A passagem do navio do Greenpeace (que significa "paz verde", em inglês) por Santarém (PA) não tem sido nada pacífica. Ativistas da ONG sofreram nesta sexta, 19 de maio, o pior ataque contra suas ações desde que começou a expedição do navio MY Artic Sunrise pela costa brasileira, em 31 de março. A viagem – que já passou por outros seis municípios – pretende divulgar os riscos do avanço da soja sobre a floresta amazônica. Antes mesmo de chegar à cidade paraense, no último dia 11/5, a hostilidade em torno da campanha da ONG já estava montada: sojeiros realizavam ações em um movimento que vem sendo chamado de "Fora, Greenpeace! A Amazônia é nossa" e causa controvérsias entre moradores de Santarém.
Ataques, ameaças e coações vêm acontecendo desde então. Ao longo dos últimos dias, ativistas chegaram a ser seguidos e fechados em uma estrada, no momento em que se dirigiam para uma das ações programadas na campanha. Em outra ocasião, tiveram rojões de fogos de artifício disparados contra si (
veja em vídeo).
Na confusão desta última sexta (19/5), 18 pessoas do Greenpeace foram detidas – entre elas o coordenador da campanha Amazônia, Paulo Adário – e no mínimo cinco ficaram feridas. A confusão começou quando a equipe da entidade iniciou um protesto em frente ao porto da multinacional Cargill. Os ativistas posicionaram o MY Artic Sunrise no local enquanto soja era transportada para o silo da empresa, exibindo faixas de protesto e tentando parar o carregamento do produto.
A partir daí, pessoas se identificando como plantadoras de soja deram início aos ataques, jogando pedras, coagindo os ativistas e tentando subir no barco. A Polícia Federal interveio. Horas depois, com a confusão já sob controle, o navio da ONG, por segurança, se afastou da costa – levando 30 pessoas, entre membros do Greenpeace e policiais.
A Rets esteve em contato com integrantes da entidade durante todo o processo, para acompanhar o desenrolar dos fatos. Marcelo Furtado, coordenador de Campanhas; Marcelo Marquezine, engenheiro florestal, e Tica Minami, assessora de Comunição, nos deram informações sobre a extensão e gravidade do confronto. Leia a seguir seus depoimentos:
Tica Minami conversou com a Rets por volta das 16h, direto do barco do Greenpeace, que nesse momento já se encontrava a uma milha e meia da costa.
Rets - Como está a situação nesse momento?
Tica Minami - Agora as coisas estão mais calmas. O navio foi obrigado a se afastar da costa para garantir a nossa segurança. Alguns policiais estão aqui conosco. No total, há 30 pessoas. Há também policiais no hotel em que alguns membros estão hospedados.
Rets - E como tudo começou?
Tica Minami - Estávamos realizando um protesto pacífico, com intenção de parar o carregamento da Cargill. E a partir disso houve uma reação violenta dos sojeiros, com agressões verbais, várias embarcações chegando para protestar etc. Alguns agressores tentaram subir no nosso navio. Eles conseguiram destruir algumas portas. A Polícia Federal teve que retirá-los.
A polícia já deteve várias pessoas, entre elas muitos dos nossos ativistas. E tentamos negociar com eles: como não nos sentíamos seguros, pedimos que todo mundo ficasse preso dentro do navio, pois tínhamos medo de que a polícia não conseguisse segurar a multidão que estava lá fora. Esse processo da transferência do navio para a delegacia é que nos causava medo.
O engenheiro florestal Marcelo Marquezine falou com a Rets por volta das 17h30, direto da delegacia, onde acompanhava junto com o advogado da ONG as ações da polícia em relação às pessoas detidas.
Rets - Qual o número de pessoas detidas?
Marcelo Marquezine - Contamos 18 pessoas, entre voluntários nossos, jornalistas, tripulação do navio etc. Foram detidos oito escaladores nossos, que escalaram a esteira do porto da Cargill e conseguiram bloqueá-la, parando assim o fluxo de soja para dentro do silo.
Rets - Sob que alegação?
Marcelo Marquezine - Não sabemos ao certo ainda. Várias pessoas foram detidas dentro do navio, ou seja, não estavam fazendo nada no porto da Cargill. Eles trouxeram quem estava no caminho: imediatos, escaladores etc.
Rets - E o Paulo Adário, coordenador da campanha Amazônia, está detido sob que alegação?
Marcelo Marquezine - Ele é uma pessoa conhecida, coordena o programa. Provavelmente foi por isso que o trouxeram.
Rets - Alguém já foi liberado?
Marcelo Marquezine - Duas pessoas: um câmera e o capitão. Ambos argentinos, coincidentemente. Segundo o jargão policial, foram liberados porque estavam envolvidos em ato de menor potencial ofensivo.
Rets - Pelo que você está vendo aí, as pessoas devem ser liberadas ainda hoje?
Marcelo Marquezine - Acredito que sim. Elas não foram presas, mas sim detidas. Estão preenchendo um termo e sendo liberadas.
Rets - Algum sojeiro foi detido?
Marcelo Marquezine - Sim, uma pessoa. Também não sabemos sob que alegação.
Rets - Onde você estava no momento da confusão?
Marcelo Marquezine - Eu estava em terra, acompanhando por binóculo, rádio e celular. Foi uma coisa muito violenta. A intervenção da polícia foi que nos ajudou, e a dificuldade de subirem no barco também. Os sojeiros – pelo menos é o que eles alegam ser, mas não se tem certeza de que são – chegaram em três barcos, revoltados, enfurecidos.
Marcelo Furtado, coordenador de Campanhas do Greenpeace, conversou com a Rets por volta das 18h desta sexta.
Rets - Em alguma outra cidade, na Amazônia ou fora dela, vocês experimentaram esse tipo de situação?
Marcelo Furtado - Não, nunca, em lugar nenhum. Essa violência não tem nenhum paralelo. Neste exato momento, está acontecendo uma manifestação de sojeiros em frente à delegacia. Eles chegaram ao cúmulo de ameaçar o Paulo Adário mais cedo, quando ele estava dentro do carro da Polícia Federal, prestes a ser levado para a delegacia. Vários gritaram: "Paulo Adário, você não vai chegar lá vivo". É uma situação em que você não acredita que está no Brasil.
Rets - E a polícia, o que fez? Tem ajudado vocês?
Marcelo Furtado - Os policiais ficaram preocupados em levar o Paulo com integridade até a delegacia. A polícia, nesse momento, é nossa única garantia de segurança.
Rets - Depois de Santarém vocês seguem para Manaus (AM), certo? Qual a expectativa para essa cidade?
Marcelo Furtado - Sim, seguimos. Estão inclusive marcadas atividades com a Prefeitura de Manaus, que é uma Cidade Amiga da Amazônia [título concedido pelo próprio Greenpeace]. Viemos de Belém, que ainda não é Cidade Amiga da Amazônia, mas tivemos uma ótima reunião com a secretária Municipal de Meio Ambiente de lá, na qual ficou firmado o compromisso de apresentarem o programa no encontro do Pólo Belém, união de 28 cidades do entorno da capital paraense. Isso é particulamente importante, pois são cidades não só consumidoras de soja, mas também produtoras.
Rets - Ou seja, só em Santarém vocês experimentaram esse tipo de hostilidade.
Marcelo Furtado - Só aqui, e são ações de uma minoria. Vimos em várias palestras que fizemos em escolas e comunidades a aceitação que o Greenpeace teve. Muitos nos agradeceram por compartilharmos informações deconhecidas deles, quando falamos sobre o que está acontecendo: o avanço da soja sobre a floresta. O fato aqui, a grande denúncia que estamos fazendo, é o papel de uma multinacional de alimentos que está destruindo a Amazônia.
À apologia que os sojeiros estão fazendo contra a internacionalização da Amazônia, como forma de nos atacar, nós rebatemos informando que, na verdade, eles é que estão internacionalizando, ao venderem para uma empresa familiar americana. O que o Greenpeace demanda é um modelo de desenvolvimento da região que não destrua os recursos naturais. Além disso, queremos que os programas governamentais saiam do papel.
(Por Maria Eduarda Mattar, Rede de Informações para o Terceiro Setor)