Arroio Passo Fundo, em Porto Alegre, vira depósito de lixo e esgotos a céu aberto
arroio passo fundo
2006-05-04
Quem desce a rua Mata Coelho, no bairro Nonoai, em Porto Alegre, percebe logo que o arroio Passo Fundo está próximo. O cheiro fétido provocado pela poluição causada pelo lançamento de esgotos e depósito de lixo e animais mortos pode ser sentido a distância, recepcionando os transeuntes do local. "Com muita tristeza e indignação eu vejo que o arroio se tornou um depósito de lixo e animais mortos. Pessoas jogam seu esgoto diretamente no riacho", lamenta o estudante de jornalismo Leonardo Gottems, 27 anos, morador do bairro desde o nascimento.
Ele conta que na sua infância o arroio era um lugar freqüentado por todas as crianças da região. "Era realmente uma espécie de oásis em meio a prédios, casas e automóveis". Com o passar do tempo, entretanto, o descaso da população fez os arredores do riacho tornarem-se infreqüentáveis, avalia. "Com o lixo, a água começa a ficar acumulada e os insetos proliferam. A cada ano aumenta o número de mosquitos. Este ano, por exemplo, começamos a usar repelente - coisa que nunca havia sido necessária", acrescenta Gottems.
Enquanto a reportagem analisava e fotografava o local, várias pessoas paravam para manifestar sua indignação com o problema. A aposentada Tereza Hubner, 68 anos, que há 50 anos reside nas imediações do córrego, lembra com tristeza que suas amigas "lavavam roupa com a água do riacho de tão limpa que era, mas hoje isso não é mais possível."
Quando chove, a situação piora e o porão da casa de dona Tereza enche de água, causando transtornos para sua família. "Isso aqui é uma imundice, virou depósito de lixo. Tem até sofá e restos de materiais de obra que ficam boiando quando chove. Sem contar os bichos mortos que jogam aqui dentro, provocando mau cheiro. A prefeitura prometeu canalizar, mas não sei quando. Talvez daqui a uns 200 anos", ironiza.
Mureta de isolamento
Para a aposentada Maria Graciolina Machado, 75 anos, há quatro anos moradora do bairro, a culpa é da população, que não tem educação e desrespeita os outros habitantes ao jogar seus lixos dentro do riacho. A quantidade de detritos depositados no córrego fez com que a margem começasse a ruir, desabando parte da rua. "A prefeitura veio aqui, fez uma mureta de proteção com pneus velhos e retirou o lixo maior. Mas não adiantou. Para quem mora perto é um horror", desabafa a aposentada. Rodnei Antunes, desempregado e com 44 anos, acrescenta que a prefeitura, ao fazer uma barragem improvisada, solucionou o problema por pouco tempo. "Além dos pneus, colocaram também toras de madeira e pedras, que acabam caindo dentro do valão após fortes chuvas, aumentando o lixo acumulado".
Maria Graciolina fala ainda do receio que os moradores têm de reclamar do problema. "Nunca ouvi falar de associação dos moradores. Acho que eles têm medo de fazer queixas e ser pior depois. A gente nunca sabe com quem está lidando", comenta. Leonardo Gottems avalia tratar-se de uma tendência do brasileiro "se acomodar frente às situações mais absurdas. Incrivelmente, existe uma associação de moradores bem em frente ao arroio, mas só funcionou quando o falecido fundador dela queria ser vereador. Na minha rua (Menezes Paredes) mora um outro político cuja filha brincava junto comigo na infância no arroio. Mesmo assim, nunca fez nada. Isso que ele pertencia ao partido que administrou por 16 anos a cidade. Jamais vi a prefeitura fazer nada pelo local", relata.
Canalização inviável
De acordo com a bióloga Cristina Bernardes, coordenadora da equipe de educação ambiental do Departamento de Esgoto Pluvial (DEP) de Porto Alegre, a canalização do arroio não é possível por se tratar de uma área de preservação permanente. "Teríamos que mexer 30 metros de cada lado do arroio. Isso seria inviável, dada a quantidade de pessoas que habitam este local". Há uma preocupação por parte do DEP, segundo a coordenadora, quanto à retirada dos lixos sólidos do local. "Ano passado fizemos duas intervenções. Este ano já realizamos outra. Nossa preocupação imediata é que não transborde o arroio em decorrência do excessivo lixo localizado no local".
Bernardes explica que com a canalização o odor até poderia diminuir, mas não iria resolver o problema. "Hoje, podemos ver os canos das casas despejando esgoto cloacal no local. Além disso, a própria água da chuva também acaba acrescentando outros tipos de resíduos e esgotos".
Segundo a bióloga, cabe ao DEP primeiramente cuidar do sistema de drenagem, retirando o lixo depositado no Passo Fundo. Não há, entretanto, uma periodicidade de limpeza fixa para o arroio. "Depende da demanda e da quantidade de resíduos", comenta. Outra prioridade é a educação ambiental, onde "o Departamento trabalha a conscientização para o problema nas escolas", comenta a bióloga, acrescentando não ser um trabalho rápido, "exige educação da população", já que o arroio é poluído pelos próprios moradores do local.
Nascente do riacho
O Passo Fundo tem sua nascente próxima ao morro da Apamecor e é dividido em duas partes. "Uma das vertentes carrega esgoto pluvial, a outra bifurcação engloba ainda um pouco de esgoto residencial, principalmente a parte liberada pelo Hospital Espírita", afirma José Luiz Guimarães, 37 anos, zelador do condomínio “Bosque do Sol Nascente”, que abriga em seu território a nascente do arroio. Essas duas vertentes, ao se juntarem, formam o arroio Passo Fundo, que se estende pelos bairros Nonoai, Teresópolis e Parque Santa Anita.
"Analisando aqui de cima, é possível ver que o arroio é limpo, a água que corre não tem cheiro nem cor. A parte do riacho que se encontra dentro do condomínio é tratada como área de preservação (uma obrigação imposta pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente – SMAM – ao Bosque do Sol Nascente) e não recebe nenhum tipo de esgoto cloacal. Infelizmente ao longo do percurso, muito lixo é depositado pela própria população, agravando a poluição e o problema do riacho", analisa o zelador.
Na avaliação da coordenadora da equipe de educação ambiental do DEP parte dessa poluição é resultante do crescente movimento de novas moradias e aumento da população na região. Ela frisa que "embora existam soluções, elas não são fáceis de serem executadas, e o departamento está fazendo o que pode para amenizar o problema".
Por Tatiana Feldens