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2006-05-05
Deitada no leito nº489 do Hospital Santo Antônio, na cidade baixa, a ambientalista e engenheira agrônoma Thelma Pereira Lobão ainda exibe a debilidade física provocada por uma greve de fome que durou 15 dias e terminou ontem pela manhã. Nos pulsos, as marcas de quem passou quase 48 horas atada à cama por uma algema, ao mesmo tempo em que é vigiada dia e noite por soldados da Polícia Militar. Presa em 19 de abril, em Cruz das Almas, no recôncavo, ela atrai olhares curiosos desde que chegou à unidade, na terça-feira, com um grave quadro de desnutrição. As perguntas soam pelos corredores: "O que ela fez? Quem é ela?". Com a voz baixa e arrastada, Thelma vai refazendo aos poucos os caminhos que a levaram até aquela condição.

Era uma quarta-feira, 12h30, quando Thelma saiu de bicicleta, como faz costumeiramente, rumo a um telefone público situado próximo à sua casa, no centro de Cruz das Almas. "De repente, três carros sem nenhuma identificação policial me fecharam. Dentro, reconheci alguns agentes da Polícia Civil e membros do PT da cidade", conta. No ato da abordagem, a ambientalista foi informada de que estava presa em flagrante. No dia seguinte, 20 de abril, ela havia marcado uma manifestação pedindo a saída das juízas Olga Regina de Souza Santiago Guimarães e Maria Auxiliadora Sobral Leite e da promotora Izabel Cristina Vitória Santos.

Thelma relata que foi enviada ao complexo policial da cidade, sendo recebida pelo então delegado titular da cidade, Rogério Pereira Ribeiro. "Ele (Ribeiro) me jogou em uma cela com urina e fezes espalhadas pelo chão e incitou os presos contra mim, dizendo que eu queria tirar a juíza Olga Regina para que eles continuassem presos. Fiquei cinco dias nessa condição", narra. Sem receber visitas, água e alimentos por dois dias, a ambientalista afirma que iniciou forçosamente a greve de fome. "Quando a comida chegou, no terceiro dia, temi que pudesse estar envenenada", disse

Durante o tempo em que passou na cadeia de Cruz das Almas, Thelma desfia uma teia de supostas arbitrariedades praticadas por Ribeiro. "O delegado deu um soco na minha cara, quebrando minha prótese dentária. Tentou combinar os depoimentos dele com o dos agentes, colocou um revólver na minha cabeça pedindo para que eu assinasse uns documentos. Ainda o ouvi dizer que, já que estava transferido mesmo, iria aprontar antes de ir embora da cidade", acusa. Como possui nível superior, a ambientalista acabou sendo enviada à cadeia pública de Muritiba, também no recôncavo.

Enquanto Thelma enfrentava a sua odisséia pessoal, a juíza Olga Regina informava à população, na porta do fórum, que havia encarcerado a ambientalista "para ela ver que os presos estavam presos". Em Muritiba, já amparada pelos familiares, que residem em Salvador, Thelma manteve a greve de fome. "Tinha passado tanto tempo sem comer em Cruz das Almas, que perdi a referência de como era mastigar e engolir algo sólido", recorda. Ela afirma que, com o agravamento do estado de saúde, aumentou a pressão popular pedindo seu atendimento médico. "Foi assim que vim parar aqui", acrescenta.

Por enquanto, a ambientalista aguarda o julgamento de um recurso no Tribunal de Justiça, pedindo o deferimento de habeas corpus em seu favor, negado anteriormente pela juíza Adriana Carvalho, terceira substituta de Cruz das Almas e titular da comarca de Muritiba. As algemas foram tiradas e, lentamente, ela volta a se alimentar com sucos e iogurtes, contando com a simpatia e o cuidado dos profissionais do hospital. Preocupada com o desenrolar do caso, ela só pensa em voltar para casa. "Depois de minha prisão, invadiram minha casa e levaram tudo que passei a vida inteira para juntar", desabafa.

Cenas de autoritarismo e ferocidade
Há décadas residindo em Cruz das Almas, a ambientalista Thelma Pereira Lobão, 47 anos, colecionou inimigos na mesma proporção com a qual luta pela preservação da fauna e flora em Cruz das Almas, através da ONG Central de Defesa da Natureza. A última inscrita no seu amplo rol de desafetos foi a juíza Olga Regina Guimarães, figura que se tornou bastante conhecida em Juazeiro quando seu marido, Balduíno Santana, chicoteou o promotor público Antonio Luciano de Assis, em 2001, dentro do fórum da cidade.

Como personagem de um autêntico faroeste sertanejo, a então titular da Vara Criminal de Juazeiro chegou a posar para uma revista de grande circulação nacional numa versão moderna de Maria Bonita, a valente mulher do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Descrita pela ambientalista como uma pessoa dada a arroubos de autoritarismo e ferocidade e com fortes ligações com o PT baiano, Thelma conta que os problemas com a juíza se intensificaram quando ela aproveitou a ida do então ministro da Pesca, José Fritsch, à Escola de Ciências Agrárias da Universidade Federal da Bahia em Cruz das Almas para fazer um protesto.

"Queria me manifestar contra a morte de pássaros para estudos na universidade. Congelei algumas aves e levei para o ministro ver o que acontecia lá. Ele me chamou ao palanque para que explicasse do que se tratava o protesto. No local, estava a juíza. Depois disso, ela passou a me intimidar, dizendo saber de todos os meus passos, descrevendo com precisão até os locais onde eu andava e me ameaçando de morte", assegura Thelma.

Após diversos incidentes, Thelma ingressou com uma queixa na Corregedoria do Tribunal de Justiça, onde tramita investigação administrativa contra as juízas Olga Regina e Maria Auxiliadora e a promotora Izabel Cristina. "É por isso que ela mandou me prender, para tentar me calar e me fazer desistir de minha bandeira", explica.

Promotor da Vara Cível de Cruz das Almas, Waldemar Araújo Filho disse que ofereceu denúncia à Justiça pedindo a prisão preventiva da ambientalista com base nos artigos 339 e 344 do Código Penal, que tratam sobre denunciação caluniosa e coação no curso do processo, respectivamente. Araújo Filho garantiu que Thelma ameaçou juízes e promotores da cidade, na tentativa de jogar a população contra as autoridades. "Há processos em curso contra a ambientalista movidos pelas juízas e promotoras acusadas por ela, que se tivesse solta poderia prejudicar o andamento das ações", justifica.

Araújo Filho disse que a ambientalista perturba a ordem pública distribuindo panfletos apócrifos e "assacando contra a honra das autoridades". Segundo o promotor, Thelma "persegue os garotos que têm estilingues, invade padarias para retirar a lenha usada nos fornos e responde a vários processos criminais na Comarca de Cruz das Almas". Ele afirma ainda que solicitou a realização de exames para verificar a sanidade mental da ambientalista. O promotor informou que a prisão em flagrante foi revogada pela juíza Adriana Carvalho, que a considerou ilegal, mas a magistrada manteve a preventiva da acusada.
(Correio da Bahia, 05/05/06)

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