Os recursos naturais estão chegando aos seus limites e se esgotando, tanto em quantidade como em qualidade. A água tem valor imprescindível para a vida na Terra e futuramente será fator limitante para o desenvolvimento mundial, avalia a bióloga Luiza Chomenko, pesquisadora da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul.
De acordo com a doutora em biogeografia, que ministrou palestra sobre a Conservação de Banhados na última terça-feira (23/05) na Faculdade de Biologia da PUC, em Porto Alegre, os recursos hídricos do país não estão recebendo a devida atenção, principalmente no que se refere aos banhados – áreas úmidas, com solo hidromórfico, alagados permanente ou temporariamente – onde ainda impera a desinformação.
"O banhado é visto como uma área que não serve para nada. Um pensamento utilitarista da população", analisa Chomenko. Ela aponta ainda duas outras questões que contribuem para o descaso com essas reservas hídricas: o assentamento de famílias com baixa renda nas proximidades, "que para tirar da nossa vista são colocados em qualquer lugar" e o lixo que acaba sendo despejado nesses locais.
Ela lamenta que os banhados sejam apenas valorizados para o uso agrícola, como em plantações de arroz, por exemplo. "O que não temos é o outro lado. Então as pessoas drenam porque acham que vão ter um solo mais fértil. Só que no momento em que você está drenando você está retirando um papel que ele desempenha que é servir de filtro, de esponja, de reserva de água doce. Na verdade, é a efetiva desinformação”, observa.
A biodiversidade nos banhados é riquíssima, segundo estudos realizados pela pesquisadora. "Eles são considerados, mundialmente falando, um dos ecossistemas mais ricos", concentrando em suas cercanias desde algas e microorganismos a animais e plantas de grande porte. Além de servirem como reservas de recursos hídricos, também desempenham papel importante para a manutenção de espécies vegetais e animais e como variável econômica. “Um banhado bem conservado vai te oferecer material para artesanato ou outras atividades. Tem o lado lúdico também, do lazer. Há regiões em que eles servem para trazer turistas, o que muitas vezes mexe com a auto-estima da população local e a sociedade como um todo”, comenta a bióloga.
Limitações
Grandes centros urbanos têm dificuldades para enxergar o problema da escassez de água. "Em Porto Alegre ainda não há problemas quantitativos, temos o Guaíba", lembra Chomenko. No interior do Estado, por outro lado, já é possível ver pessoas que antes não tinham limitações tendo que poupar água. É o caso de Bagé, onde há racionamento diário de 18 horas. “Embora Porto Alegre não sofra problemas quantitativos, a cidade vê aumentar as implicações qualitativas: essas sim nós tivemos a oportunidade de experimentar (em referência ao mau gosto e odor da água sentidos nos meses de verão)”.
Os dados numéricos incorporados a sua exposição deixam evidentes suas preocupações. Hoje, 97,4% do total de água do planeta está concentrada no mar. Apenas 2,6% é de água doce, ou seja, estaria potencialmente disponível para o consumo humano. Deste total (2,6%), 77% são geleiras. É quase irrisória a quantidade hídrica disponível para o consumo no planeta.
“Dentre os setores, a agricultura é quem mais utiliza água, cerca de 70% do total”, lembra Chomenko. Em outra relação, é possível ver que o Rio Grande do Sul é o Estado com maior nível de água consumida no quesito irrigação. “A região Sul, com apenas três Estados, emprega cerca de 7,25% de água apenas para a irrigação. Já a parte Sudeste, que compreende a maior concentração de pessoas do país, utiliza praticamente a metade desse total, com 4,29%. Precisamos refletir sobre o consumo de nossos recursos”, avalia.
Monoculturas
A bióloga lembra que antigamente apenas a plantação de arroz era irrigada. “Hoje já irrigamos tudo, inclusive os eucaliptos da Votorantin que estão chegando no Estado e sendo plantados em lugares que talvez não tenham tanta água assim”. A doutora conta que a Fundação de Zoobotânica, juntamente com a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), está desenvolvendo um zoneamento ambiental para a identificação de áreas com paisagens naturais no Rio Grande do Sul. A intenção, entre outras coisas, é poder propor locais que sejam adequadas para o plantio de monoculturas – prática que vem enfrentando resistência por parte de alguns setores da sociedade, principalmente de ambientalistas e movimentos sociais.
“Já há conflitos na Metade Sul do Estado porque não tem água. Por isso a importância de ter o zoneamento pronto antes que seja liberada a plantação, já que ele vai levar em conta características como a disponibilidade de água da região”, afirma a pesquisadora, acrescentando que mesmo antes de finalizado o zoneamento as questões estão avançando e “depois ficará mais difícil de recuperar áreas afetadas”.
No entanto, foi firmado nesta última terça-feira (23/05) acordo entre a Fepam, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) e o Ministério Público Estadual liberando empreendimentos privados para o plantio de florestas no Estado (veja a
matéria). "O zoneamento ambiental não fica pronto agora e não poderíamos esperar, pois existe um cronograma de plantio, que vai de março a setembro; esperar significaria perder o ano agrícola", explica o presidente da Associação Gaúcha de Empresas Florestais (Ageflor), José Lauro de Quadros. Em entrevista ao Diário Popular ele ressalta que depois do zoneamento poderá haver correções, mas que até lá as empresas licenciadas através do Termo de Compromisso de Ajustamento (TCA) se comprometem a cumprir todas as normas estabelecidas.
Bens e Serviços
Na década de 60, o Rio Grande do Sul tinha 5,3 milhões de hectares com várzeas ou banhados. Desse total, 3 milhões de hectares foram drenados para o cultivo de lavouras de arroz. Não há estudos ainda de quanto foi aterrado e aproveitado para utilização urbana. “Se formos olhar o que ainda resta hoje de banhados não creio que ultrapasse os 500 mil hectares. Isso ainda é uma visão otimista”, enfatiza a pesquisadora.
Chomenko explicita os bens e serviços oferecidos pelos banhados. Como bens, ela enumera o fato de ser uma reserva de água que disponibiliza solos ricos em nutrientes; proporciona o cultivo de alimentos, fibras e animais; e é local de importância turística. Dentre os serviços, afirma que promovem a filtração de elementos e resíduos da bacia; removem substâncias tóxicas; fixam carbono; controlam o fluxo de circulação da água. Além de reduzir a erosão do solo; promove fixação de margens; fornece alimentação para animais e seres humanos; serve de berçário para muitos bichos; proporciona atividades educativas ao livre e implementa a auto-estima da população local.
Por Tatiana Feldens