Avanço nuclear gera comparação entre Brasil e Irã
2006-05-09
Ao anunciar que transformará urânio em combustível para as usinas de Angra 1 e
2, o governo brasileiro despertou comparações com o programa nuclear iraniano.
Jornais estrangeiros, como o italiano Corriere della Sera, equipararam a
resistência das autoridades brasileiras em permitir inspeções da Agência
Internacional de Energia Atômica à rebeldia do governo do Irã. O norte-americano
Washington Post salientou que o Brasil tem a sexta reserva mundial de urânio
e, assim como o Irã, assinou o Tratado de Não-proliferação de Armas Nucleares.
Internamente, a novidade também foi recebida com cautela. Não por representar
inclinação armamentista, mas por escassos benefícios a curto prazo.
Especialistas consultados por Zero Hora avaliaram o impacto da medida em termos
de energia, soberania e ambiente:
Energia
Do modo como foi inaugurada, a usina é capaz de fornecer menos de 6% do
combustível consumido por Angra 1 e 2. Quando estiver completa, ela fornecerá
60% do urânio necessário às usinas. Para isso, devem ser gastos R$ 550 milhões
até 2010. Portanto, a curto prazo o Brasil não deixará de importar urânio
enriquecido para abastecer suas usinas.
- Do ponto de vista da geração de energia ou de divisas, o anúncio não é
relevante. Mas existe uma vantagem tecnológica - avalia o professor da
Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS Marcelo Portugal.
Mesmo que o país esteja distante da autonomia na produção do combustível,
pregada pelo governo, especialistas elogiam o investimento na diversificação
das fontes de energia.
- Não é uma questão de custo ou de economia. Se houver algum problema como já
houve entre EUA e Iraque, URSS e Irã, o reator não vai parar por falta de
combustível - diz Luiz Pinguelli Rosa, da Coordenação dos Programas de
Pós-graduação de Engenharia da UFRJ (Coope).
Soberania
O Brasil é um dos maiores produtores de urânio, e a capacidade de transformar
esse material em combustível nuclear (enriquecimento) é dominada por apenas
nove países.
- O significado para a soberania do país é grande. Se a questão nuclear se
agrava e há um pacto entre os países de deixarem de enriquecer urânio para os
outros, ficamos dependentes - pondera o ministro da Ciência e Tecnologia,
Sérgio Rezende.
O anúncio brasileiro, porém, desperta controvérsia. No momento em que um país
dispõe da tecnologia para enriquecer urânio, pode produzir não só combustível,
mas também urânio altamente enriquecido, usado em ogivas nucleares. A diferença
é a concentração.
Daí a preocupação com o programa do Irã, por exemplo. O governo Bush acredita
que países que usam o urânio para fins civis não devem enriquecê-lo em seu
território. Para Washington, eles deveriam ser abastecidos pelas "nações
nucleares".
Ambiente
Uma usina de enriquecimento oferece poucos riscos em relação a uma usina
nuclear, onde está o reator. Isso não impede que os ambientalistas repudiem
aplicações à energia nuclear, como confirma o presidente da Comissão Nacional
de Energia Nuclear, Odair Dias Gonçalves:
- O Ministério do Meio Ambiente não gosta da idéia por ideologia, mas queremos
uma discussão científica. A energia nuclear tem uma aplicação enorme em outras
áreas.
O Greenpeace defende investimento em energias eólica e solar, consideradas mais
limpas e seguras. O grupo ambientalista é contra a energia nuclear por
considerá-la "suja, cara, perigosa e ultrapassada".
- O programa brasileiro nasceu com um viés armamentista. Pode ser que agora não
seja usado com finalidade bélica, mas numa troca de governo isso pode mudar -
avalia Guilherme Leonardi, da campanha de energia nuclear do Greenpeace.
(ZH, 09/05/06)