O serrote ganha vida na mão de Paulinho Pires. Quando o músico de 72 anos roça a lâmina de aço dentada com um arco de violino, ela produz um som infinito que parece vir do espaço sideral, é um lamento profundo, doído. É como se a natureza nesta hora falasse através do menino que passou a infância brincando entre as Ilhas da Pólvora e das Flores e, muitos anos depois, na Oitava Califórnia da Canção Nativa, em 1978, apresentou uma composição musical na forma de um pedido de socorro – Súplica do Rio - em nome do Jacuí, responsável por mais de 70% das águas que formam o lago Guaíba.
Não deixem morrer meu riiiuuuuuu
Me ajuudem por favooooorrr
O biguá que mergulhava já morreu
Aguapé não dá mais flor
A estréia do serrote ocorreu no cinqüentenário do Colégio Rosário, há mais de meio século. De lá pra cá Paulinho Pires ganhou notoriedade no mundo nativista como serrotista, gaiteiro, compositor e defensor da natureza. É famoso também pelo nó criativo que dá no lenço gaudério usado nos momentos que exigem o traje a rigor. Este detalhe na vestimenta sintetiza o modo de ser minucioso e cuidadoso deste ex-ilhéu que canta para colaborar com as pessoas, para melhorar o mundo. “Dentro daquilo que eu escrevo, tu vais sempre encontrar o rumo de uma mensagem positiva”.
Hoje olhando as águas turvas a rolarem para o mar
Que vontade de voltar aos bons tempos que vivi
Ver mamãe lavando roupa com sorriso de bonança
No seu rosto a esperança dos meus cantos de guri
Sentado em um banquinho, Paulinho Pires coloca de lado o violão que usa quando canta suas músicas e pega o serrote. O cabo ele prende entre os joelhos para que o balanço das pernas ajude na vibração do aço. A outra ponta ele segura com a mão direita. A esquerda desliza o arco do violino e também “dedilha” a superfície plana da ferramenta de corte transformada em instrumento sonoro. Com o dedo anelar, ele bate, e com o dedo mínimo ele abafa o som. As notas dependem da posição do serrote, próprio para acompanhamentos e melodias de notas longas, extensas como o Jacuí, o Guaíba, a Lagoa dos Patos.
Sinto sede de água pura
Quando a natureza chora
O silêncio das barrancas
Me pedindo pra cantar
Paulinho Pires mora com a sua “baixinha”, a esposa-companheira com quem vive há 37 anos, em uma casa na zona leste de Porto Alegre, mais perto do arroio Dilúvio do que do lago Guaíba. O seu “rancho” é simples, aconchegante e com verde por todos os lados. “A natureza é música pra mim”. Quando precisa recarregar as energias, visita uma irmã que ainda mora em uma das 28 ilhas do Delta do Jacuí. Lá ele reencontra as memórias da infância e reafirma a sua convicção ambiental expressa também numa frase escrita com letras verdes no seu cartão de visitas: “Não serre a natureza, faça música!”.
Por
Roberto Villar Belmonte, para a edição de maio do jornal
Extra Classe, do Sindicato dos Professores do Rio Grande do Sul.