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2006-05-23
Símbolo maior da expansão da monocultura de celulose no Brasil, a empresa Aracruz Celulose foi a julgamento na Europa. A audiência onde foram lidas as acusações à empresa, em sua maioria feitas por organizações do movimento socioambientalista, aconteceu de forma simbólica, durante um tribunal realizado paralelamente ao 4º Encontro de Cúpula de Chefes de Estado da União Européia, América Latina e Caribe encerrado na semana passada em Viena, na Áustria. Batizado como Tribunal das Transnacionais, o julgamento aconteceu no âmbito do Tribunal Permanente dos Povos e analisou a atuação de várias empresas européias nos países caribenhos e latino-americanos sob a ótica de seu impacto social, ambiental e cultural.

O caso das empresas que nos últimos anos vêm intensificando a plantação em larga escala de eucalipto ou pinus para a produção de polpa de celulose mereceu um capítulo à parte no tribunal. Após uma apresentação geral, foram expostos individualmente os casos da Aracruz, da sueco-finlandesa Stora Enso e da também finlandesa Botnia. A Stora Enso está presente na América do Sul, e vem adquirindo terras no Brasil, no Uruguai e na Argentina. No Brasil, a empresa é sócia da Aracruz na Veracel Celulose, nova empresa criada com a ajuda do governo federal. A Botnia, por sua vez, é uma das empresas que, ao se instalar em região de fronteira, deflagrou a “crise das papeleras” entre Argentina e Uruguai.

“Mostramos no tribunal que a atuação dessas empresas no Cone Sul vem prejudicando o direito ao desenvolvimento dos povos e países da região. Isso se traduz em vários aspectos, como a má-utilização dos recursos naturais ou a inviabilização do acesso à terra, entre outros. Em suas ações de expansão, essas empresas desrespeitam direitos sociais, econômicos, ambientais e culturais”, afirma a advogada Maria Rita Reis, da Terra de Direitos. A ONG paranaense, ao lado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), foi responsável pela apresentação da parte brasileira das acusações em Viena.

A peça acusatória contra a Aracruz Celulose teve dois pilares: a ocupação indevida de terras para plantio de eucalipto no Brasil, promovida desde a época de sua criação há quase 40 anos, e as ações violentas (despejos e deslocamentos forçados) comandadas pela empresa contra populações tradicionais, como indígenas e quilombolas. No segundo item, a acusação procurou deixar claro que a Aracruz viola a Constituição Federal do Brasil no Artigo 231 (que trata da propriedade das terras indígenas) e no Artigo 68 das disposições transitórias (que trata das terras dos descendentes de quilombolas). Também foram entregues para avaliação do tribunal documentos referentes às centenas de processos trabalhistas movidos contra a empresa por ex-empregados vítimas de envenenamento por agrotóxico, mutilação por motosserra e demissões irregulares.

A acusação também apontou irregularidades na aquisição dos 375 mil hectares de terra possuídos hoje pela Aracruz no Brasil, demonstrando que boa parte dele, sobretudo no Espírito Santo, foi adquirida a partir de fraudes documentais realizadas em cartórios do interior. Essas aquisições irregulares em terras capixabas prejudicaram mais acentuadamente os povos Guarani e Tupiniquim que habitam a região norte do estado. Também foram relatados casos de expulsão de pequenos agricultores, meeiros e outros grupos sociais pela empresa. O desmatamento provocado pela Aracruz para instalar suas plantações de eucalipto também foi citado, com destaque para os prejuízos que traz para a Mata Atlântica, um dos biomas mais ameaçados do Brasil.

Definição só em 2008
Ao final do Tribunal das Transnacionais, a acusação contra as empresas produtoras de polpa de celulose foi aceita em conjunto pelo corpo de jurados composto por pessoas de diversos países. O julgamento definitivo foi marcado para 2008, data da próxima reunião do Tribunal Permanente dos Povos, que acontecerá em Lima, no Peru: “O caso foi aceito e, em Lima, teremos a oportunidade de realizar um julgamento definitivo, inclusive com a presença das empresas, que terão de se defender”, conta Maria Rita Reis. A promessa de utilizar o resultado do julgamento de Viena para dar entrada em ações judiciais reais contra as empresas simultaneamente em diversos países foi adiada por dois anos: “Mas os documentos estão reunidos e nada impede que, até lá, sejam feitas ações na Justiça”, ressalta a ambientalista.

Outros não ficaram tão satisfeitos. Caso de Antonio Carvalho, representante da etnia Guarani e relator no tribunal das ações promovidas pela Aracruz contra os indígenas no Norte do Espírito Santo: “Acho que, se houvesse mais interesse dos jurados, o resultado poderia ter saído na Áustria mesmo. Do jeito que a coisa está, até 2008 a Aracruz já acabou com a floresta e com o rio na minha região”, disse. Apesar dessa frustração, Toninho, como é conhecido, avalia como positiva a viagem à Europa, sobretudo pelos contatos que foram realizados. Acompanhado por Paulo Oliveira, da etnia Tupiniquim - ambos dirigentes da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoine) -, ele foi recebido por parlamentares noruegueses em Oslo e também por executivos da empresa Procter & Gamble (a maior compradora de celulose produzida pela Aracruz) em Neuss, na Alemanha.

“Na Noruega, contamos para os parlamentares o que a Aracruz faz no Brasil e pedimos para que eles pressionem o governo deles a não investir recursos na empresa porque ela viola a Constituição brasileira. Alguns disseram não acreditar, mas eles prometeram formar uma comissão para vir ao Brasil realizar uma inspeção. Só não marcaram a data”, conta Toninho. Na Alemanha, após promover uma manifestação em frente a fábrica da Procter & Gamble, os dois foram recebidos por dirigentes da empresa: “Fizemos nosso relato, falamos das agressões aos povos indígenas e falamos que, se eles continuarem comprando celulose da Aracruz, estarão sendo cúmplices de um crime. Eles disseram que sempre foram informados pela Aracruz que a empresa respeitava o meio ambiente no Brasil e prometeram averiguar”, disse Toninho.
Por Maurício Thuswohl, Agência Carta Maior

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