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2006-05-23
Cansado de lutar contra a seca, Manoel Félix do Nascimento vendeu, em 1999, sua terra no município pernambucano de Sertânia, no sertão do Moxotó, e comprou um lote numa área de irrigação, em Sobradinho, na Bahia, ao lado do Rio São Francisco.

Ele tomou a decisão após ter lido um folheto de propaganda que dizia: "Projeto Sobradinho - um sonho de ontem se faz realidade hoje". A propaganda trazia até a maquete do Canal Serra da Batateira, com a informação de que a primeira fase estava concluída.

Manoel comprou 72 hectares, emprestou R$ 35 mil no Banco do Nordeste e plantou banana e pinha. Hoje é um homem amargurado. "Vi meu sonho se acabar", diz ele, instalado no meio de um projeto de irrigação que, apesar da propaganda, nunca foi concluído. Na seca que atingiu a região entre 2001 e 2002, Manoel perdeu toda sua plantação por falta de água.

A história dele é a mesma de muitos outros pequenos agricultores daquela região e de outras áreas ao longo do São Francisco: estão passando por dificuldades cada vez maiores por causa da falta de água, apesar de instalados ao lado de um dos mais caudalosos rios do País. A construção do Canal da Batateira foi paralisada por causa de irregularidades na obra, constatadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU), e há quase dez anos os agricultores aguardam uma solução. Mas existem outros projetos parados por falta de definições nos governos estaduais e federal.

Estima-se que chegue a 170 mil hectares o total das áreas nos arredores do rio que já receberam algum tipo de investimento em infra-estrutura para projetos de irrigação. Metade disso, no entanto, ainda não conseguiria produzir sequer um pé de alface.

Essa questão tem sido esgrimida com freqüência por opositores do projeto do governo federal de integrar as bacias do São Francisco, para levar suas águas a regiões a 400 quilômetros de distância. O governador da Bahia, Paulo Souto, do PFL, é um dos que insistem que, ao invés de gastar R$ 4,5 bilhões com a transposição, o governo deveria antes concluir as obras locais. Só no Estado que ele governa existem três grandes projetos com águas do São Francisco que estão paralisados - Salitre, Baixos de Irecê e Iuiú.

Existem poucas chances de o governo retomar as obras de transposição ainda este ano. A pedido do Ministério Público da Bahia, o Supremo Tribunal Federal concedeu uma liminar suspendendo o trabalho e é mínima a possibilidade de se ver o mérito da questão julgado ainda neste ano. É certo, no entanto, que o assunto fará parte do debate eleitoral. Os tucanos já estão ouvindo os governadores e políticos da região para fundamentar suas críticas à obra, que foi uma promessa de campanha de Luiz Inácio Lula da Silva.

Na área na qual o agricultor Manoel comprou suas terras, o projeto parecia perfeito. A propriedade receberia água da barragem de Sobradinho por gravidade, até o nível máximo de vazão permitido pela Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), para não comprometer a geração de energia elétrica. Abaixo desse limite, o projeto previa o uso de bombas para levar a água até a lavoura. Mas a prefeitura, que deveria comprar e administrar as bombas, nunca instalou nenhum equipamento. Na primeira seca que o agricultor enfrentou, toda a plantação morreu.

Para pagar o empréstimo bancário, ele vendeu 76% da terra, a preço de banana, e está recomeçando tudo: vai pegar um financiamento de R$ 6 mil no Banco do Brasil para desenvolver um projeto de ovinocaprinocultura. A barragem está cheia e, na avaliação dele, isso garante irrigação por gravidade durante dois anos.

A propaganda enganosa é só um detalhe na história mal contada do Canal Serra da Batateira. A obra foi completamente paralisada depois que o TCU tropeçou em irregularidades como falta de licença ambiental e superfaturamento. Àquela altura, o governo federal já tinha repassado R$ 20 milhões para a prefeitura.

De acordo com ex-vereador Manoel Messias (PV), que tentou abrir uma CPI municipal para apurar o caso, os R$ 20 milhões usados na construção de 5 quilômetros de canal dariam para construir 15 quilômetros.

Em alguns trechos, as placas de concreto usadas para revestir o canal estão caindo. Em outros existe apenas a imagem desoladora de buracos escavados na terra árida.

Parcerias com a iniciativa privada começam este ano
O governo federal reconhece o problema dos projetos de irrigação paralisados na região do São Francisco. Também admite dificuldades dos pequenos produtores em áreas irrigadas. Mas não pretende retomar as obras nem socorrer os pequenos a qualquer preço, segundo o diretor da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), Clementino Coelho.

Em entrevista ao Estado ele disse que o governo deve firmar neste ano os primeiros contratos de Parcerias Público-Privadas (PPPs), para a retomada das obras de irrigação já iniciadas. Um dos contratos envolve o Projeto Baixos de Irecê (BA), na região do bispo d. Luiz Flávio Cappio, que fez greve de fome contra a transposição do São Francisco.

Ainda segundo o diretor da Codevasf, a visão empresarial deve prevalecer na questão da irrigação. Ele disse que até agora predominou a visão social, de que era preciso socorrer o Nordeste. A decisão do governo, afirmou Coelho, baseia-se em estudo do Banco Mundial, segundo o qual os casos de sucesso na região são aqueles que agregam valores aos produtos agrícolas e se organizam de forma empresarial. A meta é fazer as grandes empresas organizarem a produção e abrirem espaço para pequenos produtores.

Nas áreas irrigadas, falta orientação técnica
Não é só a paralisação dos projetos de irrigação que afeta os pequenos agricultores na região de Juazeiro, na Bahia. Mesmo em áreas em que a irrigação funciona, eles enfrentam dificuldades por falta de orientação técnica e por não conseguirem se organizar em cooperativas, dependendo de atravessadores na comercialização de seus produtos. Passados 25 anos, desde sua integração ao chamado Perímetro Irrigado Maniçoba, a quase totalidade das 242 famílias daquele projeto está endividada e sem crédito na praça. Para conseguir sobreviver, arrendam terras aos empresários de grande porte, que vão bem, garantindo à região o título de Califórnia brasileira, e reclamam do governo por outro motivo: a falta de continuidade nos projetos de irrigação.

"Na verdade eu sou mesmo é peão de empresário, que é quem compra os insumos, colhe, vende a produção e, se tiver consciência, divide alguma coisa comigo", diz Josival Nascimento Pereira, o Vavá, 48 anos - 20 deles como assentado no perímetro. Há quatro anos ele assinou um contrato de compra do lote, que só será efetivamente dele se conseguir pagar as prestações de R$ 1,2 mil/ano, até 2018.

O maior problema dos pequenos agricultores é o custo da agricultura irrigada. Na média, pagam R$ 800/ano pela infra-estrutura de irrigação, R$ 300 mensais pela água e outros R$ 70 para o distrito de irrigação. Eles também patinam em débitos bancários.

"Em 1995, conseguimos empréstimo para plantar manga, coco e goiaba, num projeto feito com ajuda de técnicos", conta Aderaldo Ribeiro, de 61 anos. Mas foi um fracasso. A goiaba pegou fungo; o coco, sem mercado, foi vendido a 5 centavos a unidade; e os agricultores passaram a ser vistos como caloteiros.

A situação não é diferente nos outros três perímetros irrigados da região: Curaçá, Mandacaru e Tourão. "A gente morre de trabalhar na roça e não vê futuro", diz a agricultora Luzinete Barbosa, enquanto conta os sacos de maracujá colhidos no dia. "Acho que hoje ainda é pior, porque antes a gente não devia."

Quando conseguem levar adiante alguma lavoura por conta própria, os pequenos produtores acabam deixando o grosso dos ganhos nas mãos dos atravessadores. Só agora as famílias decidiram criar uma associação, chamada Manga Brasil. "Queremos montar um sistema de trabalho para vender direto e ter lucro", diz Vavá, o coordenador da iniciativa.

Desiludido, ele prevê a falência de todos os perímetros irrigados do Vale do São Francisco se não houver uma ação firme e integrada do governo federal que atenda às necessidades do pequeno produtor. "Por enquanto, o governo federal está jogando dinheiro em um saco sem fundo."

Governo erra ao dar a projeto rótulo social, afirma bispo (Entrevista D. Luiz Flávio Cappio, bispo)
A idéia do governo de convidar grandes empresas para capitanear projetos de irrigação na região do São Francisco soa como declaração de guerra para setores da Igreja Católica. É o caso do bispo d. Luiz Flávio Cappio, da Diocese de Barra (BA). No ano passado, quando fez greve de fome, o foco do protesto não era a idéia de transposição, mas o fato, diz ele, de favorecer o agronegócio. Na entrevista, ele afirma que o presidente Lula faria melhor se reativasse obras paralisadas.

Qual a principal falha que o sr. Vê no projeto do governo federal?

Ele não foi feito tendo em vista os pequenos agricultores, as comunidades ribeirinhas. Vai atender aos projetos agroindustriais, no modelo da grande produção, com altas taxas de rentabilidade. O governo tem procurado dar um rótulo social e ecológico ao seu projeto, mas isso é falso.

Que alternativa propõe?

Em primeiro lugar, a revitalização do rio. Do ponto de vista econômico, levamos ao presidente alternativas mais simples, baratas e ecologicamente sustentáveis, voltadas para economia popular. Os projetos iniciados com essa filosofia foram paralisados, porque não cabem no figurino do agronegócio.

O sr. Conhece algum projeto paralisado?

Na minha diocese tem um: o Projeto Baixos de Irecê, no qual já foram gastos milhões de reais. Canais construídos há sete ou oito anos estão sendo destruídos pelo tempo, o que é uma tristeza, pois estamos numa região de muita produtividade de grãos.
Por Angela Lacerda, O Estado de S. Paulo, 21/05/06
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