Um maluco decidiu virar terrorista e começou a explodir bombas em Porto Alegre no início dos anos 1950, até que um químico novato da polícia técnica gaúcha descobriu o tipo de pólvora, pouco conhecida e bastante instável, que estava sendo utilizava. A partir desta informação, o criminoso foi preso. Ex-aluno do curso técnico do Júlio de Castilhos, o trabalho do jovem Flávio Lewgoy, recém formado em Química Industrial na Ufrgs, era colher indícios materiais que levassem a identificar os autores dos crimes.
Após 30 anos de serviços prestados à força policial, ele olha pra trás e lembra com orgulho que foi o responsável pela prisão e soltura de muitas pessoas, mas principalmente pela criação do laboratório de química forense. Com personalidade científica, Lewgoy também especializou-se em Genética e passou a dar aulas na Ufrgs, onde trabalhou na estruturação do laboratório inicial do curso e criou, em 1990, a disciplina de Ecogenética, que hoje foi incorporada por outras matérias.
Foi em 1971 que o policial-geneticista descobriu elementos químicos muito poluentes no carvão gaúcho e passou a dar entrevistas e mais entrevistas sobre o assunto. Neste ano, estava nascendo em Porto Alegre a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, de José Lutzenberger. Três anos depois, Flávio Lewgoy reforçou os quadros da entidade com o seu olhar arguto de pesquisador. “As lutas que diziam respeito à poluição química sempre me empolgavam, pois aí eu podia dizer alguma coisa”.
As lutas químicas que empolgavam Lewgoy, até hoje engajado no movimento ecológico, ajudaram a estruturar o ambientalismo gaúcho e até brasileiro. Depois das denúncias solitárias sobre a poluição do carvão veio a briga contra o cheiro de ovo podre da fábrica de celulose Borregard, em Guaíba, que depois passou a ser Riocell e agora Unidade Sul da Aracruz.
Outro momento definitivo foi o anúncio da construção de um Pólo Petroquímico águas acima de Porto Alegre no final dos anos 1970. Os resíduos tóxicos do empreendimento seriam lançados primeiro no Guaíba e depois na Lagoa dos Patos através de um tubão. A grita foi tão grande que gerou a construção de uma central de tratamento de efluentes, hoje motivo de orgulho dos petroquímicos. Foi também por esta época que restos de agrotóxicos começaram a aparecer no Guaíba. Daí nasceu em 1982, com a ajuda do policial-geneticista, a primeira legislação estadual para regular o uso dos venenos agrícolas, que acabou inspirando a legislação nacional.
- Eu não tenho uma visão sentimental do ambiente. Eu vejo o lago como um patrimônio natural. O Delta do Jacuí é um manancial para Porto Alegre. O Guaíba já estava em estado muito ruim nos anos 1970, hoje está pior. No entanto, ele ainda não é um caldo podre. Tem futuro. Rios em estado pior já foram recuperados. Eu nunca fui banhista. Mas o que me dói é ver este manancial aos poucos se convertendo em uma massa d’água que talvez um dia não tenha mais condições de uso.
Aos 80 anos, o perito policial aposentado Flávio Lewgoy ainda acompanha com grande interesse as ameaças químicas ao Guaíba. Ele participa de reuniões, estuda artigos científicos na Internet, troca informações com outros ecologistas. E alerta que a presença de organoclorados, gerados pela indústria e pela cloração da água potável, é grande no lago. Meio resignado, constata: “O crime ambiental é diferente dos outros crimes. Todo mundo sabe quem são os criminosos. Mas eles nunca vão presos”.
Por
Roberto Villar Belmonte, para a edição de maio do jornal
Extra Classe, do Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul.