Consema do Mato Grosso referenda licença para hidrelétrica
2006-05-08
Um conselho de meio ambiente existe para ser a instância máxima de um
estado para tomar decisões em defesa da natureza. Para tanto, é formado
por entidades que representam a sociedade e, teoricamente, seus
interesses ambientais. Mas em Mato Grosso parece que a banda toca um
pouco diferente. Na semana passada, foi referendada por 18 votos a
sete a licença prévia para a usina hidrelétrica de Dardanelos, a ser
erguida no município de Aripuanã. A votação foi legítima, mas seu
caráter técnico duvidoso. A autorização para o empreendimento foi dada
apesar de instituições como Ibama, Ministério Público Estadual (MP),
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Universidade de Mato Grosso
(Unemat) terem se posicionado contra.
A questão fica mais grave quando se observa quem são as outras vozes
dentro do Consema de Mato Grosso. Enquanto as ongs mais atuantes no
estado na área ambiental – como o Instituto Centro Vida (ICV), a Fase
e a Operação Amazônia Nativa (Opan), entre outras – não conseguem
entrar para o conselho por questões burocráticas, a maioria das
cadeiras do Consema são ocupadas por ongs de atuação pouco conhecida
em âmbito estadual, representantes das secretarias de saúde,
desenvolvimento rural, indústria, comércio, minas e energia. Além das
federações de indústrias, agricultura, comércio, dos trabalhadores
rurais, pescadores, etc. Essa maioria julgou que o estado precisa da
produção de energia de Dardanelos e que a obra vai gerar impacto
mínimo.
Na realidade, o Consema em pouco pode interferir no licenciamento da
usina, que ameaça o regime de águas do complexo das cachoeiras do rio
Aripuanã, no noroeste de Mato Grosso Pela legislação estadual, cabe ao
conselho apenas referendar ou não a licença prévia emitida pela
Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) em novembro do ano passado
– apesar do MP ter feito uma série de questionamentos sobre as
inconsistências do estudo e do relatório de impacto ambiental
(Eia-Rima) apresentados pela Eletronorte e pela Odebrecht. O próximo
passo é a validação da licença dada pela Assembléia Legislativa de Mato
Grosso, que ainda não colocou a questão em votação.
A Sema se baseou num parecer elaborado por sua equipe técnica para
emitir a licença prévia, mas fez ressalvas, reconhecendo problemas no
Eia-Rima. Para que o documento seja renovado, os empreendedores têm de
cumprir 24 condicionantes até o dia 7 de agosto. Caso contrário, a
secretaria ameaça cancelar a autorização automaticamente. Uma das
principais exigências é a realização de estudos biológicos mais
aprofundados.
Insuficiênciasbr>
Apesar do prazo, de novembro para cá nada foi feito. Segundo o
representante da OAB no Consema, Leonardo Campos, os empreendedores
admitiram que cumpriram apenas duas ou três das exigências da Sema.
“Mesmo assim, não me convenceu”, disse Campos. “Se em cinco meses não
fizeram nada, quem garante que conseguirão nos 90 dias restantes?”,
indaga o advogado.
Paulo Maier, superintendente do Ibama de Cuiabá, ressaltou que os
estudos realizados até agora não são suficientes para assegurar a
viabilidade ambiental do empreendimento porque há pouca informação
sobre espécies ameaçadas na região de Aripuanã. “Isso significa riscos
de irreversibilidade”, diz. Mesmo contrariado pela posição final do
Consema, Maier se abstém de julgamentos. “Temos que continuar nos
esforçando.”
O MP defendeu seus argumentos avessos à usina com base em relatórios
de pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). “O
Eia-Rima tinha falhas e omissões gritantes, que ainda hoje não foram
resolvidos. Não provou a sustentabilidade do projeto”, declarou o
promotor Gerson Barbosa. Segundo o biólogo Pierre Girard, um dos
pesquisadores da UFMT que assinam o estudo para o MP, é necessário ter
ainda mais cautela quando se fala de interferências naquele ambiente.
“Dardanelos é uma cachoeira de grande beleza cênica, que ficaria com
pouquíssima água entre cinco a sete meses por ano. O impacto sobre a
fauna também não foi devidamente estudado”, lembra Girard.
Decisão política
Apesar do estudo, o engenheiro sanitário Rubem Mauro, representante da
UFMT no Consema, se colocou a favor do licenciamento de Dardanelos nas
atuais circunstâncias. Mauro explica que os pesquisadores contratados
pelo MP não foram escolhidos para falar em nome da universidade no
conselho. “A usina não interfere no regime hídrico do rio. Além do
mais, o Brasil e o Mato Grosso precisam de energia, e não existe
alternativa mais barata que a hidrelétrica”, justifica o engenheiro.
A Sema determinou limites para a vazão mínima das comportas em 21 m3/s
na época de chuvas. E a oferta de energia será ainda mais restrita no
período da estiagem, quando as atividades da usina deverão ser
interrompidas devido à baixa vazão natural da cachoeira. Por causa
disso, a representante da Unemat no Consema, a bióloga Solange Ikeda,
não está convencida de que valerá a pena correr os riscos ambientais
diante de um empreendimento que só poderá funcionar plenamente cinco
meses ao ano.
“A decisão do Consema foi totalmente política, independente do mérito
técnico”, considera o procurador do MP, Gerson Barbosa. Na opinião
dele, só isso justifica a mudança de posicionamento do representante
da UFMT, em cima da hora, a favor da concessão da licença para
Dardanelos. Ele também lembra que outra falha grave do Eia-Rima foi
não incluir os impactos da construção das linhas de transmissão. “Por
onde elas vão passar? Será que não vão servir para o escoamento de
usinas particulares da região?”, questiona Solange Ikeda.
E essas linhas podem estar no cerne de mais um impasse judicial.
Embora Dardanelos esteja cotada para participar de um próximo leilão
da Aneel no segundo semestre, a energia da hidrelétrica só poderá ser
vendida quando as linhas de transmissão também estiverem licenciadas.
Hoje elas sequer figuram no Eia-Rima. Se mesmo assim a usina for
listada para o leilão, o MP promete entrar em cena novamente.
(Andreia Fanzeres e Eric Macedo, O Eco, 04/05/06)
http://arruda.rits.org.br/notitia/servlet/newstorm.ns.presentation.NavigationServlet?publicationCode=6&pageCode=67&textCode=16628&date=currentDate&contentType=html