Em 1982, surgiu de uma clareira da floresta amazônica um projeto de colonização
que deu origem à cidade de Juína, no noroeste de Mato Grosso. Mais uma leva de
sulistas incentivados pelo governo federal a migrar para as terras do Norte
substituiu a mata por pés de café. Algumas lavouras duram até hoje, mas nunca
conseguiram sustentar a economia da região. Veio, então, o garimpo, depois a
exploração da madeira e, mais recentemente, a pecuária. Novidade: em menos de
25 anos, a floresta sumiu.
Nesse ciclo já conhecido de destruição da floresta, a soja ainda não chegou. E
há quem credite ao terreno acidentado do noroeste do estado a inviabilidade da
monocultura. Em compensação, ao passo que toda madeira era velozmente pilhada,
o pasto passou a ser o cenário dominante, numa paisagem que remete a imagem do
fim dos tempos.
Pela segunda vez em um ano visitei uma cidade dentro da área de Amazônia Legal
no norte de Mato Grosso. Senti tristeza, como quando conheci Sinop e as
clareiras na mata cercadas por plantações de soja. Mas era diferente. A região
de Juína ainda não viu a mecanização das atividades no campo. E, entre o pasto
de capim braquiária e um mar de tocos de árvores, a destruição aqui toma ares
de completo abandono – ainda que tenha uma finalidade econômica bastante
definida: manter um dos maiores rebanhos bovinos do estado.
Por terra, quem atravessa essa paisagem desoladora em centenas de quilômetros
nas estradas de chão e encontra uma cidade planejada pode se sentir aliviado
por ter finalmente chegado a algum lugar. Só que nesse lugar – apesar de só
ter conseguido crescer às custas da devastação da floresta – quase ninguém
lembra do meio ambiente. O Ibama ainda se envolve pouco com a sociedade em
atividades de educação e fiscalização. Por isso, é hostilizado pelas ruas. E as
secretarias estadual e municipal de meio ambiente praticamente não têm
influência no comportamento da população.
No caso da Secretaria de Agricultura, Mineração e Meio Ambiente (Samma) do
município, a limitação para uma atuação mais ampla seria financeira. A pasta
não recebe dinheiro da prefeitura para investir na área. Segundo Ildamir Faria,
um dos diretores da secretaria, o orçamento resume-se à manutenção da
instituição e aos salários dos funcionários. Os projetos ambientais, como
implantação de sistemas agroflorestais e montagem de um viveiro de mudas, só
são realizados com recursos repassados pelo governo federal. Esse tipo de
dificuldade de trabalho inibe a própria secretaria, ainda mais agora que o
Ibama transferiu parcialmente as atribuições de controle e monitoramento
ambiental para o estado. “Tememos a pressão política. Por estarmos tão perto da
sociedade, será que conseguiremos repreender?”, questiona Marcio de Deus,
fiscal de meio ambiente da Samma.
Discurso vazio
Com exceção de servidores do Ibama, não ouvi na cidade quem tivesse alguma noção
sobre perda da biodiversidade, ou qualquer idéia bem argumentada sobre a
importância da preservação do meio ambiente. Nas palavras do secretário de
gabinete da prefeitura de Juína, Antonio Gonçalves, a falta da floresta não fez
diferença alguma. “O desmatamento que houve não trouxe nenhum problema
ambiental para a região, foi uma extensão insignificante”, diz. Talvez
insignificante perto da área do município, de 40 mil habitantes, que tem 60% de
suas terras consideradas conservadas porque se encontram dentro de terras
indígenas. Mas não se comparado ao que resta de floresta no noroeste de Mato
Grosso.
E resta muito pouco. Tanto que as cerca de 200 empresas madeireiras que atuam na
região de Juína só se mantêm porque retiram árvores bem mais ao norte, próximas
de Aripuanã e Colniza, a aproximadamente 600 quilômetros dali. “Aqui em Juína,
o setor madeireiro já se foi. Precisamos ir cada vez mais para o norte. Estamos
muito perto do fim da madeira”, conta João Alves da Luz, presidente do sindicato
das indústrias madeireiras de Juína e região.
Atração passageira
Se os interesses ambientais são parcamente assegurados em Juína, o que dizer das
cidades que estão nascendo e crescendo no noroeste de Mato Grosso, ainda hoje
em repleta ilegalidade? É o caso de Colniza, cidade que está próxima de
ultrapassar Juína em número de habitantes devido à corrida pela retirada de
madeira no jovem município, que surgiu em outubro do ano 2000. O madeireiro
João Alves da Luz não se importa em revelar, com todas as palavras, que é intenso
o movimento de caminhões com toras que vão abastecer com madeira os pátios de
empresas em Juína, Juara, Juruena e Cotriguaçu. Praticamente tudo na ilegalidade.
Como os demais municípios da região, Colniza nasceu de um projeto de colonização
que atrai sem qualquer controle dezenas de caminhões carregados de
trabalhadores que cruzam a divisa de Rondônia com Mato Grosso em busca de
madeira, já mais escassa no estado vizinho. Colniza hoje está no auge da
exploração madeireira desenfreada. Pode, daqui a poucos anos, virar uma cidade
como Juína, que nasceu da extinta Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso
(Codemat), sob a administração de quem se mantém ainda hoje como prefeito da
cidade.
O nome dele é Hilton Campos, fundador e um dos maiores proprietários da região.
Dono de extensas pastagens no entorno do município, ele viu a dinâmica da
ocupação de sua cidade, que no final dos anos 80 tinha o dobro da população
atual em função do garimpo. De lá pra cá, quem não enriqueceu com a extração
de diamantes ou com a madeira, transferiu-se para os municípios ao norte de
Juína, mais jovens ainda. Boa parte de quem ficou, empobreceu.
Abacaxi
Como o trabalho do setor madeireiro em Juína depende cada vez mais do
funcionamento das serrarias e a pecuária não emprega mais do que 200 pessoas no
frigorífico da cidade, o prefeito já anunciou sua mirabolante idéia de
reaquecer a economia do município: quer plantar abacaxi. A prefeitura está
convencida de que se trata de um excelente negócio, inclusive para ocupar as
áreas já alteradas pelo pasto. Tanto que planeja a instalação, em breve, de
uma indústria para beneficiar a polpa da fruta.
O prefeito, assim como dezenas de famílias de sulistas que aportaram em Juína e
ali vivem até hoje, não parece ter-se cansado da efêmera dependência da
exploração de produtos como o café, o diamante, a madeira e a carne de boi.
Também não sente saudade da mata que fazia parte do entorno da cidade. Quando o
assunto é culpar quem destruiu a natureza, os madeireiros são defendidos de
imediato no discurso das lideranças políticas da região. E as inconsistências
em relação à gestão ambiental se tornam cada vez mais óbvias.
“Os madeireiros não são os vilões da floresta. Eles prestam um favor a ela,
porque só tiram a árvore que está velha, já na hora de cortar, para nascerem
outras”, explica, em sua lógica, o presidente do sindicato das indústrias
madeireiras. “A culpa é dos fazendeiros, que conseguem licença de desmatamento
e queimada e acabam com suas propriedades”, concorda o secretário de gabinete
da prefeitura. “O pecuarista é o devastador”. Diante dessa resposta, perguntei
para se ele estava indignado por ver no entorno de Juína áreas completamente
arrasadas para a pecuária. Preferiu, então, dizer o que já é de praxe. “Veja
bem, se o pecuarista destruiu 100% de sua propriedade, a culpa é da falta de
fiscalização do Ibama”.
Por Andreia Fanzeres,
O Eco, 20/05/06