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2006-05-05
Uma frase sobre a situação natural privilegiada do Brasil é normalmente atribuída ao ditador Emílio Garrastazu Médici: "Aqui, não tem terremoto". Entre todas as afirmações controversas de Médici, essa parecia uma verdade incontestável. Parecia. Apesar de a literatura acadêmica geralmente afirmar que o país está a salvo no que diz respeito a tremores, pesquisas recentes sugerem que também pode haver razões geológicas para a terra sacudir por aqui. Nos últimos anos, os cientistas vêm reunindo informações que põem o país no mapa de risco. Recentemente, assinalaram três regiões como as mais suscetíveis: o norte de Mato Grosso, o Acre e parte da Região Nordeste, principalmente Ceará e Rio Grande do Norte.

Na verdade, o Brasil treme com relativa freqüência, mas há poucos relatos de terremotos, porque há poucos equipamentos de medição. Os parcos registros de abalos são baseados em relatos de moradores ou em esparsas cicatrizes nas rochas. Como terremoto aqui soa como piada, o país só tem dez das 6 mil estações sismográficas do mundo. "A ironia é que, se houvesse mais aparelhos, registraríamos vários tremores que passam despercebidos", diz o geólogo João Carlos Dourado, da Universidade Estadual de São Paulo, em Rio Claro.

É fácil entender por que a terra treme. A superfície terrestre não é contínua. É formada por diversas placas rochosas, conhecidas como placas tectônicas. Essas placas se movimentam. Normalmente, as zonas de atrito entre elas sofrem grandes terremotos. Como o Brasil se localiza todo dentro de uma mesma placa, a Sul-Americana, em princípio estaria livre desses abalos. Mas aqui os tremores acontecem devido a falhas antigas dentro da placa tectônica. Essas fissuras cedem às pressões da movimentação da placa e, eventualmente, se rompem.

Foi o que causou, em 1955, o maior abalo já registrado no país, onde hoje está a cidade de Porto dos Gaúchos, Mato Grosso, a 370 quilômetros de Cuiabá. Na ocasião, o lugar era uma floresta pouco habitada. Mas o tremor foi registrado por sismógrafos no mundo todo, inclusive no Japão. No ano passado, a região sofreu novos abalos, de intensidade menor. "Identificamos uma falha de 7 quilômetros de extensão por 5 quilômetros de profundidade", diz o professor Lucas Vieira Barros, chefe do Observatório Sismológico da Universidade Federal de Brasília.

Outro fator que contribui para a ocorrência de tremores é a espessura da placa. As regiões em que ela é mais fina são as mais sensíveis. É ali que pode se romper mais facilmente, diante das pressões do interior da Terra. O geofísico Marcelo Assumpção, da Universidade de São Paulo, está mapeando a estrutura da placa sob o Brasil. Já descobriu que ela é mais fina e frágil em algumas regiões, como o Nordeste. Esse fato, somado à provável presença de uma falha tectônica, faz dessa região a mais perigosa do país. Ali ocorre em média um terremoto de intensidade média a cada seis anos.

A cidade de João Câmara, a 70 quilômetros de Natal, já foi abalada por um tremor que derrubou casas e deixou rachaduras. Fortaleza e Natal, com edifícios altos na orla, também estão sob ameaça. "Se houver um prédio perto do epicentro, as conseqüências podem ser imprevisíveis", afirma o geólogo Joaquim Mendes, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Para mexer com os nervos dos nordestinos, os tremores na região têm outra peculiaridade: costumam ser curtos, mas repetitivos. O fenômeno é conhecido como enxame sísmico. Entre 1986 e 1991, foram registrados 50 mil abalos em João Câmara. A maioria era imperceptível. Mas alguns sacudiam móveis e janelas. Às vezes, eram vários no mesmo dia. "Nas áreas rurais, as pessoas abandonaram suas casas de alvenaria e passaram a dormir em barracas de lona, com receio de que a construção ruísse no meio da noite", diz Mendes.

O Estado com maior atividade sísmica do país, porém, é o Acre. Isso ocorre porque ele está localizado perto do encontro de duas placas tectônicas, a Sul-Americana e a de Nazca, que sustenta os Andes (leia o quadro ao lado). Como as duas se juntam a uma profundidade de até 700 quilômetros, a energia liberada com a ruptura de rochas raramente alcança a superfície.

Mas o Brasil também costuma sofrer reflexos de grandes terremotos em outros países, às vezes a milhares de quilômetros de distância. Em outubro de 2005, um tremor assustou moradores de vários bairros de São Paulo. Foi pouco depois de um terremoto sacudir a cidade argentina de Catamarca. Os especialistas suspeitam que haja relação entre os dois abalos. Pelo menos nisso, ainda é melhor que os argentinos sejam campeões.
(Época, 01/05/06)

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