Justiça derruba liminar contra Belo Monte; MPF vai recorrer
2006-05-23
No início da semana passada, a Justiça Federal em Altamira, Pará, derrubou liminar impetrada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra procedimentos de licenciamento da hidrelétrica de Belo Monte, acatando um recurso do Ibama que, com a empreendedora Eletrobrás, fica novamente autorizada a realizar estudos, audiências públicas e demais processos previstos para o licenciamento da obra.
Segundo o coordenador geral de Licenciamento Ambiental do Ibama, Luiz Felipe Kunz Júnior, o órgão, que foi citado como réu na ação do MPF, apenas procurou se defender de “acusação injusta”, já que sua função, neste momento, seria atender a uma solicitação da Eletronorte de levantamento técnico da área de influência da hidrelétrica, no sentido de pontuar os elementos que devem ser considerados no Estudo e no Relatório de impacto Ambiental (EIA/RIMA).
Já o Ministério Público avisa que vai recorrer. Segundo o procurador federal em Altamira, Marco Antonio Almeida, o órgão deve apresentar seu recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região em Brasília nesta semana (22/5), e acredita em grande possibilidade de reversão.
Segundo o MPF, está havendo descumprimento da lei, uma vez que o Congresso Nacional teria desrespeitado a Constituição – que prevê que “a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas” – ao não ter consultado os indígenas sobre o a execução do projeto. Em julho de 2005, os parlamentares aprovaram um decreto legislativo que autoriza o Poder Executivo de implantar o Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte “após estudos de viabilidade técnica, econômica, ambiental e outros que julgar necessário”, passando por cima, de acordo com os procuradores, da Constituição.
Quem consulta
O desacordo principal no embate sobre o processo de licenciamento de Belo monte entre o MPF e movimentos sociais, de um lado, e a Justiça de Altamira e o Congresso Nacional, do outro, é a leitura da lei.
Segundo o juiz federal da Subseção de Altamira, Herculano Martins Nacif, que revogou a liminar do Ministério Público, as consultas às populações devem ser feitas durante todo o processo de licenciamento, mas não necessariamente pelo Congresso Nacional nem obrigatoriamente como seu ponto de partida. O deputado federal Fernando Ferro (PT-PE), relator do decreto legislativo que teria atropelado o processo de consultas, também avalia que o Congresso não precisa necessariamente ouvir os indígenas para decidir sobre o licenciamento. Segundo Ferro, qualquer órgão do governo que faça a consulta estaria atendendo o que prevê a Constituição.
Segundo o procurador Felício Pontes, porém, ao pedir a anuência do Congresso a Constituição é clara. "O artigo 231 não deixa margem para dúvidas. A autorização do Congresso é política, e não técnica”. Como explica o advogado Raul do Valle, do Instituto Socioambiental, a regra foi criada na Constituinte especificamente para garantir a proteção política dos interesses das comunidades indígenas, na perspectiva de que é dever da União zelar pelo seu pleno desenvolvimento e sua segurança.
“A Constituição exige uma intervenção do Congresso nesses casos específicos apenas, quando atividades de mineração ou hidrelétricas atingem terras indígenas, justamente porque estas populações são extremamente sensíveis. Por isso é preciso uma avaliação política do Congresso, se o benefício gerado pela obra vale o sacrifício das comunidades ou não”, explica Valle.
Por Verena Glass, Carta Maior