Amarrado ao bote e empunhando uma vara de oito metros, o pesquisador
não vacila quando a baleia Jubarte sobe para respirar. Ele finca no
dorso do animal um cilindro de 12 centímetros de comprimento, da
largura de uma pilha pequena e com um transmissor de satélite acoplado.
De Abrolhos em diante, aquela baleia terá sua rota monitorada.
A picada na carne gordurosa e a movimentação de barcos ao redor podem
lembrar um ataque de caçadores, mas a abordagem é benigna e tem como
meta a preservação da espécie. Pela primeira vez, as baleias jubartes
(
Megaptera novaeangliae ) estão sendo monitoradas com ajuda de
satélites e o objetivo do trabalho é mapear a migração delas em direção
a Antártica para ajudar a propor áreas de proteção para esses animais,
como o Santuário do Atlântico Sul, defendido cinco vezes pelo Brasil
na Comissão Internacional da Baleia (CIB), mas sempre vetado por
influência do Japão.
O estudo envolve pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e Dinamarca e
os primeiros resultados da pesquisa serão apresentados na próxima
edição do periódico Marine Ecology Progress Series, num artigo que tem
como autor principal o oceanógrafo brasileiro Alexandre Zerbini,
pesquisador do Departamento de Ciências Aquáticas e Pesqueiras da
Universidade de Washington, nos EUA.
As baleias jubartes parecem estar se recuperando bem no litoral
brasileiro, onde no século passado eram arpoadas pela indústria
pesqueira. Mas continuam raras nas proximidades das Ilhas Geórgia do
Sul, onde já foram abundantes. A questão intrigou os pesquisadores que
descobriram , em cinco anos de monitoramento, que as jubartes
continuam a utilizar os mesmos corredores migratórios da década de
sessenta. A diferença é que deixaram de se aproximar das ilhas.
Não se sabe exatamente os motivos que levaram as jubartes a se
afastarem da Geórgia do Sul. Uma das hipóteses é a de que o local foi
ocupado por outras espécies -tanto de baleias, como lobos marinhos,
focas e pinguins - depois que as jubartes foram dizimadas. Segundo
Zerbini, para retornar hoje a essas áreas, elas teriam que competir
com esses outros animais. Se existe alimento em regiões mais afastadas
da Georgia do Sul, não há necessidade de migrar para perto da costa e
competir. Outra possibilidade é que as baleias que conheciam o caminho
para a Geórgia do Sul foram exterminadas pela caça e a memória dessas
rotas migratórias foi extinta. As baleias que restaram foram aquelas
que migravam para áreas oceânicas.
Em campo
Desde 2001, nos meses de outubro, os pesquisadores do projeto
“Monitoramento de baleias por satélite” se estabelecem na cidade de
Nova Viçosa, no Sul da Bahia e de lá partem diariamente rumo ao mar,
onde marcam os animais com os transmissores. Até hoje, 26 já foram
marcados.
“A vantagem da telemetria por satélite na pesquisa é econômica e
prática. As baleias seguem para o Sul. O Oceano Antártico é muito
tempestuoso e as rotas migratórias ficam a distâncias razoáveis da
terra. Seriam necessários barcos robustos, de aluguel caro, para que
se pudesse estudá-las”, explica Zerbini.
Das 11 baleias marcadas no ano de 2003, duas foram rastreadas até a área de alimentação, entre 300 e 500 quilômetros das ilhas da Georgia do Sul e próximo às Ilhas Sandwich do Sul, na Antártica. Segundo Zerbini, o resultado é considerado relevante cientificamente, já que o fato de a maioria das transmissões ter sido interrompida não significa que as demais baleias não tenham chegado ao destino, especialmente levando-se em conta que quase todas deixaram Abrolhos na mesma reta em direção ao Sul. “Em 2005, das 15 marcadas, três chegaram à Antártica, confirmando o resultado anterior”, acrescenta o oceanógrafo.
No site do projeto é possível ver o trajeto de cada baleia marcada. A
perda do sinal dos transmissores não significa que o animal morreu. A
pilha pode ter terminado, o aparelho pode ter se desprendido,
quebrado, entre outras coisas. Com o monitoramento, os pesquisadores
também esperam avaliar os impactos ao habitat das baleias e verificar
se as jubartes “brasileiras” estão se misturando com animais de outras
populações, como por exemplo, as da África.
Na mira dos caçadores
Há cerca de um século, as jubartes se alimentavam a um raio de 100
quilômetros das ilhas da Georgia do Sul. Essa proximidade, somada à
invenção dos barcos a vapor, do arpão-canhão e mais tarde dos
barcos-fábrica, que permitiam o processamento da baleia a bordo, fez
com que os animais fossem dizimados. Só no ano de 1912, sete mil
baleias jubartes foram mortas.
Em condições favoráveis, exemplares desta espécie vivem de 50 a 80
anos, podendo alcançar 16 metros de comprimento e pesar 40 toneladas.
A partir de cinco anos de idade, as fêmeas já são capazes de se
reproduzir e dar uma cria a cada três anos, mas não se sabe até que
idade permanecem férteis. Os filhotes nascem com cerca de 4 metros
após 12 meses de gestação. Em dois anos, já estão quase no tamanho
adulto. Estima-se que hoje existam 6 mil baleias vivendo no Brasil,
mas isso representa apenas de 25% a 30% do tamanho inicial da
população, o que indica que os esforços de conservação precisam ser
mantidos.
Em 1985, foi imposta uma moratória à caça de baleias pela Comissão
Internacional da Baleia, mas Japão, Noruega e Islândia ainda praticam
a atividade. Além da caça, elas também morrem atropeladas por
embarcações. “No Hemisfério Norte, algumas populações não se recuperaram tão bem devido ao impacto da ocupação humana. A exploração de petróleo é outra potencial ameaça. Não é à toa que a pesquisa é patrocinada pela Shell”, afirma Zerbini.
Recentemente, a companhia multinacional teve que mudar o traçado de um
oleoduto e de um gasoduto no mar da Rússia, próximo à ilha de Sacalina,
para não interferir no frágil habitat das baleias cinzentas. A
mudança, que custou milhões de dólares, foi provocada pela divulgação
de um relatório científico produzido pela União Internacional pela
Conservação da Natureza (IUCN). Preocupada com possíveis prejuízos ao
planejamento de exploração e produção de petróleo, a empresa agora se
interessa em conhecer as rotas das baleias.
Segundo Zerbini, os dados também serão utilizados para medir o impacto
da exploração petrolífera em águas nacionais sobre as populações
baleeiras. “Passamos à Shell relatórios anuais com os resultados
obtidos na pesquisa. Consideramos justo que as empresas façam uma
contrapartida para a preservação ambiental”, defende o pesquisador,
que em julho termina seu doutorado na Universidade de Washington.
A tecnologia do estudo foi desenhada pela equipe de Mads Peter, do
Instituto da Groenlândia para os Recursos Naturais e também autor do
artigo. O grupo de pesquisa conta ainda com especialistas das
universidades federais de Juiz de Fora e de Santa Catarina, da ong
Instituto Aquale e da National Oceanic & Atmospheric Administration
(NOAA), dos EUA.
(Marina Lemle, O Eco, 06/05/06)
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