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2006-05-22
Ministério Público Federal e Fundação Estadual do Meio Ambiente (Fatma) de Santa Catarina afirmam que está totalmente descartada a possibilidade de conceder licença ambiental para que a usina termelétrica a carvão Usitesc, em Treviso (SC), possa participar do leilão da energia nova do Governo Federal, marcado para 12 de junho. Informações complementares ao EIA/RIMA foram apresentadas pelo empreendedor em uma audiência pública realizada na última quarta-feira (17/5) e, segundo MPF e Fatma, a análise dos documentos deve sair em, no mínimo, 20 dias.

A audiência pública, com a presença de mais de 500 pessoas, revelou que há muitos conflitos de interesse a serem resolvidos antes que o projeto avance. Entre os personagens dessa história estão agricultores preocupados com a desapropriação de terras que podem ser alagadas por uma barragem no rio Mãe Luzia para fornecer água à usina. Montanhistas também se manifestaram incomodados com o impacto que a fumaça das chaminés pode causar ao ecossistema dos Aparados da Serra. A preocupação das entidades ambientalistas é com a poluição do ar e a possível contaminação da única fonte de água ainda não poluída na região.

MPF e Fatma concentram-se no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) apresentado pelo empreendedor. A primeira versão apresentada, segundo o MPF, contemplava apenas a usina, sem informações a respeito da barragem no rio Mãe Luzia e de um terminal de amônia no porto de Imbituba. Além da capacidade instalada de 440MW, a Usitesc pretende produzir 320.000 toneladas/ano de Sulfato de Amônio (fertilizante) e 750.000 toneladas/ano de cinzas volantes. A obra está orçada em US$ 650 milhões.

O Instituto de Pesquisas Ambientais e Tecnológicas (Ipat) da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc) não quis falar sobre o EIA/RIMA ou sobre a audiência pública. “Quem deve emitir pareceres são o MPF e a Fatma, nós trabalhamos com toda a imparcialidade e não nos posicionamos em relação a qualquer EIA/RIMA elaborado pelo Ipat”, disse o coordenador do estudo da Usitesc, Cláudio Ricken.

De acordo com o procurador Darlan Airton Dias, os técnicos do MPF que participaram da audiência pública estão analisando os estudos complementares apresentados e o resultado deve sair em 20 dias. “Dificilmente haverá licença até dia 12 de junho, os documentos são muito complexos”, diz o procurador. Segundo ele, se a Fatma aceitar emitir licença apenas para a usina, o MPF vai intervir. “O nosso papel é de fiscalização, caso a Fatma conclua que a usina é ambientalmente viável e os técnicos do MPF concluírem o contrário, podemos pensar em uma ação civil pública. Mas até agora o posicionamento da Fatma tem sido 100% de acordo com o nosso”, diz.

O diretor de Controle Ambiental da Fatma, Luiz Antônio Garcia, confirma a harmonia com o MPF. ”O que mais interessa à Fundação é a certeza absoluta da viabilidade ambiental. Esse empreendimento é complexo, tem vida útil significativa. Emitir licença até o dia 12 de junho está completamente descartado”, diz. Sobre a hipótese de aprovar a licença para a usina e deixar a discussão das obras periféricas para depois, Garcia foi cauteloso: “A usina tem questões importantes, como a recuperação ambiental da área. Estamos avaliando com muito cuidado. Eu diria que acoplando ou não [as obras complementares] no processo de licenciamento, pelo menos na fase inicial de viabilidade os impactos decorrentes da barragem vão ter que ser avaliados”, afirma. Garcia garante que a Fatma fará projeções em longo prazo quanto ao uso da água e também avaliará os impactos de emissões atmosféricas nos Aparados da Serra.

Empreendedor destaca benefícios ambientais da usina
De acordo com o engenheiro José Carlos Cunha, responsável pelo projeto da Usitesc, a usina não vai agravar o passivo ambiental da região, pelo contrário, vai recuperar áreas degredadas pelas mineradoras no passado. “A usina não vai gerar poluição. Claro que todo empreendimento tem um custo ambiental, mas a Usitesc tem um sistema moderno para atender a toda a legislação ambiental vigente, aliás, os padrões estão abaixo dos limites da legislação brasileira”, diz. Mesmo assim, ele também reconhece que a obra não poderá ser licenciada a tempo para participar do leilão do Governo Federal.

Cunha diz que as modelagens de dispersão feitas em relação à emissão de gases atmosféricos mostraram que não haverá impacto ao ecossistema dos Aparados da Serra e justifica o fato de a Usitesc ser instalada tão próxima (40 km) do Complexo da Usina Jorge Lacerda, a maior termelétrica da América Latina. “A localização está determinada pela proximidade do combustível, não tem sentido transportar carvão a longa distancia”, diz.

Quanto às críticas de que o carvão utilizado pela Usitesc é de baixa qualidade, o engenheiro diz que este é o combustível ideal para a tecnologia que será aplicada. “Um dos fatores de viabilização de uma termelétrica é o custo do combustível, para isso foi estabelecido que o carvão deveria ser bruto, não beneficiado, o que reduz o impacto ambiental”, explica. “Como a tecnologia de combustão empregada permite a queima de combustíveis pobres, tomamos a decisão de reduzir ainda mais a qualidade do combustível adicionando uma mistura com rejeitos, com isso tem-se dois benefícios, reduzir ainda mais o custo e aumentar o beneficio ambiental”, afirma. Segundo Cunha, o combustível da usina é composto por 70% de carvão bruto e 30% de rejeitos acumulados pela extração de carvão.

“A mina que está na frente do local onde será construída a Usitesc produz carvão para o Complexo Jorge Lacerda, sendo que o aproveitamento é de apenas 40%, o resto é rejeito que está sendo estocado. Na capacidade média que a Usitesc vai operar, esse rejeito será totalmente aproveitado”, explica. Segundo ele, se houver demanda maior de rejeitos, existem milhares de toneladas disponíveis na região que podem ser utilizadas, retirando os resíduos do meio ambiente.

Segundo Cunha, até a cinza expelida pela Usitesc será benéfica, neutralizando componentes ácidos emitidos por antigos depósitos de rejeitos que contaminam cursos de água. “As cinzas produzidas têm caráter alcalino e podem ser utilizadas para recuperação de drenagens ácidas. A região está bastante impactada com as drenagens ácidas emitidas por antigos depósitos de rejeitos de carvão e mineração a céu aberto, que é o que contamina os rios. A cinza produzida pela Usitesc pode ser utilizada para a recuperação ambiental. Hoje se utiliza calcário, cercando essas áreas para que a drenagem, antes de chegar aos córregos, passe por essa barreira. A cinza da Usitec retém metais pesados e acidez e não deixa os poluentes chegarem aos cursos de água”, diz o engenheiro. Cunha, entretanto, disse que a metodologia para a utilização da cinza alcalina ainda está em fase de elaboração. “Foram feitos testes de laboratório com sucesso, mas você tem que transpor do laboratório para o meio ambiente”, explica.

Em relação aos problemas de saúde que atingem os trabalhadores nas minas, Cunha negou a responsabilidade da Usitesc. “Estamos falando de uma usina termelétrica a carvão, os problemas do setor carbonífero, em termos de produção e saúde dos trabalhadores, é das mineradoras e dos órgãos fiscalizadores”, disse.

Ambientalistas querem que debate seja ampliado
Para Tadeu Santos, da ONG Sócios da Natureza, a audiência pública realizada em Treviso na última quarta-feira foi a mais democrática desde que começaram as discussões sobre o projeto, há três anos. Entretanto, ele afirma que o debate deve ser estendido a outras cidades que serão impactadas com a usina. “Não podemos ficar só em Treviso, precisamos de audiências públicas em Criciúma, Araranguá e Imbituba, onde fica o porto para exportar amônia”, diz.

Para ampliar as discussões, o movimento ambientalista realizará, no dia 23 de junho, o “Primeiro encontro sobre a queima de carvão como combustível energético da região Sul de SC”, na cidade de Araranguá.
Por Francis França

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