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2006-05-24
A simulação fotográfica mostrada nesta matéria é um exemplo concreto da ameaça que o aquecimento global representa para o planeta. A lenta elevação do nível dos mares, prevista pelos cientistas, poderá tomar conta das cidades litorâneas nas próximas décadas. De acordo com a simulação, elaborada com base em dados fornecidos pelo Instituto Pereira Passos, da Prefeitura do Rio de Janeiro, e nas estimativas de elevação do nível do mar do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), bairros inteiros do Rio, como Leblon, Copacabana e Ipanema, ficariam debaixo d`água na virada do próximo século.

O nível do mar já começou a subir. Isso ocorre porque os gases poluentes emitidos nas últimas décadas aprisionam o calor do sol e aquecem a Terra. Com o aumento da temperatura, o volume da água aumenta e cresce ainda mais por causa do derretimento de geleiras na Antártida e na Groenlândia. De acordo com os cientistas, o fenômeno parece irreversível. Os gases já emitidos continuarão na atmosfera por pelo menos 20 anos esquentando o planeta. Mas o pior ainda pode ser evitado.

Por ironia, a maior força capaz de deter o aquecimento global não vem da pressão política dos movimentos ecológicos incensados pelos europeus. Vem da economia. "É difícil medir exatamente como o aquecimento global vai afetar a economia mundial", diz Timothy Herzog, do World Resources Institute, de Washington, uma das principais organizações de estudos ambientais do mundo. "Mas há um consenso de que os custos serão significativos."

Isso tornou as empresas, antes apontadas como vilãs responsáveis pela emissão de gases poluentes, a maior esperança dos ambientalistas. Diante de imagens como a desta página, elas começam a despertar para o problema e buscar soluções. E não porque sejam apenas boas cidadãs preocupadas com o planeta, mas sobretudo porque descobriram que é um ótimo negócio.

Um levantamento feito pelo Climate Group, organização internacional que monitora investimentos e dá consultoria na área ambiental, mostra que as dez empresas que mais avançaram em prevenção da emissão de gases conseguiram uma economia de custos de US$ 45 bilhões em uma década.

O movimento dos empresários verdes começou em 1991, quando o industrial suíço Stephan Schmidheiny, dono de empresas como o Swatch Group, criou o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável. O instituto começou a pesquisar como fazer negócios que comprometam menos os recursos naturais. Hoje, reúne 175 multinacionais e atraiu a atenção de lideranças, como o ex-vice-presidente americano Al Gore, uma das maiores estrelas do movimento do capitalismo verde.

"Infelizmente, nos Estados Unidos nós vivemos numa bolha fora da realidade. Ninguém se interessa por soluções quando nem sequer se admite que exista um problema. Mas os problemas existem, sim, e por oito anos nos preocupamos somente com o somos-vulneráveis-a-ataques-terroristas", diz Gore. Desde 2000, ele tem feito uma peregrinação a empresas, laptop debaixo do braço, alertando sobre o risco do aquecimento e propondo que todos entrem numa guerra mais importante que a travada contra o terrorismo, a Green War (ou Guerra Verde). "Muitos cientistas teorizavam sobre o fim do mundo e as previsões mais freqüentes eram sobre meteoros. A ameaça não são os asteróides. Somos nós", afirmou Gore em artigo publicado recentemente na revista Vanity Fair. Sua mensagem ganhará mais força no dia 24 de maio, quando seu documentário sobre o aquecimento global, An Inconvenient Truth (Uma Verdade Inconveniente), estreará nos cinemas americanos.

A entrada em cena do setor privado é fundamental para ajudar a mudar o rumo do desastre anunciado. O ano de 2005 foi o mais quente dos últimos cem anos. O derretimento de glaciares e placas de gelo nunca foi tão acelerado. Já houve redução de 40% da espessura da camada de gelo no Ártico. Se a economia continuar no mesmo rumo, os cientistas do IPCC acreditam que a temperatura da Terra possa subir de 4 a 6 graus Celsius até o fim do século. Parece pouco no termômetro, mas as empresas sabem que as alterações climáticas podem literalmente varrer seus negócios do mapa. O aumento da temperatura está associado a fenômenos climáticos de grande poder de destruição.

Por isso, grandes empresas estão voluntariamente se antecipando às metas de emissão de gases estabelecidas pelo Protocolo de Kyoto, acordo celebrado em 1997 e assinado por 163 países que determina que as emissões de gases sejam reduzidas em 29% entre 2008 e 2012. A DuPont, uma das maiores indústrias químicas do mundo, conseguiu diminuir sua cota em 72%. O efeito colateral foi redução nos custos operacionais. "Desde 1991, conseguimos poupar US$ 2 bilhões, US$ 1,5 bilhão só nos EUA", diz Ed Mongan, diretor de energia da DuPont.

A estratégia da Dupont foi somar os custos de energia em cada etapa da produção. Como a maior parte da energia usada pela empresa vem da queima de carvão, essa redução implica menor emissão de poluentes. Mensalmente, um grupo mede o consumo de energia por quilo de produto fabricado e propõe ações para diminuir os excessos. Apesar do aumento de 35% na produção, o consumo tem-se mantido estável desde 1990. "A meta é chegar a 2010 com o mesmo uso de energia de hoje", afirma Mongan. A americana Alcoa, uma das maiores produtoras de alumínio do mundo, já cortou US$ 100 milhões anuais em custos graças ao programa de economia de energia.

Casos como o da DuPont e o da Alcoa desmentem a tese de que o corte nas emissões de poluentes reduz o desempenho econômico das companhias, como afirma o governo americano. Além de economizar, as empresas passaram a explorar novas oportunidades de mercado geradas pela demanda por tecnologias limpas de consumo energético. A DuPont desenvolveu o Tyvek, isolante térmico que, aplicado no telhado das casas, permite uma economia de 10% em gastos com energia no aquecimento ou na refrigeração.Um dos maiores incentivos para o uso de tecnologias limpas de produção vem do mercado de créditos de carbono, criado pelo Protocolo de Kyoto. Nesse mercado, empresas que reduzem as emissões de gás carbônico ganham créditos, que podem ser trocados ou vendidos. O carbono que deixa de ser lançado na atmosfera é negociado em toneladas, na Bolsa de Valores de Chicago. As empresas que investem nesse tipo de papel apostam que, no futuro, quando o aquecimento global se tornar mais intenso e leis de controle forem adotadas por todo o planeta, a emissão de gás carbônico custará bem mais caro, portanto os créditos de carbono serão mais valorizados.

Só em 2005, a compra e venda de créditos movimentou US$ 4 bilhões. De acordo com o Banco Mundial, projetos brasileiros para redução de emissões responderam por 13% das negociações em 2004 e 2005. Parte deles envolve a recuperação de florestas degradadas. Quando as árvores crescem, absorvem carbono da atmosfera, e assim o projeto ganha direito a créditos de emissão.

O setor econômico mais afetado pelo aquecimento global é a indústria petrolífera, pois a principal causa das mudanças climáticas são os gases derivados da queima de combustíveis fósseis, como petróleo e gás natural. Como esses minerais são escassos e sua queima tende a ser cada vez mais controlada, as empresas de petróleo têm interesse especial na busca de fontes alternativas. A anglo-holandesa Shell foi a primeira a perceber isso. Construiu na Alemanha a maior usina mundial de energia solar. Com investimento de US$ 27 milhões, produz energia suficiente para atender 1.800 domicílios. No Brasil, a Shell Solar já vendeu mais de 100 mil módulos que captam a energia do Sol. O lucro cresce 30% ao ano.

Desligar-se do petróleo é um desafio principalmente para a indústria automobilística. A Toyota despontou como líder nessa área ao lançar o modelo de carro híbrido Prius. Movido a eletricidade e a gasolina, consegue uma redução de até 80% nas emissões de gases. "Seu desempenho não deve nada a um carro comum, tanto que ele é usado pela polícia em alguns condados da Flórida", diz a gerente de marketing do produto, Mary Nickerson. A procura pelo Prius é tamanha que hoje existe uma fila de espera de 20 mil consumidores.

A alternativa das empresas brasileiras é o álcool, combustível considerado limpo. Ele emite tanto gás carbônico na atmosfera quanto a gasolina, mas esse gás já tinha sido retirado da atmosfera pela cultura da cana-de-açúcar. Por isso, o álcool não contribui para o efeito estufa. E atrai interessados no mundo inteiro. Na viagem ao Brasil, até mesmo os donos do Google visitaram a maior produtora nacional, a Cosan. Nos últimos 12 meses, as ações da empresa valorizaram 184%. No Brasil, os carros bicombustíveis já representam 53% do mercado. A exportação, porém, ainda é tímida. Dos 15 bilhões de litros de álcool produzidos, apenas 3 bilhões são vendidos para o exterior. Seria preciso aumentar a área plantada, afirma Antônio de Pádua Rodrigues, diretor-técnico da União da Agroindústria Canavieira de São Paulo, que reúne os produtores paulistas de cana, álcool e açúcar.

A tecnologia do álcool pode ser estratégica também fora das estradas. A Aeronáutica Neiva, subsidiária da Embraer em Botucatu, já comercializa o ä Ipanema, pequeno avião movido a álcool, fruto de investimento de R$ 2 milhões. Ele é usado principalmente para pulverizar plantações e combater incêndios. "Conseguimos um ganho de 7% na potência do motor a álcool em relação à do motor a gasolina", diz Vicente Camargo, gerente de engenharia da Neiva. A empresa, agora, pesquisa a adaptação dos motores de aeronaves maiores.

Muitos imaginam que o aquecimento global só tornará os lugares mais quentes. O clima de Berlim, Toronto e Moscou, por exemplo, ficaria mais ameno. Mas os cientistas estão descobrindo que não é bem assim. O clima deve entrar em um período caótico. A freqüência e intensidade das chuvas, dos ventos, das secas e das nevascas que conhecemos hoje se manteve constante nos últimos 10 mil anos. Com base nisso, desenvolveu-se a agricultura e construíram-se cidades. "Se as mudanças ocorrem muito rápido, a infra-estrutura social não tem condição de se adaptar facilmente", afirma Kevin Trenberth, diretor de análise climática do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR), dos EUA. Mudanças no clima incluem perdas agrícolas e desastres naturais. O último deles, o furacão Katrina, deixou um prejuízo estimado em US$ 2 bilhões.

Quem melhor estima esse risco são as companhias de resseguros, que dividem o risco das seguradoras tradicionais. A Swiss Re, a segunda maior do mundo no setor, enviou há dez anos aos clientes um estudo que alertava sobre as possíveis mudanças climáticas. Na época, o levantamento foi recebido com ceticismo. "As pessoas se perguntavam por que uma empresa de seguros deveria se preocupar com isso", afirma Chris Walker, diretor de Efeito Estufa, divisão que a Swiss Re criou para analisar o tema."Mas uma seguradora precisa olhar para o quadro todo, em vez de se concentrar em um único aspecto". Segundo ele, perdas provocadas por problemas climáticos fizeram as seguradoras desembolsar US$ 41 bilhões em 2004. Dez vezes mais que na década de 80.

Claro que os governos ainda têm um papel insubstituível. "O esforço global para combater o efeito estufa depende de políticas governamentais", diz Janet Sawin, do Instituto Worldwatch. Eles precisam aprovar leis rígidas para obrigar todos a se mexer. Entre 1990 e 2002, a Alemanha diminuiu a liberação de gases em 19,4%. Graças a leis que incentivam o uso de fontes alternativas de energia, os alemães foram responsáveis por três quartos da redução em toda a Europa. Ao contrário do que se imaginava, a política de redução não fez encolher o número de empregos. Cerca de 450 mil postos de trabalho foram criados desde que a lei entrou em vigor. E empresas alemãs, como a Siemens, que faz turbinas para cata-ventos e células solares, se consolidaram como líderes da indústria verde emergente. Em vez de fugir da realidade que prevê cenários como o do Rio sob as águas, elas estão, ao mesmo tempo, ajudando a salvar o planeta e ganhando muito dinheiro.
Por Nelito Fernandes e Elisa Martins
Época, 22/05/06
http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT1198767-1664-5,00.html

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