Parte da produção brasileira de soja provém de sementes não certificadas
2006-05-05
Cerca de 30% das sementes de soja usadas no Brasil não são certificadas
pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Segundo pesquisa realizada pelo engenheiro agrônomo Antonio Carlos Lima
Nogueira, na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da
USP, uma parte delas, algo em torno de 23%, é produzida pelos próprios
agricultores. Os produtores piratas respondem pelo restante.
"Esses não estão submetidos à fiscalização fitossanitária dos órgãos
públicos nem ao pagamento de royalties a quem desenvolveu aquela
tecnologia", conta Nogueira. Para mudar esse quadro, Nogueira defende a adoção
de leis mais rígidas e um trabalho de conscientização com os
agricultores.
Um levantamento feito em 2005 com 108 agricultores das maiores regiões
produtoras de soja do País (BA, GO, MA, MG, MT, MS, PR, RS, SP e TO)
indicou que eles prezam mais a qualidade que o preço na hora de escolher
a procedência da semente que utilizarão. Uma boa parcela do que usam é
produzido por eles mesmos, a partir das sementes certificadas - o que é
permitido pela legislação, só não podem revender esse produto. "Muitas
vezes, os agricultores optam por produzir a própria semente para
acompanharem a germinação e por acreditarem numa redução de custos", explica
o pesquisador.
A pirataria começou a ser um problema com a entrada de semente
transgênica na região Sul, vinda da Argentina. "Hoje não se restringe só aos
organismos geneticamente modificados, os chamados OGM. Qualquer grande
agricultor que tenha alto volume de produção própria de semente é um
potencial revendedor, o que o torna uma pirata", conta Nogueira.
"Mesmo sem controle fitossanitário, o agricultor acredita que a semente
pirata é de boa qualidade", diz o agrônomo. Por comprarem normalmente
de quem conhecem, confiam na produtividade, vigor e sanidade do produto.
No entanto, de acordo com o pesquisador, os riscos de queda da produção
e a possibilidade de transmissão de pragas são muitos maiores.
Outro fator que impulsiona esse mercado informal é a visão do uso de
pirataria como uma opção à semente certificada, e não como uma
contravenção. "Nenhum dos 108 empresários que participaram do questionário
achavam que serem envolvidos em uma ação judicial em função do uso dessas
sementes iria prejudicar sua imagem", ressalta Nogueira. Ele diz ainda que
o fato de usar a semente pirata não dificulta a colocação do produto no
mercado, pois não são exigidos certificados de procedência.
Isso acontece em parte porque as leis sobre o assunto ainda são muito
recentes. Em 1997 foi criada a Lei de Cultivares, que permite a cobrança
de royalties das tecnologias desenvolvidas por empresas de suprimentos
agrícolas. Mas os primeiros processos contra quem infringe a lei
começaram a aparecer em 2004.
Limites e parcerias - Para o pesquisador, uma das primeiras medidas a
serem tomadas pelo Ministério da Agricultura seria impor limites à
produção de sementes pelos próprios agricultores, já que essa prática
torna-se um primeiro passo para a revenda. "A produção de sementes deveria
ser restrita aos pequenos e médios agricultores, como foi feito na
Bolívia", argumenta. Segundo ele, seria interessante também fazer um
rastreamento da origem das sementes no Censo Agropecuário. "Além disso, o
agricultor deve ser conscientizado sobre os reais custos de produção, que
não são tão mais baratos que comprar de empresas certificada, como
imaginam".
No entanto, Nogueira afirma ser fundamental criar parcerias entre os
Estados e o Ministério para a intensificação da fiscalização. Ele
ressalta ainda que as empresas poderiam adotar uma estratégia: "exigência de
certificação por parte das financiadoras de crédito rural e cálculo do
valor do seguro agrícola com base no perfil do uso da semente".
Os resultados do estudo foram publicados em 2006 no Relatório Contratos
e Instituições nos Agronegócios, de que fazem parte outros estudos
sobre agronegócios desenvolvidos pelo Programa de Estudos dos Negócios do
Sistema Agroindustrial (Pensa), vinculado à FEA, e são parte da tese de
doutorado de Nogueira.
(Agência USP, 04/05/06)