Sojicultores e Greenpeace travam duelo na Amazônia
2006-05-16
Ativistas do Greenpeace e gente ligada aos sojicultores que plantam ilegalmente
soja na área de Santarém, Oeste do Pará, travaram na noite de sábado (14/05)
mais uma batalha em torno dos destinos da monocultura do grão na Amazônia. A
Ong arranjou um barco local que estacionou na orla da cidade sobre o rio
Tapajós e desfraldou um imenso pedaço de pano branco no seu costado. De um
pequeno bote a motor, seus militantes utilizaram-se de um projetor para passar
imagens do desmatamento causado pela soja na região. Conseguiram fazer seu
cineminha por cerca de dez minutos, os últimos cinco sob intenso bombardeio de
rojões disparados de terra por um grupo de homens evidentemente ligados ao
pessoal da soja.
O evento estava marcado para ter início às 8 da noite de sábado. Mas desde às
sete e meia, a turma do Greenpeace começou a sua organização, coisa que acabou
atraindo a curiosidade de muita gente, inclusive de seus “inimigos”. Alguns dos
ativistas se espalharam pela orla, tentando ser o mais discretos possível. Mas
nem sempre isso era possível. A Ong está há quase dois meses na cidade, fazendo
protestos contra os desmatamentos e a grilagem de terras que têm caracterizado
o plantio de soja na região e a essa altura, alguns de seus rostos tornaram-se
conhecidos.
Um grupo de 10 jovens reconheceu uma mulher que trabalha para a Ong. Eu estava
ao lado dela. “Olha aqui, essa moça é do Greenpeace. Vamos encher ela de
porrada”, disse um deles. Ela riu meio amarelo e, obediente aos mandamentos de
segurança do Greenpeace, tentou evitar o olho no olho. Aí o encarado fui eu.
Como O Eco não tem normas de segurança dizendo o que fazer numa situação dessas,
devolvi o olhar 45. Foram segundos de tensão. Um deles também me ameaçou. Não
rebati e eles acabaram indo embora. Certamente, não pelo meu físico de peso-pena.
Talvez pelo fato que estávamos relativamente distantes do local onde o barco
com a tela tinha estacionado com os motores ligados.
O primeiro sinal de que haveria problemas apareceu para mim justamente ao meu
lado. Eu estava quieto no meu canto, aguardando a hora da projeção, quando um
sujeito ao meu lado sacou o celular, discou um número e falou: “esses filhos da
puta do Greenpeace estão aqui. Manda os barcos para rasgarem a tela. Vamos
tirar esses caras daqui na marra”. E saiu andando em direção ao local onde as
imagens seriam projetadas. Os barcos não se materializaram. Mas as caixas com
rojões, sim. Seu alvo primordial era o pequeno bote a motor onde estava o
projetor de imagens. Seus cinco ocupantes ficaram sob intenso bombardeio.
Um barco maior da Ong, vindo do navio que por sinal finalmente conseguiu
autorização para atracar no porto de Santarém, apareceu para tentar protegê-los.
A projeção continuou por alguns minutos debaixo do fogo dos rojões, apenas o
tempo suficiente para que fosse terminada e as embarcações se afastaram. Na
água, o tumulto cedeu. Mas em terra, ele cresceu. Sem o alvo aquático, a brigada
anti-Greenpeace procurou outros em terra. Achou-os num grupo de jornalistas
que testemunhava a refrega. Sobrou pancada para um fotógrafo alemão, que foi
derrubado e recebeu chutes na cabeça e nos pés, mas sem conseqüências mais
graves.
A refrega acabou e os ativistas voltaram ao seu navio, ironicamente ancorado
bem ao lado de outro que embarcava madeira. O clima dentro dele era da mais
absoluta calma. Os ativistas que estiveram diretamente envolvidos na refrega,
contavam suas experiências. Alguns pareciam assustados com a violência do
embate. Mas a maioria comportava-se como se tivesse passado pela coisa mais
normal do mundo. Logo depois, o pessoal da coordenação do Greenpeace retirou-se
do navio para uma reunião. E depois foram todos dormir porque, muito
provavelmente, vai haver mais confusão.
(Manoel Francisco Brito, O Eco,
14/05/06)
http://arruda.rits.org.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=6&pageCode=67&textCode=16767&date=currentDate&contentType=html#topo