Por Luciano Martins Costa*
Analistas do mercado de capitais, quem diria, encerraram a semana recomendando ações da Petrobras. A empresa anunciou antecipação de investimentos na exploração de jazidas próprias de gás no Espírito Santo, e revelou o patenteamento de uma nova tecnologia para produção de óleo tipo diesel a partir da soja. Foi o que bastou para que a percepção de imagem da empresa apresentasse uma completa revolução, elevando suas ações a perspectivas absolutamente inversas às que a imprensa nos apresentou logo após as medidas de expropriação alardeadas pelo novo presidente da Bolívia, Evo Morales.
A seguir na observação da sucessão das notícias e seus efeitos reais na economia, teríamos que cobrir de ridículo todo o circo armado pela mídia sul-americana nos últimos dias. Mas é tão flagrante a falta de credibilidade da imprensa entre os poderosos que decidem o destino do dinheiro disponível no mundo, que alguns analistas não chegaram a dedicar mais do que um parágrafo à crise provocada pela Bolívia. As manchetes dando conta de nova guerra no fim do mundo foram quase completamente ignoradas ao fim de poucos dias.
Os números outra vez falaram mais alto. Alguém mais ousado chegou a considerar que "a Petrobras é um Estado mais poderoso que a Bolívia". O relatório semestral de economia emitido regularmente pelo FMI em abril, dissecado nas planilhas dos analistas, mostrava uma previsão de crescimento mundial maior – de 4,5% para 4,9% – para este ano, em relação à projeção anterior. Crescimento exige energia, e a Petrobrss joga esse jogo.
Preço de face
Como o principal fator de risco no contexto internacional continua sendo o preço do petróleo, a habilidade da Petrobras em ocupar o noticiário com uma estratégia agressiva, mas serena, composta de ações afirmativas, acaba por colocá-la em posição privilegiada entre as alternativas do capital internacional. Acrescente-se a isso o fato de que o semestre revela tendência a uma maior distribuição no fluxo dos investimentos, e poderemos concluir que, na verdade, a estatal brasileira de energia nunca esteve nem mesmo nas proximidades do apocalipse que nos foi pintado pela imprensa.
Os investidores seguem protegidos, uma vez que têm suas próprias e privilegiadas fontes de informação. E o cidadão comum, aquele que ainda pensa na Petrobras como um patrimônio da nacionalidade – sentimento exacerbado pela imprensa no auge da crise com a Bolívia –, como fica? Certamente, vai acordar um dia destes se sentindo idiota, revendo toda indignação a que foi induzido e lentamente se dando conta de que seus sentimentos cívicos foram manipulados.
A capa da revista Veja na qual o presidente da República foi retratado com a marca de um sapato no traseiro, vai representar o quê, daqui a umas semanas? Vai significar algo mais, nas bibliotecas das escolas, daqui a alguns anos, do que puro lixo? E os destemperos do presidente do PFL, Jorge Bornhausen, a exigir a guerra contra os bolivianos, e o rosto sempre afogueado do senador do PSDB amazonense Artur Virgílio, elevados a personagens de destaque nas escolhas dos editores, o que terão retratado?
Se entrarmos pelo viés econômico do noticiário, vamos dar no beco da irrelevância. Analistas costumam dizer que, para os negócios, o noticiário político não vale hoje mais do que 5% dos fatores a serem considerados. Se entrarmos pela política, vamos nos dar conta de que a imprensa compra pelo preço de face o circo das disputas partidárias, e o transfere para qualquer editoria, seja a economia, seja a seção policial ou o caderno de esportes.
O que importa saber
A política externa do atual governo é vulnerável a muitas críticas, e parecem ter razão os especialistas quando alertam que questões fundamentais para o país não podem permanecer tão dependentes da conversa "maneira" do presidente Lula da Silva. No entanto, em algum momento a imprensa deveria reconhecer que a atitude de serenidade e firmeza mantida pelo governo – evitando o confronto e tomando medidas para reduzir a dependência do gás boliviano no curto prazo – acaba dando resultados que nunca seriam alcançados com as retaliações exigidas nas bravatas da oposição assumidas pela mídia.
Por último, convém registrar o vareio de bola que os gestores de crise da Petrobras deram na imprensa. Uma seqüência inteligente de press releases, declarações espontâneas e entrevistas bem planejadas levou à opinião pública, por iniciativa da diretoria de comunicação da estatal, os elementos essenciais para esvaziar o cenário de guerra que se armava. Expostas as armas da Petrobras, a imprensa perdeu o gás e mudou de assunto.
Ainda estamos longe de uma solução definitiva para a crise do gás. Mas, segundo analistas, as ações da Petrobras devem ganhar sustentabilidade nas próximas semanas, por conta da apresentação de melhores perspectivas de médio e longo prazos, que é o que os investidores querem saber. Quem se apavorou com as manchetes e se livrou de suas ações, perdeu.
Ganham os de sempre.
Luciano Martins Costa é colunista do Observatório da Imprensa. Artigo publicado originalmente no
OI em 23/5/2006