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2006-05-09
Poderia servir de roteiro para Steven Spielberg. O filme começaria nas planícies congeladas da Sibéria, onde um grupo de cientistas russos e franceses desenterra o corpo intacto de um mamute de 11 mil anos. Um corte da câmera desviaria a atenção para uma equipe de japoneses que, num laboratório pressurizado, manipula genes obtidos a partir de ossos de um tigre-de-dente-de-sabre e de um rinoceronte de mais de 13 mil anos. Numa outra cena, um avião sobrevoa uma planície escarpada e uma legenda indica que estamos no ano de 2011. A vista é de encher os olhos. Uma manada de mamutes descansa à sombra de árvores gigantescas e, um pouco mais à frente, rinocerontes, que antes eram fósseis, tomam água à beira de um rio. De repente, um alce descuidado separa-se de seu grupo e é capturado por um tigre-de-dente-de-sabre. O filme pára no instante da dentada fatal.

Isso não é somente ficção. É, na realidade, o que cientistas europeus, americanos e japoneses estão executando. Eles vão clonar animais extintos há cerca de 15 mil anos (período conhecido como Pleistoceno) e colocá-los em um parque aberto ao público – como se fosse um Simba-Safari, só que mais radical. Existem, de fato, provas genéticas de mamutes desenterrados em bom estado de conservação na Sibéria. Especialistas em genética inseminarão uma elefoa com o sêmen de um desses mastodontes milenares e, dessa forma, recriarão a antiga espécie. O problema é que, até agora, o esperma necessário para essa experiência ainda não foi encontrado – o que não significa que as pesquisas para se refazer um “parque dos dinossauros” serão interrompidas.

Ao contrário. Esse projeto animou outros cientistas americanos, mais pragmáticos, a desenvolver simultaneamente um plano alternativo: reunir os descendentes desses animais plestocênicos em diversos parques que funcionarão nos EUA como unidades de preservação. Como a bicharada está ameaçada de extinção, esses parques impediriam que acontecesse com ela o extermínio que ocorreu com os seus ancestrais. A tarefa não é simples mas é apaixonante. Só para ter uma idéia, será preciso reunir, por exemplo, os cerca de mil guepardos americanos que são parentes do famoso tigre-de-dente-de-sabre. Além de existirem em cativeiro nos EUA, os guepardos habitam a África e a Ásia. Estima-se, ainda, que 16 mil elefantes asiáticos (sem contar os africanos) teriam de ser transferidos – e com eles quase 80 mil outras espécies de grandes mamíferos, entre camelos, leões, e cangurus.

Essa versão contemporânea da Arca de Noé encontra resistência entre autoridades de saúde pública, organizações de defesa dos animais e, quem diria, até de ecologistas. Para eles, há riscos de transmissão de doenças, disseminação de pragas e de um desequilíbrio ecológico irreversível. Outro empecilho é a existência de predadores que promoveriam um espetáculo de carnificina a céu aberto. Toda essa linha de argumentação, no entanto, é bastante questionável: a cadeia alimentar e a ação de animais predadores teve pouco a ver com a extinção das espécies. Na verdade, o maior predador foi o próprio homem, e os animais que sobreviveram tiveram os seus genes modificados como conseqüência natural do processo evolutivo. Os parques ajudariam a preservar espécimes e esse é o objetivo dos pesquisadores Josh Donlan e Harry Greene, ambos da Universidade Cornell. “Se não montarmos esses parques, enterraremos o pouco que nos resta da era plestocênica”, diz Greene, que está lecionando ecologia como professor convidado na Universidade de São Paulo.

Esses “parques dos sobreviventes”, reunindo descendentes dos animais de milhares de anos atrás, reproduzirão também o ambiente do passado. Espera-se que colocando elefantes em um habitat similar ao de seus ancestrais eles se “sintam” mais estimulados a se reproduzir e escapar da extinção. Ainda que a comunidade científica não seja unânime quanto à criação desses parques, sabe-se que os americanos em geral apóiam tais iniciativas – e gostam de ver animais. Só no ano passado, o San Diego`s Wild Animal Park, conhecido por exibir em cativeiro os maiores mamíferos do planeta, atraiu 1,5 milhão de visitantes. É mais do que o número de pessoas que passaram pelos dez mais importantes parques nacionais do País.
(IstoÉ, 10/05/06)

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