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2006-05-04
Pesquisadores vão mostrar como trabalham e qual a importância de seus estudos, enquanto agentes ambientais vão explicar como funciona a legislação e o licenciamento para coleta e transporte de fauna e flora com interesse de pesquisa, em uma série de cursos interinstitucionais entre Museu Emílio Goeldi e Ibama. Esse é o resultado do episódio envolvendo o biólogo André Ravetta, bolsista da Conservação Internacional, que terminou numa multa de R$ 51.500 e apreensão de 103 espécimes de mamíferos coletados por ele para pesquisa, por conta da falta de licenciamento adequado de transporte.

Segundo a diretora do Museu Goeldi, Ima Vieira, o caso gerou uma reunião com o gerente regional do Ibama, Marcílio Monteiro, um telefonema do presidente do órgão, Marcos Barros, lamentando o fato e buscando um entendimento, e a visão comum de que ambas instituições precisam entender melhor sobre o funcionamento uma da outra. “Depois de um estresse danado e um desgaste emocional para o pesquisador, o que fica de positivo dessa situação toda talvez seja uma maior interação entre o agente fiscalizador e o órgão de pesquisa. Existe já uma discussão com participação de representantes das duas instituições sobre as instruções normativas que regem a coleta de material biológico para a pesquisa científica. É preciso fazer alguns ajustes e creio que essa discussão trará melhoras sensíveis.”

Ima Vieira acredita que as instituições de pesquisa precisam se adaptar à nova legislação e diz que o museu vem trabalhando nisso. “Estamos programando uma série de cursos e palestras em parceria com o Ibama. Os pesquisadores se acostumaram a atuar na informalidade e isso não pode mais ser assim. Nós propusemos treinamento técnico para que os agentes de fiscalização entendem como os pesquisadores trabalham e sugerimos que eles dessem palestras sobre legislação para os nossos pesquisadores de pós-graduação. Também estamos terminando um plano diretor que prevê um programa de coleções biológicas, que vai estabelecer normas para o acesso, uso e empréstimo de nossas coleções, porque temos uma regulamentação muito antiga que precisa ser revista”.

Capacitação - O chefe da Divisão de Fiscalização do Acesso ao Patrimônio Genético do Ibama, Bruno Barbosa, diz que o órgão está trabalhando em um processo intensivo de formação de seus fiscais para garantir que o controle seja feito, mas sem atrapalhar o desenvolvimento da pesquisa científica no Brasil. “Realizamos dois cursos em Brasília e estamos fazendo capacitação com agentes de todos os Estados sobre as normas e legislação. É bom lembrar que o próprio Ibama mantém centros de pesquisa e tem pesquisadores vinculados diretamente à instituição, além de realizar estudos em parceria com universidades, como a Universidade Federal do Pará e o próprio Museu Emílio Goeldi, na Floresta Nacional de Caxiunã, para o desenvolvimento de planos de manejo.”

Segundo Bruno Barbosa, toda essa discussão é salutar e necessária diante dos novos interesses de exploração da biodiversidade. “Tudo isso faz parte de um processo de transformação que a sociedade está vivendo. O Brasil tem um quinto da biodiversidade do mundo e isso é objeto da cobiça internacional. A comunidade científica precisa se adaptar a isso e a sociedade brasileira precisa participar desse debate.”

Ainda que reconheçam a nova configuração do mercado em torno da biotecnologia, há pesquisadores que acreditam que o combate mais eficaz à biopirataria não está no pente-fino da fiscalização sobre instituições de pesquisa, mas sim no fortalecimento da rede brasileira de pesquisa. É a opinião do vice-presidente de ciência da ONG Conservação Internacional-Brasil, José Maria Cardoso. “Existe um certo sensacionalismo em torno disso. Tudo isso é muito novo e se criou essa visão de que estamos sendo invadidos. A melhor resposta é ter legislação. Mas a resposta mais positiva é criar um sistema de tecnologia à altura da magnitude dos recursos naturais brasileiros. Hoje, só temos dois institutos governamentais de pesquisa na Amazônia e falta uma política clara para o uso dos recursos da biodiversidade, faltam boas universidades, falta acrescentar aí o vetor empresarial e perceber que esse é um grande negócio para o futuro. Precismos, entre outras coisas, criar uma rede de laboratórios para trabalhar novas biotecnologias”.

Pesquisador diz que os fiscais são incapacitados
Um órgão regido por interesses políticos, com funcionários incapacitados para atuar na fiscalização e com uma normatização que impede pesquisadores de reconhecidas instituições brasileiras de trabalhar pelo benefício do país através do conhecimento científico, enquanto permanece totalmente inoperante frente às reais ameaças de exploração indevida do patrimônio natural brasileiro. Essas são apenas algumas das acusações feitas contra o Ibama pelo químico José Guilherme Maia, pesquisador ligado ao Laboratório de Engenharia Química da Universidade Federal do Pará, ex-diretor do Museu Emílio Goeldi, e coordenador do projeto da Base de Dados das Plantas Aromáticas e Frutos da Amazônia.

Maia assinou a declaração portada por Massuo Kato, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, para que este levasse para a capital paulista sete quilos de essências florestais coletadas na Floresta Nacional de Caxiunã, material que acabou apreendido no último domingo no posto de fiscalização do Ibama no Aeroporto de Belém, por falta de licença de coleta e licença de transporte. Irritado com a posição do Ibama no caso, que ele classificou como sensacionalista e desrespeitoso em relação aos pesquisadores parceiros da UFPA no estudo de piperáceas, o químico disse que a exploração do material está coberta pelas pesquisas que o Museu Goeldi vem desenvolvendo na Estação Científica de Caxiuanã desde 1992, quando 33% da área foram cedidos para exploração científica com autorização do Ibama. “Fui eu mesmo, quando era diretor do Goeldi, que consegui a autorização para isso.”

Imbecilidade - Contrariando a declaração do pesquisador, o Ibama divulgou ontem uma nota para a imprensa informando que o nome de José Guilherme Maia não consta na listagem dos pesquisadores ligados ao Programa de Pesquisa da Biodiversidade, programa financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e ao qual estaria ligada a base de dados sobre plantas aromáticas. “Isso é uma imbecilidade. Meu nome não consta pelo Goeldi, porque estou aposentado de lá, faço parte do projeto pela UFPA. O projeto vem sendo desenvolvido desde outubro de 2004 e tem prazo até setembro de 2007. Encaminhamos em março desse ano o segundo relatório ao ministério.”

Segundo Maia, a licença para exploração existe e está no nome da botânica Léa Carrera, do Museu Emílio Goeldi. Já a licença para transporte, ele admite que não tem. Mas diz que fazer o transporte do material dessa maneira foi uma decisão consciente. “Existe uma dificuldade enorme de conseguir essas guias. O Ibama é um órgão politizado, a gente não consegue essas coisas por lá. Mas acho um absurdo necessitar dessa licença, quando eu fiz tudo às claras, mandei uma declaração com o meu nome, endereço, e-mail e telefone, dizendo a que instituição pertencia. E porque eu preciso de uma licença quando esse material já passou pelo laboratório, já foi semiprocessado? E o jambu, por que eles liberaram? E se chegar um gringo e comprar qualquer uma daquelas ervas que são vendidas no Ver-o-Peso sem a autorização do Ibama, como vai impedir que isso saia do país? Eu não concordo com essas licenças e vou continuar transportando material sem elas. As pessoas sabem meu nome, onde eu trabalho, tenho 35 anos de pesquisa, vários livros, artigos e pesquisas importantes publicadas. Se quiserem, podem vir aqui me prender.”

Xiitas - Na visão do pesquisador, a comunidade científica, de maneira geral, questiona a validade das normatizações hoje existentes para a coleta de material para pesquisa. “O problema é que hoje existe uma dicotomia entre gente que defende a conservação do meio ambiente e gente que defende o uso da biodiversidade para contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população, que é em que acredito. A Marina Silva levou um monte de xiitas para o ministério que no final só ajudam aos interesses dos outros países, ao colocar essa biodiversidade sob uma redoma intocável. Ela fala muito de uso sustentável, mas não dá para fazer isso tem ter conhecimento das potencialidades dessa biodiversidade.”
(O Liberal, 03/05/06)

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