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2006-05-16
Noite de sexta-feira (12/05) em Santarém. Com Paulo Adário, coordenador da Campanha Amazônia, e Gavin Edwards, Coordenador da Campanha Global de Florestas à frente, um grupo de ativistas do Greenpeace, que há dois meses agem na cidade para denunciar os desmatamentos provocado pela entrada da soja na região, chegam ao restaurante Piracatu, um dos melhores da cidade, para jantar. Decidem subir para o salão superior, onde funcionava um potente ar-condicionado. Lá, esbarram em Ana Cristina Barros, da Ong The Nature Conservancy (TNC), que desde agosto do ano passado tenta intermediar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para enquadrar os sojicultores locais na legislação ambiental.

Com ela, jantavam o maior deles, Pio Stefanello, que detém posse sobre 2 mil e 400 hectares de terra, e mais Miguel Oliveira, dono do jornal O Estado do Tapajós, e um diretor da Cargill, a multinacional que em 2002 construiu no município, sem o devido estudo de impacto ambiental, um terminal portuário para o escoamento de grãos. Estavam ali para prosseguir nas discussões sobre o futuro da produção da soja na região e celebrar dois eventos ocorridos horas antes e que, na sua visão, eram para lá de importantes.

Um, a assinatura de um contrato entre a TNC, o Sindicato dos Produtores Rurais e 106 fazendeiros da região com vistas à regularização de seu passivo ambiental. Não era o TAC tão sonhado, mas à falta dele, foi alguma coisa. No mínimo a primeira admissão pública dos plantadores de soja da região de que estão fazendo coisa errada. O outro motivo de celebração foi a divulgação de uma carta da Cargill à prefeita de Santarém, Maria do Carmo (PT), informando que a partir do segundo semestre deste ano, limitará suas compras de soja aos “fornecedores que possuírem comprovação de licenciamento ambiental para suas atividades rurais”.

Pelo acordo firmado entre a TNC e os sojicultores, o selo de correção ambiental será dado pela Ong, que assumiu o encargo de vigiar suas atividades. Passados décimos de segundo do susto provocado pelo inesperado encontro no restaurante, Adário tomou a iniciativa de quebrar o gelo. Dirigiu-se à mesa e cumprimentou os convivas. Demorou-se um pouco trocando sussurros ao pé do ouvido com Barros, a quem admira muito como pessoa. Ouviu dela uma espécie de agradecimento pela pressão que o Greenpeace vem exercendo sobre os sojicultores.

Saco de gatos
Desde que meteu-se nessa empreitada, era a primeira vez que tinha algo de concreto na mão para comemorar e atribuiu isso à recente ação do Greenpeace na região. Justiça seja feita, a tarefa a que ela se propôs nunca foi vista como fácil de ser executada. Para início de conversa, Barros tinha que costurar um acordo envolvendo sete partes, cada uma delas, por razões próprias, relutante em participar dele. Além dos sojicultores, gente que de 1999 a 2005 comprou posses, grilou terras e desmatou mais de 80 mil hectares de floresta sem prestar a menor atenção às demandas da legislação, o acordo tinha que envolver a Cargill, o Sindicato dos Produtores Rurais, Ministério Público, Ibama, Incra e a própria TNC, cada um com demandas muitas vezes difíceis de serem aceitas pelo outros.

Os fazendeiros, tão logo ouviram falar do assunto, exigiram perdão das multas e autos de infração lavrados pelos órgãos federais. A Cargill se recusava a publicamente dizer que não compraria mais soja produzida ao arrepio da lei. E o MP torcia, e ainda torce, o nariz para a possibilidade de participar de um instrumento legal que envolvesse alguma espécie de perdão para infratores. No meio dessa confusão, o aparecimento do Greenpeace no pedaço, para a TNC, serviu como uma dádiva. Não fosse sua gritaria, dificilmente a Cargill teria enviado a carta pública à prefeita.

E nem mortos os sojicultores teriam colocado suas assinaturas no contrato com a TNC. Sem o envolvimento direto dos órgãos públicos federais, do ponto de vista prático, talvez ele nem signifique muito coisa. Mas do ponto de vista político, pelo menos do lado de Barros e sua Ong, a admissão pública pelos produtores rurais de seu passivo ambiental e fundiário poderia ser considerada uma vitória, que ela agora, polidamente, tentava dividir com o Greenpeace. Na saída do restaurante, foi a vez de Barros devolver as mesuras de Adário.

Legalista
Aproximou-se da mesa onde ele terminava o jantar com sua turma, despediu-se de todos e convidou-o para tomar um café da manhã no dia seguinte em seu hotel. Adário aceitou. Na manhã de sábado, como de hábito, atrasou-se para o encontro. Cerca de 20 minutos. Levou com ele seu braço direito na Campanha Amazônia do Greenpeace, o engenheiro florestal Marcelo Marquesini. À mesa, ouviram de Barros novamente que ela considerava importante dividir esta sua vitória, ainda que parcial, com o Greenpeace. Reconheceu que as estratégias das duas Ongs eram muito diferentes.

Mas insistiu que como o Greenpeace está defendendo a moratória no plantio de grãos nos ecossistemas da floresta úmida da região Norte do país, os objetivos das duas Ongs separavam-se por apenas 20%, área de uma fazenda na Amazônia que o Código Florestal permite que seja cultivada. Seu raciocínio era que, desde que os outros 80% fiquem com a floresta, havia espaço para elas se entenderem. Deu também um alerta aos representantes do Greenpeace. Disse que as outras escoadoras de soja no país estavam rindo à toa com o cerco que faziam à Cargill e que a Bunge e a Maggi, controlada pelo governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, planejavam construir um terminal portuário para grãos no Amapá. Adário respondeu que discordava e recusou dividir a vitória que Barros lhe oferecia.

Trocando em miúdos, dá para dizer que a TNC tem uma estratégia formalista, estritamente baseada no que diz o Código Florestal em relação à obrigação de áreas rurais produtivas instaladas na Amazônia manterem uma reserva legal em 80% de sua extensão, coisa que nenhum sojicultor da região de Santarém jamais respeitou. O projeto da Ong, que na opinião de Barros visa fortalecer o cumprimento da legislação, envolve buscar uma área fora de Santarém para ser oferecida como reserva legal. O tamanho dela não está definido, até porque nem todos os sojicultores metidos no problema, cujo número é estimado em 500, aderiram ao acordo.

Portanto, ainda é difícil estimar a área total que serviria como compensação, que teria que ser, justamente por estar fora da região desmatada, na base de cinco hectares de floresta por cada hectare que foi desmatado. Mas a TNC trabalha com uma ordem de grandeza entre 50 mil e 100 mil hectares. Além desta indefinição, ainda não está claro, nem mesmo para Barros, se essa reserva seria erigida em terra pública ou privada e quem seria o responsável pelo seu manejo e administração. A Ong preferiria que não fosse o poder público, não só por causa de sua notória fragilidade, mas porque acredita que uma entidade privada teria melhor acesso a financiamentos para mantê-la de pé.

Conservação sustentável
O Greenpeace e Adário acham tudo isso errado. Eles propõem uma Amazônia livre da monocultura de grãos. À boca pequena, admitem até discutir algum destino diferente para os 17% da floresta onde se concentra boa parte da pressão humana sobre ela e que já estão completamente degradados. Mas para o resto, demandam uma mistura de unidades de conservação com projetos de exploração econômica certificados e de desenvolvimento sustentável. Adário acredita que a estratégia da TNC é cheia de riscos e propostas absurdas. Nem todos os plantadores de grão da região, que a Ong estima serem cerca de 500, assinaram o tal contrato. Ninguém tem ainda muito claro como ficará sua situação.

O próprio legalismo da proposta da TNC não explica muito onde é que se encaixa nela sua visão de conservação da região. Caso o Congresso decida reduzir o percentual de reserva legal na Amazônia, a TNC o aceitaria porque virou lei? Adário também se preocupa com a possibilidade de se erigir uma área de compensação ambiental para os sojicultores em terras públicas. Acredita que é imoral usar coisa que pertence a todos os brasileiros para pagar por ilegalidades cometidas por entes privados. Finalmente, acha que as discussões da TNC com a Cargill e os plantadores de soja embutem o risco - ainda que difícil de acontecer - de os sojicultores da área de Santarém utilizarem a sua adequação.

Barros confidenciou a uma pessoa que foi levá-la ao aeroporto na manhã de sábado, de onde pegaria um vôo rumo à Manaus e daí Brasília, que reconhecia o risco e que essa situação representou um dilema dentro da própria TNC antes de ela se envolver na questão da soja em Santarém. Mas usou uma metáfora para tentar explicar ao seu interlocutor como, dentro da sua Ong, ficaram em relativa paz com a questão. Pediu ao seu interlocutor que imaginasse um motorista que usa cinto, nunca se envolveu em acidentes e jamais avançou um sinal. O problema é que ele não tem habilitação. O que você faz? Lhe nega a carteira? Ao que seu interlocutor respondeu dizendo que o problema é que o motorista em questão, avançou sinais, não usava cinto e sempre ignorou as leis de trânsito.
Manoel Francisco Brito, O Eco, 14/05/06)
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