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2006-05-11
Ambientalistas e pesquisadores estão mobilizados para impedir a implantação de um mega-empreendimento de carcinicultura (criação de camarões) na área com a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul. A Cooperativa de Criadores de Camarão do Extremo Sul da Bahia (Coopex) adquiriu uma área de 1.517 hectares de manguezais e restingas no município de Caravelas, no extremo sul da Bahia.

Para instalação dos criatórios de camarão serão ocupados cerca de 900 hectares. Desse total, será desmatada uma área equivalente a 800 campos de futebol de vegetação de restinga, considerada Área de Preservação Permanente (APP) pela legislação brasileira. Os impactos sociais também preocupam os ambientalistas e especialistas.

Segundo levantamento realizado pelo Ibama, pesquisadores da UERJ e da ONG Conservação Internacional, na área de influência da fazenda de camarão proposta pela Coopex, vivem 1.372 pessoas, em mais de 300 famílias, que dependem diretamente de atividades extrativistas voltadas à mariscagem, à agricultura familiar e à pesca para sobreviver. Na região dos Abrolhos, cerca de 20 mil pessoas vivem da pesca artesanal, e dependem da qualidade ambiental dos estuários da região.

A região é reconhecida como o principal estuário do Complexo dos Abrolhos. “Os ecossistemas de Abrolhos são frágeis, e dependem diretamente da saúde e integridade dos manguezais existentes entre os municípios de Caravelas e Nova Viçosa. Um empreendimento deste porte funcionaria de modo inverso a um filtro captando, diariamente, 880.000 m3 de água limpa e repleta de larvas de peixes e mariscos, e devolvendo água carregada de matéria orgânica e produtos químicos” – afirma o biólogo Guilherme Dutra, do Programa Marinho da Conservação Internacional (CI-Brasil), uma das ONGs participantes da “Coalizão SOS Abrolhos: Pescadores e Manguezais Ameaçados”.

A Coalizão é formada também pelas organizações: Fundação SOS Mata Atlântica, Instituto Terramar, Grupo Ambientalista da Bahia – Gambá, Instituto Baleia Jubarte, Environmental Justice Foundation – EJF, Associação de Estudos Costeiros e Marinhos de Abrolhos - ECOMAR; Patrulha Ecológica, Movimento Cultural Arte Manha e Mangrove Action Project – MAP. A área do empreendimento, localizada entre os rios Macaco e Massangano, é formada por manguezais, restingas, lagoas costeiras e nascentes, considerados Áreas de Preservação Permanente. Na região, que foi também considerada de Extrema Importância Biológica pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 2002, está em estudo a criação de uma Reserva Extrativista.

Segundo Jorge Galdino, do Movimento Cultural Arte Manha, “a criação da Reserva compatibilizaria o uso sustentável dos recursos naturais à proteção das comunidades locais de marisqueiros, catadores, artesãos, agricultores e pescadores, sem prejuízos ao meio ambiente. É uma medida coerente com as políticas públicas que o governo tem conduzido na região, como o turismo integrado, a pesca e a proteção do meio ambiente, além de garantir a permanência destas comunidades no campo, evitando o êxodo rural nesta região”.

Impactos – “As experiências com a carcinicultura em outras regiões do Brasil revelam que a atividade não é sustentável do ponto de vista social e ambiental”, afirma Soraya Vanini do Instituto Terramar. Segundo dados do relatório do Grupo de Trabalho sobre Carcinicultura, de 2005, os impactos gerados pela atividade incluem danos aos ecossistemas e prejuízos sociais.

A modificação do fluxo das marés, a extinção de habitats de numerosas espécies, a disseminação de doenças entre crustáceos e a contaminação da água estão entre os impactos ambientais identificados. Além destes impactos, existe ainda um alto risco de introdução de uma espécie exótica de camarão (espécie alvo da carcinicultura), proveniente das águas do Oceano Pacífico, nos manguezais onde existem hoje camarões e outros recursos pesqueiros.

O relatório também revela que com o estabelecimento das fazendas de camarão, o desaparecimento de espécies, a proibição de acesso às áreas de coleta de mariscos e a expulsão de pescadores acarretam conflitos de terra e empobrecimento das populações tradicionais. “Existem registros diversos de ocorrência de doenças respiratórias e até mesmo óbitos humanos devido ao metabissulfito de sódio, uma substância utilizada em fazendas de carcinicultura. Esta substância, quando em contato com a água, libera um gás tóxico” complementa Soraya.

“As autoridades não podem permitir que este quadro se repita na região dos Abrolhos”, enfatiza Leopoldo Gerhardinger da ONG ECOMAR, que atua em Caravelas. O oceanógrafo explica que o manguezal entre os municípios de Caravelas e Nova Viçosa é considerado o berçário da vida marinha em Abrolhos. “É lá que muitas espécies passam as fases iniciais da vida e se reproduzem, inclusive espécies ameaçadas de extinção. Este manguezal é habitat para diferentes tipos de crustáceos, como camarões, caranguejos, siris e guaiamuns.

Aves marinhas também utilizam o mangue para repouso e alimentação, como o trinta-réis-real, considerado vulnerável à extinção pelo Ibama. Por isso, qualquer alteração nesse ambiente implica em efeitos em cascata por todo o ecossistema costeiro e marinho da região dos Abrolhos”.

Prejuízos Sociais – As previsões de Carlos Aguiar, da ONG Patrulha Ecológica, não são otimistas: “caso o projeto seja licenciado, as pessoas que vivem das atividades extrativistas na região perderão sua principal fonte de renda. Além da redução no número de crustáceos e da extinção das áreas de mariscagem, a carcinicultura pode afetar a pesca e o turismo, as duas atividades econômicas mais importantes da região.

A área afetada pelas fazendas de camarão é o berçário para peixes de valor comercial. Por outro lado, a alteração da paisagem pode comprometer drasticamente o turismo na região”. Segundo dados do Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste, mais de 90% dos turistas que freqüentam o Sul da Bahia estão em busca de atrativos naturais. Em contrapartida, a Coopex promete gerar 1.500 empregos, o que está muito aquém das projeções dos ambientalistas.

Nas grandes fazendas do Ceará, que têm porte similar ao do empreendimento proposto, foram gerados 0,2 empregos por hectare cultivado, o que significaria pouco mais de 450 postos para o empreendimento da Coopex. Para Eduardo Camargo, do Instituto Baleia Jubarte, devem ser buscadas alternativas de desenvolvimento sustentável, respeitando as características econômicas e culturais da região.

“O importante é compatibilizar o desenvolvimento, as demandas da comunidade e a preservação do meio ambiente. A carcinicultura, por seus impactos ambientais e sociais, não atende a esse requisito”.

Processo – A audiência pública sobre o empreendimento ocorreu no dia 10 de novembro do ano passado, em Caravelas (BA), e contou com a participação de cerca de 500 pessoas. O projeto gerou polêmica e a discussão durou mais de 8 horas. Os temas mais questionados foram a geração de empregos, a poluição, o uso de produtos químicos, os impactos para os recursos pesqueiros e a possibilidade de contaminação do lençol freático. Na ocasião, foi apresentado o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da Coopex.

O EIA/RIMA foi considerado inconsistente por organizações ambientalistas e cerca de 30 pesquisadores, que sob a coordenação da ONG Conservação Internacional, produziram um parecer independente. “O parecer traz uma série de questionamentos sobre o projeto, apresenta detalhadamente os pontos fracos e contraditórios do EIA que a Coopex apresentou ao CRA, e recomenda sua desqualificação e a negativa da licença para o empreendimento”, aponta Guilherme Dutra, um dos organizadores do documento.

Por conta das inconsistências no processo de licenciamento, o Ministério Público do Estado da Bahia entrou com uma Ação Civil Pública, solicitando a suspensão do processo de licenciamento. Na última semana de março, o juiz da comarca de Caravelas determinou, através de uma liminar, a suspensão de todas as fases do processo de licenciamento ambiental do empreendimento de carcinicultura da Coopex. No último dia 18, entretanto, a liminar foi cassada pelo Tribunal de Justiça do Estado, e o projeto voltou à pauta do Conselho Estadual de Meio Ambiente – CEPRAM, que deverá colocar o assunto em votação na reunião de amanhã, dia 28.

Poder Público – O Centro de Recursos Ambientais da Bahia - CRA, responsável pelos processos de licenciamento ambiental no Estado, concluiu a análise do EIA/RIMA do projeto com parecer favorável à concessão da licença. “Na última reunião do CEPRAM o processo foi apresentado para apreciação sem nem mesmo estar previsto na pauta. Apesar de várias complementações ao EIA/RIMA terem sido solicitadas ao empreendedor, nenhuma alteração no projeto foi apresentada, ficando condicionadas à concessão de licenças posteriores”, afirma Renato Cunha, do Grupo Ambientalista da Bahia – GAMBÁ e membro do CEPRAM.

Segundo recomendação expedida pela Procuradora da República, Fernanda Alves, do Ministério Público Federal em Ilhéus, o CRA e o CEPRAM devem se abster de fornecer ou renovar qualquer licença ambiental ao empreendimento em questão, por absoluta ausência de competência administrativa para este licenciamento. Segundo a recomendação, a responsabilidade pelo licenciamento da atividade de carcinicultura proposta pela Coopex no município de Caravelas/BA é do IBAMA.
(Conservação Internacional - Brasil, 10/05/06)

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