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2006-05-18
A poluição do ar gerada por queimadas da Amazônia é algo totalmente nocivo, certo? Bem, era isso o que os cientistas pensavam até recentemente. Até um grupo da Universidade de São Paulo descobrir que partículas presentes na fumaça podem, na verdade, estimular o crescimento das árvores, fazendo-as retirar mais carbono da atmosfera.

Um estudo realizado por Paulo Henrique de Oliveira, do Instituto de Física da USP, constatou que aerossóis produzidos por queimadas e lançados na atmosfera a concentrações dez vezes maiores que o normal na Amazônia aumentam em 20% a fotossíntese, reação pela qual as plantas retiram gás carbônico do ar e o fixam na forma de raízes, folhas e caule. O mesmo efeito foi observado em três pontos diferentes, dois em Rondônia e um no Pará, o que afasta a coincidência.

"Ficamos espantados, porque o efeito é contra-intuitivo", diz Paulo Artaxo, orientador de Oliveira. Explica-se: as partículas suspensas na fumaça reduzem a quantidade de luz que incide diretamente sobre as plantas, o que, em tese, reduziria também a fotossíntese.

O que os cientistas descobriram, no entanto, foi que os aerossóis da fumaça aumentam a luminosidade difusa, o que parece ser vantajoso para as plantas.

Na última sexta-feira, Artaxo apresentou os dados do estudo a um grupo de cientistas que participavam de uma reunião do LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia) em Brasília. Os resultados foram submetidos a um periódico internacional para publicação.

Carbono misterioso - Segundo o pesquisador da USP, o estudo de Oliveira chama atenção para "mais um impacto antropogênico [humano] que ainda não havia sido descoberto".

De quebra, pode ajudar a explicar um antigo mistério amazônico: quanto carbono a floresta de fato retira do ar e fixa nas árvores. Responder a essa questão é um dos objetivos principais do LBA. Isso porque as primeiras estimativas indicavam que a Amazônia fosse um grande "ralo" de carbono, retirando do ar anualmente cerca de 5 toneladas por hectare.

Um número tão alto teria implicações diretas para a políticas de clima, pois indicaria que a Amazônia estaria retirando do ar boa parte do gás carbônico (principal causador do efeito estufa) que a humanidade nele despeja por meio da queima de combustíveis fósseis, como o petróleo.

Só que a conta não fechava: para que tamanha absorção ocorresse, a floresta deveria ter o dobro do tamanho que tem. Refinando as medidas das chamadas torres de fluxo, estruturas dispostas acima do dossel e equipadas com instrumentos para medir temperatura, umidade e trocas gasosas na floresta, o resultado ficava mais modesto. Ainda assim, em vários pontos a fixação de carbono era mais alta do que o esperado, por volta de uma tonelada por hectare ao ano ou mais.

Artaxo crê que a explicação possa estar nas queimadas, que estariam transformando a floresta num ralo de carbono. "As emissões de queimadas estão mudando o balanço de carbono na Amazônia", disse. "Isso em parte pode se explicar pelo transporte a longa distância de aerossóis de queimadas vindos de Mato Grosso [para RO e PA]."

Mas que os produtores rurais não se animem a achar que queimadas são um bom negócio: o excesso de aerossóis pode levar e leva o sistema ao colapso. Ao mesmo tempo em que se descobriu que concentrações de aerossóis dez vezes maiores que o valor normal aumentam a fotossíntese, ultrapassar em muito esse limite -algo que também acontece com freqüência na floresta durante as queimadas- corta completamente a reação, como se caísse a noite sobre a mata.

Ozônio - Um outro estudo do mesmo grupo, conduzido num laboratório do Instituto Botânico de São Paulo por Patrícia Bulovas, mostrou que a produtividade primária (fotossíntese) de uma das commodities que mais provocam a queima da floresta -a soja- cai em 30% devido à exposição a um outro poluente liberado durante as queimadas, o ozônio.

"É um resultado importante, porque mostra que as queimadas também trazem prejuízo para o sojicultor", diz Artaxo. A idéia, agora, é medir o efeito do ozônio no campo, em lavouras de soja.

SAIBA MAIS
O LBA (Experimento de Grande Escala da Biosfera/ Atmosfera na Amazônia) começou em 1998 com o objetivo de entender como funciona a Amazônia. Reuniu mais de 800 cientistas de vários países, a maioria brasileiros e norte-americanos.

Financiado principalmente pelo governo brasileiro e pela Nasa (agência espacial dos EUA), foi o maior experimento de campo realizado num ecossistema tropical.

Nos sete anos de coleta de dados, os cientistas esquadrinharam a floresta e suas relações com o clima global. Descobriram que as nuvens amazônicas são diferentes das do resto do continente, e tentaram esclarecer o papel das queimadas na meteorologia local. Concluíram, ainda, que a mudança climática e o desmatamento podem transformar boa parte da Amazônia em cerrados.

Hoje sem o financiamento da Nasa (o acordo expirou em 2004, mas os americanos ainda participam de pesquisas), o experimento entra agora na sua terceira fase, a de síntese dos dados.
(Folha de S.Paulo, 17/05/06)

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