Arábia Saudita das energias renováveis – Artigo
2006-05-16
Por Eduardo Athayde *
É assim que o presidente do WWI tem se referido ao Brasil mundo afora. O
primeiro-ministro britânico Tony Blair, sintonizado com a emergente ecoeconomia,
solicitou do Serviço de Economia do Reino Unido relatório sobre a economia da
mudança climática, a ser apresentado na reunião do grupo dos sete países
desenvolvidos mais a Rússia (G-8) em julho próximo, em São Petersburgo. Lá,
entre ricos investidores, o Brasil, oficialmente convidado, será mais cortejado
pelas crescentes safras sucroalcooleiras e pelo destacado potencial em fontes
de energias renováveis do que pela auto-suficiência em petróleo comemorada.
Relatório independente do Worldwatch Institute (WWI), "Renewable-Global Status
Report", reuniu cerca de 100 pesquisadores em mais de 20 países mostrando que o
suporte governamental para energias renováveis cresce rapidamente. Quarenta e
oito países, incluindo 14 em desenvolvimento, têm algum tipo de política pública
voltada a energias renováveis. A maioria das políticas visa atingir de 5% a
30% de produção de energia de fontes renováveis até 2012.
O relatório destaca o envolvimento de grandes grupos transnacionais como
General Electric, Siemens, Sharp, Shell, Grupo Suez e os países líderes de
mercados. Brasil, em biocombustíveis; China, em energia solar para aquecimento
de água; Alemanha, em eletricidade a partir de energia solar; e Espanha, em
energia eólica.
Christopher Flavin, presidente do WWI e especializado em energias renováveis,
tem se referido ao Brasil como a "Arábia Saudita das energias renováveis" nas
palestras e entrevistas realizadas em todo o mundo.
Numa economia global cada vez mais integrada, onde todas as nações competem
pelo mesmo petróleo, o empenho para conquistar a estratégica auto-suficiência
brasileira, merecidamente festejada, já não tem isoladamente a mesma
importância, ou peso, que tinha há décadas atrás. O apelo mundial por fontes de
energias limpas, redutoras de desequilíbrios climáticos, e os crescentes
prejuízos causados pelos desastres naturais, que nos últimos dez anos foi de
US$ 570 bilhões, atraem a atenção de investidores influenciados por ações como
as do premiê Tony Blair, impulsionadas por indicadores como o DJSI-Dow Jones
Sustainability Index.
Dados reveladores levam o Brasil a se destacar no cenário internacional.
Enquanto o licenciamento de veículos flex-fuel lidera as estatísticas, atingindo
68,2% em dezembro de 2005 e 72,8% em janeiro de 2006, o biodiesel compete com
o petróleo na produção de subprodutos como a glicerina, matéria-prima para a
produção de adesivos, têxteis, produtos farmacêuticos, tintas "e muitos outros
que estão por todos os cantos", como diz a propaganda comemorativa da Petrobras.
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), a
mistura B5 (adição de 5% de biodiesel ao diesel) criaria aproximadamente 185
mil empregos no campo e geraria uma renda superior a US$ 1 bilhão; informação
ampliada pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), quando mostra que 5% de
biodiesel misturado ao óleo diesel representa uma economia de divisas da ordem
de US$ 350 milhões/ano.
O Dia da Terra foi coincidentemente comemorado quando o preço do barril de
petróleo chegou ao pico histórico de US$ 75. Marcando a data, o presidente
americano George W. Bush, em visita à Califórnia, voltou a defender os
investimentos em energias renováveis. Bush sabe que hoje, para cada 1% de
álcool que a Califórnia adicionar ao combustível automotivo, poderá evitar a
emissão de 340 mil toneladas de dióxido de carbono/ano, economizando US$ 22
milhões anuais. Estrategicamente rende-se à visão de Henry Ford no início do
século XX, quando afirmou que o álcool derivado de biomassa era o "combustível
do futuro". Os americanos, que gastam 43% da gasolina do planeta para movimentar
internamente 5% da população global, e estão pagando R$ 2,66, em média, por
litro de gasolina, quase o mesmo preço da nacional, especulam sobre os
biocombustíveis brasileiros.
No livro "Ecoeconomia" (download gratuito em português no site
www.wwiuma.org.br), Lester Brown, fundador do WWI, projeta cenários globais,
mostrando, por exemplo, que, se a China focasse no modelo americano de três
carros para cada quatro habitantes, alcançaria sozinha o total de 1,1 bilhão de
carros (hoje existem no mundo 800 milhões de carros). Para oferecer as vias e
espaços de estacionamento teria de pavimentar uma área de 29 milhões de
hectares, equivalente à usada hoje para cultivar arroz, seu alimento básico.
Realistas, os chineses entendem a impossibilidade de atingir o padrão de
consumo americano, para o qual precisariam de 99 milhões de barris de
petróleo/dia (o mundo produz atualmente 84 milhões de barris/dia), e no seu
décimo planejamento qüinqüenal – que não inclui meta de auto-suficiência em
petróleo – prevêem investimentos de US$ 85 bilhões para adaptações a novos
critérios ambientais de sustentabilidade.
A comprovada competência que levou a Petrobras – empresa de energia – a alcançar
a auto-suficiência em petróleo também pode ser usada para liderar mundialmente
a produção de energias limpas, cujo mercado cresce em torno de 20% a 30% ao
ano, empreendendo sustentavelmente o hiperdotado patrimônio natural nacional.
Hoje, mais valiosas que o petróleo são as mentalidades dos novos líderes de
governos, corporações e sociedade civil organizada e suas decisões "renovadas".
O efeito Bolívia reforça as atenções internacionais para o título de "Arábia
Saudita das energias renováveis". Será que aproveitaremos essas oportunidades?
* Eduardo Athayde é diretor do Worldwatch Institute (WWI) no Brasil
(GM, 16/05/06)