Viva o Rio Madeira Vivo: Vaias, protestos e aplausos marcam confronto em evento da prefeitura com Furnas e Odebrecht
2006-05-10
Em um auditório lotado da sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a prefeitura de Porto Velho promoveu na última sexta-feira um debate entre o poder publico e os propositores dos empreendimentos hidrelétricos do rio Madeira. No encontro foram expostas as preocupações, resistências e ambições da população de Porto Velho que, a julgar pela presença em massa, acompanha de perto os desdobramentos do mega projeto.
O prefeito Roberto Sobrinho (PT) presidiu a mesa composta por diretores da empresas Furnas e Odebrecht, propositoras do projeto, e representantes do Ministério de Minas e Energia. Fez questão de ressaltar que aquela não era uma estratégia para esvaziar o evento da campanha “Viva Rio Madeira Vivo”, realizado paralelamente na sede do Sest/Senat, durantes os dias 4 e 5 de maio. Entretanto, lideranças locais engajadas na campanha de resistência aos empreendimentos afirmavam que o debate da prefeitura teria sido marcado na ultima hora.
A platéia foi composta por indígenas, ativistas de ONGs locais, membros do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) além de moradores comuns e a imprensa. Ao lado da mesa de expositores, ativistas do MAB sustentavam a bandeira com o lema do movimento: “Água para a vida. Não para a morte.” Todas as falas, a favor ou contra o projeto, foram seguidas de palmas e palavras de apoio ou protesto, revelando o conflito que cerca as obras.
Para MME, projetos do rio Madeira são necessidade
Coube à assessora do Ministério de Minas e Energia para o Meio Ambiente, Márcia Camargo, expor o contexto nacional em que se insere a projeto das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. “Esse projeto vem se desenvolvendo em suas diferentes etapas a cerca de 10 anos. Embora o tempo seja muito longo, a exigência é muito alta. Em termos de energia elétrica, 2010 é amanhã.”
Para a assessora, o projeto hidrelétrico do Madeira é uma necessidade, dado o aumento da demanda por energia em decorrência do crescimento econômico e populacional. Márcia salientou ainda o perfil do novo modelo do setor elétrico no Ministério, baseado na premissa de viabilidade ambiental, e a necessidade de integrar a sociedade amazônica ao Sistema Interligado Nacional.
Já o diretor de contratos da Odebrecht, José Bonifácio, concentrou-se em ressaltar os possíveis benefícios dos empreendimentos: “Com a devida qualificação, vamos dar preferência à população local na contratação para os cerca de 12 mil novos empregos diretos, com duração de 9 a 10 anos”. “Vamos injetar cerca de R$ 50 milhões por ano na economia local, o que possibilitará o incremento de serviços fundamentais”, afirma o diretor.
Contestações - Passada a palavra à platéia, o primeiro a se manifestar foi o Coordenador do Forum de Debates de Energia de Rondonia (FOREN), professor Artur Moret, que contestou a fala de José Bonifácio: “R$ 50 milhões por ano para Porto Velho, que sofrerá um aumento populacional enorme, possivelmente chegando a 500 mil habitantes, é muito pouco. Isso significa 100 reais por ano por habitantes. Não é nada". Atualmente a cidade tem cerca de 380 mil habitantes.
O professor manifestou também uma das principais preocupações dos opositores do projeto, que envolve a contaminação das águas do Madeira com mercúrio. “É provável que o mercúrio entre no lençol freático. Isso vai ser um problema porque nós temos 75% das pessoas na cidade de porto velho usando poços - este contigente vai usar água contaminada por mercúrio”, ressaltou Moret.
O mercúrio é uma substancia muito utilizada para separar o ouro em atividades de garimpo. Sua queima e conseqüente vaporização contamina o ambiente. Análises anteriores em empreendimentos hidrelétricos demonstram que, ainda que não haja atividades de garimpo na região, a própria estrutura física da barragem favorece a concentração do mercúrio e sua transformação em metil-mercurio, uma forma mais tóxica. Para a ativista Neidinha, umas das diretoras da Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé, as conseqüências das barragens ainda não estão devidamente esclarecidas: “Seria interessante que dissessem pra gente em linguagem simples, porque muitas vezes falam bonito e nós não entendemos nada, quais serão os prejuízos e os benefícios pra que a gente possa tomar uma decisão”- bradou em alto tom. Glenn Switkes, diretor de International Rivers Networks (IRN), concorda: “Eles admitem que existirão impactos ambientais e sociais, mas não explicam quais serão esses impactos”.
“Querendo ou não, o empreendimento vai acontecer”
Antenor, índio Kairitiana, buscou ser comedido: “Eu não estou interessado em só jogar pedra. Eu quero conhecer esse projeto”. A senadora pelo Estado de Rondônia, Fátima Cleide (PT), foi uma das mais enérgicas vozes favoráveis: “Hoje eu tenho a responsabilidade de governar, e por responsabilidade de governar eu entendo ter que tomar decisões que nem sempre são as mais agradáveis”, disse a senadora, confundindo suas atribuições no legislativo nacional.
Fátima Cleide protagonizou um dos momentos mais tensos da reunião quando resolveu dirigir-se aos opositores do projeto: “O fato é que a gente querendo ou não, o empreendimento vai acontecer”. Houve vaias e protestos. No fundo da platéia alguém gritou: “Vendida!”. Mas a senadora não se abalou e prosseguiu: “A diferença é que a gente aqui tem a oportunidade de debater e dizer o que a gente quer e o que não quer. Nenhuma das bandeiras que eu carreguei a minha vida toda vai tirar de mim a minha trajetória de ambientalista”, desabafou a senadora.
(Amazonia.org.br, 09/05/06)