Deputados pedem cassação de ruralista por beneficiar empresas Monsanto e Nortox
2006-05-23
Deputados da bancada do PSOL e outros seis parlamentares assinaram representação entregue à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados na semana passada que solicita a abertura de processo disciplinar no Conselho de Ética contra o deputado Abelardo Lupion (PFL-PR), por quebra de decoro parlamentar.
A espinha dorsal do pedido retoma o conteúdo de matéria jornalística publicada na edição de 8 de maio do jornal Correio Braziliense que, segundo o texto da representação, explicita “vínculo escuso entre os interesses de empresas do agronegócio e o mandato do deputado Abelardo Lupion”. Na reportagem intitulada “Deputado beneficiou empresas”, o jornalista Solano Nascimento descreve a conexão suspeita entre Lupion – autor da emenda que autorizou a comercialização do agrotóxico glifosato incorporada à Medida Provisória 223/2004 que liberou o plantio e o comércio de soja transgênica já cultivada ilegalmente até então – e as empresas Monsanto e Nortox, fabricantes únicas do princípio ativo do glifosato no País.
De acordo com a matéria do Correio, o parlamentar – notório representante dos ruralistas e atual presidente da Comissão de Agricultura da Câmara - teria sido “brindado” de duas formas, antes mesmo da apresentação da emenda. A Nortox foi uma das principais financiadoras da campanha de Lupion em 2002. A empresa doou R$ 50 mil para o caixa oficial, o equivalente a 14% do total de recursos que ajudaram a reeleger o deputado que já está em seu quarto mandato consecutivo no Congresso. A reportagem da CARTA MAIOR travou contato telefônico com funcionários da sede da Nortox - mantém escritório em São Paulo e já iniciou obras para a construção de uma filial em Rondonópolis, no Mato Grosso - na manhã da última sexta-feira (19/5) em Arapongas, no Paraná, mas não obteve retorno da direção do grupo nacional sobre o caso até a manhã desta segunda-feira (22/5).
A relação da Monsanto com Lupion mostrou-se um pouco mais complexa. A apresentação da emenda de interesse direto da multinacional teria sido, ainda segundo a reportagem, uma retribuição do deputado a um negócio privado suspeito firmado entre as partes: o processo de venda da Fazenda Santa Rita, em Santo Antônio da Platina, no Paraná, que teve início em 14 de outubro de 1999 e só foi concluído em 24 de maio de 2005. A propriedade rural de 145 alqueires originalmente pertencente à Agroceres S/A, incorporada pela Monsanto, foi comprada pela Pecuária Seletiva Beka Ltda., da família Lupion, por R$ 690 mil. Imobiliárias consultadas pelo Correio estimaram o preço real da Fazenda Santa Rita em R$ 2,3 milhões a R$ 2,9 milhões.
A assessoria de imprensa da Monsanto informa que a Agroceres S/A “promoveu um processo aberto para venda, pelo melhor preço” da fazenda em questão. “A Pecuária Seletiva Beka Ltda. (de propriedade da família Lupion) foi a vencedora com a melhor oferta e, em 14 de outubro de 1999, firmou um compromisso (irrevogável) de compra e venda por meio do qual obrigou-se a pagar o valor de R$ 690 mil pela aquisição do imóvel”. A multinacional confirma o pagamento do débito em três parcelas, sendo R$ 70 mil na assinatura do compromisso particular de compra e venda do imóvel, R$ 190 mil em novembro de 2001 e a parcela restante, de R$ 430 mil, “acrescida de juros e correção monetária”, foi paga na data de assinatura da escritura definitiva de venda e compra, em 24 de maio de 2005. “Essa escritura somente foi lavrada nesta data em face da outorgante vendedora (agora Monsanto sucedendo a Agroceres) não dispor, antes, de todos os documentos necessários ("CND" - Certidão Negativa de Débitos) para que fosse lavrada, nos termos do compromisso de venda e compra”, sustenta.
A matéria, por sua vez, ressalta que a emenda apresentada por Lupion garantiu a liberação da comercialização do glifosato de uso pós-emergente em transgênicos, em que a aplicação ocorre depois da soja já plantada e desenvolvida. Em soja convencional, essa forma de aplicação provoca a morte das plantas. Com a aprovação da MP e da respectiva emenda proposta por Lupion, o Ministério da Agricultura pôde liberar o modo de utilização do herbicida e a Monsanto começou a vender seu produto com o nome de Roundup Ready, o famoso agrotóxico pós-emergente para a soja transgênica. “A Nortox ainda está esperando a autorização do Ministério da Agricultura para escrever no rótulo de seu glifosato pós-emergente a destinação para soja transgênica, mas o produto, teoricamente destinado a outras plantas, pode ser usado na sojicultura”, segue o texto publicado no Correio. Depois da liberação da soja transgênica no Brasil, o volume da comercialização do glifosato cresceu pelo menos 30%.
“Apesar de aparentemente serem concorrentes, a Monsanto e a Nortox ingressaram juntas em 2001 com uma petição à área de comércio exterior do governo acusando fabricantes chineses de dumping nas exportações de glifosato para o Brasil. Em 2003, as duas indústrias foram acusadas de dividirem apenas entre elas o mercado desse herbicida. Negaram a acusação”, continua a matéria. “Um parecer de 26 de agosto de 2004, elaborado pela Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda, detalha a atuação das empresas. Segundo o documento, Monsanto e Nortox estão “virtualmente integradas” e são as únicas a produzirem no Brasil ácido de glifosato. As demais empresas que vendem o herbicida no país precisam adquirir a substância no exterior ou comprar o produto da Monsanto, relata a secretaria”, adiciona.
A representação assinada pelos deputados João Alfredo (PSol-CE), Maninha (PSol-DF), Orlando Fantazzini (PSol-SP), Babá (PSol-PA), Chico Alencar, Ivan Valente (PSol-SP), Luciana Genro (PSol-RS), Adão Pretto (PT-RS), Paulo Rubem (PT-PE) e Walter Pinheiro (PT-BA), Socorro Gomes (PCdoB-PA), Edson Duarte (PV-BA) e André Costa (PDT-RJ) enquadra o “fato envolvendo o representado e relatado pela reportagem” como “procedimento incompatível com o decoro parlamentar, punido com a perda de mandato pelo Código de Ética da Câmara dos Deputados (art. 4º)”.
Além da questão da “percepção de vantagens indevidas”, o documento apresentado à Mesa cita procedimento de investigação da Procuradoria Geral da República que apura a existência de "caixa dois" durante a campanha eleitoral de Lupion em 1998 por meio da utilização de conta bancária pessoal com movimentações milionárias de Therezinha Buffara de Freitas, mãe do coordenador de campanha do deputado paranaense na ocasião. O Inquérito Policial que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) está sob segredo de justiça. Sabe-se, contudo, que há um pedido de quebra do sigilo bancário dos denunciados, aguardando decisão do relator e presidente do Inquérito, ministro Ricardo Lewandowski.
O gabinete do deputado Abelardo Lupion desqualificou o conteúdo da representação lembrando que um pedido com as mesmas acusações apresentado por um grupo de pequenos agricultores já teria sido negado pela Corregedoria da Casa em 30 de maio de 2005 “por falta de provas”, mas a própria matéria do Correio sublinha também que a representação foi negada porque os agricultores não tinham direito de sustentá-la. Por ora, o parlamentar ruralista está entrando com um processo judicial contra o autor da matéria publicada pelo Correio.
Lei de Segurança Nacional
O deputado federal Ricardo Berzoini (SP), presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), também apresentou representação que pede a abertura de processo disciplinar contra o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR). O pedido atribui a Hauly a violação da confidencialidade de documentos sigilosos sobre a empresa Itaipu Binacional. O tucano apresentou vários requerimentos e pedidos de informações ao Ministério das Minas e Energia (MME), sobre a administração da Itaipu, com base no Regimento Interno da Câmara que concede esta prerrogativa ao parlamentar, e teria repassado informações colhidas por esse expediente a congressistas paraguaios.
Segundo Hauly, os dados obtidos por ele junto ao Ministério de Minas e Energia foram fundamentais para dar início a uma investigação profunda sobre o escândalo de corrupção dentro da empresa Itaipu Binacional. Os deputados paraguaios vinham sendo sistematicamente impedidos pelos governos dos dois países de averiguar os indícios de corrupção na estatal. Na avaliação do deputado do PSDB, o partido do presidente Lula utiliza uma Lei de Segurança Nacional - instituída durante a ditadura militar - com o intuito de tentar calar um opositor.
Por Maurício Hashizume, Agência Carta Maior, com informações do Informes do PT e da Agência Tucana.