Reforçada pelas mudanças climáticas, a seca na Amazônia poderia superar o desmatamento como principal fonte de emissão de gás carbônico para a atmosfera, segundo os resultados de um estudo que simulou as condições de estiagem sobre a floresta. Por vários anos, os cientistas cobriram o chão da mata com painéis plásticos, que reduziram em mais de 50% a quantidade de água da chuva disponível para as árvores.
A resposta do ecossistema demorou um pouco, mas apareceu: a mortandade de árvores triplicou, a fotossíntese diminuiu e a quantidade de dióxido de carbono lançada na atmosfera aumentou.
Se os resultados da área do experimento (de 1 hectare) forem extrapolados para toda a Amazônia, isso significaria uma perda de 2 bilhões de toneladas de carbono para a atmosfera nos últimos dez anos - considerando apenas a decomposição de árvores mortas pela falta de água, sem o desmatamento.
"É algo factível no cenário da Amazônia", diz o pesquisador americano Daniel Nepstad, do Centro de Pesquisas de Woods Hole, nos EUA, e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), em Belém. Ele é o coordenador do projeto Seca Floresta, realizado em parceria com sete instituições brasileiras e estrangeiras.
Iniciado em 1997, o projeto deve ser encerrado no mês que vem. O experimento foi realizado na Floresta Nacional do Tapajós, em Santarém (PA), comparando duas parcelas de mata: uma com redução artificial de precipitação e outra, natural, sem interferência.
A intenção dos pesquisadores era estudar a reação da floresta a situações de seca prolongada, que devem se tornar mais freqüentes com o avanço do desmatamento e do aquecimento global nos próximos anos.
As árvores maiores, para surpresa dos cientistas, foram as primeiras a morrer. "Sempre se achou que elas seriam as mais resistentes, porque têm raízes mais profundas", diz o cientista. "Mas não. O solo ficou sem água até 15 metros de profundidade."
As árvores que não morreram passaram a apresentar folhas menores e mais espessas, com estômatos fechados para reduzir a perda de água para o ambiente. "O dossel fica mais aberto, mas não vemos aumento na queda de folhas", observa Paulo Moutinho, do Ipam, um dos líderes do projeto.
Conseqüentemente, o escudo verde que protege e conserva a umidade da floresta fica fragilizado. Mais radiação solar chega ao interior da mata, tornando a vegetação mais seca, e mais inflamável. "Cada vez que uma árvore morre, o risco de incêndio na floresta aumenta por muitos anos", diz Nepstad.
Numa demonstração de resistência, algumas espécies que não conseguiam obter água suficiente do solo passaram a absorver água pelas folhas - um comportamento inédito. "Alguns estudos já sugeriam que isso poderia ocorrer, mas é algo que nunca havia sido demonstrado", diz Moutinho. Algumas espécies também passaram a "regurgitar" água pela raiz para as camadas mais profundas do solo, para depois reabsorvê-la com nutrientes.
"Não há dúvida de que a floresta é tolerante à seca, mas tudo tem o seu limite", aponta Nepstad. Além do aumento das emissões de carbono pela decomposição de árvores mortas, houve também uma queda significativa (1 tonelada por hectare/ano) na absorção de carbono da atmosfera, por causa da redução de crescimento vegetal. Ou seja, prejuízo para o clima e para a floresta nos dois sentidos.
Por Herton Escobar, O Estado de S. Paulo, 22/05/06.
http://www.estado.com.br/editorias/2006/05/22/ger124416.xml