Grilagem e desmatamento em área de influência de hidrelétricas já são realidade no rio Madeira
2006-05-22
Em recente debate promovido pela prefeitura de Porto Velho, José Bonifácio, diretor de contratos de Odebrecht, elencou entre os prováveis benefícios dos empreendimentos hidrelétricos do rio Madeira o "aquecimento do mercado imobiliário". Entretanto, numa região de frágil ordenamento fundiário, esse "aquecimento" se traduz em desmatamento e ocupação ilegais.
No distrito de Jaci-Paraná, onde hoje habitam cerca de nove mil pessoas, um visitante ficaria assombrado com a quantidade de placas em toda parte anunciando venda de casas, pontos comerciais e lotes. Por se tratar de um distrito pobre, onde há carência de serviços públicos, o crescimento populacional costumava ser quase imperceptível. Há dois anos, em Jaci-Paraná havia entre 600 e 700 domicílios. Hoje são mais de 1500. Para Jurandir Rodrigues Oliveira, administrador público encarregado do distrito, essa explosão de ocupação tem um único motivo: o projeto de implementação das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau no rio Madeira.
"O pessoal ouve falar que vai ter uma usina aqui, que vai ter emprego e vão se instalando, invadindo as áreas. O pessoal que já é da região se aproveita, derruba a mata e abre terreninho e de repente um terreno que valia R$1.000 passou a valer R$5.000. Nós não temos estrutura para atender a todas essas pessoas. Pode até ser que essas usinas tragam benefícios, mas por enquanto nós só estamos tendo prejuízos", lamenta o administrador. Como exemplo, cita o serviço médico realizado no posto de saúde local. Segundo Jurandir, o posto costumava realizar cerca de 20 atendimentos por semana. Nos últimos meses, são mais de cem pacientes a procura de consultas semanalmente.
Promessa de empregos - Afora a região central da capital Porto Velho, o distrito de Jaci-Paraná é o núcleo urbano mais próximo do canteiro de obras que pode ser instalado para construção da usina de Santo Antonio. Furnas e Odebrecht, propositores das obras, declaram no Estudo de Impacto Ambiental apresentado ao Ibama a criação de cerca de 20 mil empregos diretos em cada usina. Seus representantes garantem, em reuniões promovidas quase que mensalmente em todas as comunidades passíveis de serem afetadas pelas hidrelétricas, a priorização de mão-de-obra local.
A primeira grande dificuldade em cumprir essa promessa seria a qualificação profissional. Segundo os mesmo estudos realizados pelos propositores do projeto, as atividades produtivas desenvolvidas em Jaci-Paraná, para as quais se dedica toda a mão de obra local, são a coleta de castanhas, a extração de látex e madeira, bem como o trabalho em serrarias e a pesca.
Para Artur Moret, Coordenador da Campanha de resistência à hidrelétricas "Viva Rio Madeira Vivo", os empregos gerados serão, em sua maioria, temporários e as melhores posições ocupadas por trabalhadores de fora do estado. "A movimentação de trabalhadores é enorme e segundo informações não oficiais, esse montante chega a três vezes a oferta de empregos, exigindo assim do poder público municipal atendimento das demandas crescentes de saúde, de educação, de transporte, de infra-estrutura, de moradia,etc", aponta.
Comércio ilegal - O administrador do distrito levou a reportagem do amazonia.org.br a um loteamento ilegal. São pequenos lotes de cerca de 10 m por 30 m e casas de madeira erguidas pelos próprios moradores. Todos os moradores consultados não têm escritura e dizem não conhecer os supostos donos das terras. Dona Maria Barbosa mora com os sete filhos numa casa de dois cômodos e comprou o seu terreno por R$2.000,00 de um homem que ela identifica apenas como Batata, mas não chegou a conhecê-lo porque o negócio foi fechado com um intermediário.
Segundo um desses intermediários, que ainda considera baixa a demanda por lotes, foram vendidos 77 lotes de R$1000 a R$2000 em apenas 30 dias. Ele explica que não é possível comprar a prazo, porque os vendedores não confiam, mas que com habilidade de negociação o pagamento a vista pode ser feito pela metade do preço inicial. Evidentemente, não há escrituras no negócio. Mas ele garante: "Em Rondônia é tudo assim. Ninguém tem escritura, mas isso não é um problema".
Nessas condições, um terreno de 20m por 80m sai por cerca de R$20.000, preço inicial. Mais próximo da rodovia e do hotel, a mesma área sairia por R$55.000. O intermediário incentiva: "Jaci-Paraná é o progresso. Isso aqui vai crescer muito. Só vai perder para Porto Velho".
Segundo a reportagem do amazonia.org.br apurou, as áreas que estão sendo invadidas, loteadas e vendidas são de titularidade da União. A secretaria Municipal de Regularização Fundiária e Habitação de Porto Velho foi procurada durante dois dias, mas até o fechamento dessa reportagem não designou ninguém que pudesse comentar o caso.
(Amazonia.org.br, 19/05/06)