cristina Barros, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais “tem a ver [com o processo]”: “É um ator do cenário regional. Mas é preciso construir aos poucos, porque não há como sentar de cara com todos os sindicatos e as organizações”, disse. Barros afirma que “o prazo é apertado” e diz que não há como prever o que a Cargill fará no caso de os produtores de soja não cumprirem a sua parte até a próxima safra.
Problemas fundiários
Edilberto Sena explica a questão fundiária das terras da soja e afirma que estas são ilegais devido à apropriação irregular de lotes antes destinados à agricultura familiar, que os grandes proprietários compraram. São na verdade, segundo ele, terras da União que tinham apenas a licença para a ocupação e não para a apropriação: “Por isso é que é grilagem”, afirma Sena. A maior violação ambiental se refere ao desrespeito à preservação dos 80% da área de reserva legal: “Derrubaram tudo”, garante.
“Ou isso [acordo] será para inglês ver ou daqui a um ano os produtores de soja de Santarém não terão para quem vender”, avalia Sena. Segundo ele, se por um lado a Cargill compra quase toda a soja de Santarém, essa mesma soja representa apenas 5% do total dos grãos que a empresa exporta: “Os 95% restantes vem do Mato Grosso e de Rondônia. A Cargill tem exportação anual de dois milhões de toneladas anuais, Santarém produz 30 mil toneladas ao ano”, diz. Sena acredita que se os produtores de soja de Santarém não conseguirem se regularizar, a Cargill não hesitará em deixar de comprar do Pará.
Ana Cristina Barros explica que, a partir de agora, as ações em curto prazo serão a recuperação das Áreas de Proteção Permanente (APPs), principalmente as margens de rios. Barros afirma que, dependendo do grau de depredação, apenas o isolamento da área permite que a floresta se reconstitua. Se o desmatamento for irreversível, é preciso conduzir a regeneração ou plantar novamente. Quanto à questão fundiária ela afirma: “Não é preciso regularizar até o fim, mas é preciso que [o processo] esteja encaminhado. Para seguir a legislação tem que ter a legalização fundiária”.
De acordo com o presidente do Sirsan, há ainda propriedades irregulares. Para ele, o problema é que “o código florestal é novo e Santarém é uma cidade que tem mais de 350 anos. Muita gente abriu (desmatou) as propriedades como achava que devia. Na época, o próprio governo convocou as pessoas para plantar e era orientação governamental abrir 50% [da mata]”. Sobre o desmatamento atual, Santos afirma: “Um ou outro [produtor] tem desrespeitado. Pode ter havido exagero, mas não se pode generalizar em todas as esferas pro causa de um cidadão. Não temos trabalho escravo. Já existiu grilagem, mas 99% dos produtores procuram trabalhar correto”.
As prefeituras de Belterra e Santarém deram o seu apoio. “Não foram contra os produtores de soja. Não seria prudente. Eles abraçaram a causa, querem a regularização e se voluntariaram a ajudar”, afirma Ana Cristina Barros. Quanto ao Ibama e ao Incra, a TNC não recebeu nenhuma manifestação das instituições. Barros afirma que o movimento socioambientalista “vê o acordo com certo ceticismo pelo seu caráter inovador de negociar com a Cargill e o sindicato de produtores, setores pouco tradicionais”, na luta ambiental. Mas ela afirma que a implementação do código florestal é uma bandeira de todo o movimento. Para ela, pela primeira vez, a sociedade, empresa e governo estão unidos em prol de uma mesma causa.
Por Natália Suzuki, Agência Carta Maior, 24/05/06.
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