Lixo nas ruas “sangra” cofres públicos de São Paulo
2006-05-04
Imagine que você é uma pessoa ambientalmente correta, que detesta sujeira
na rua, está passeando por São Paulo e de repente, sente uma fome danada.
Para matá-la, entra numa padaria, compra um suco e um pão de queijo, bebe,
come e sai à cata da lata de lixo mais próxima para se livrar do copo de
plástico e guardanapos. Muito boa sorte. E se você achar uma, por favor,
não deixe de dizer onde ela está para os habitantes da cidade. A esmagadora
maioria deles há muito não vê uma lixeira na rua.
A petista Marta Suplicy, quando ocupou a prefeitura da capital paulista,
jurou que resolveria o problema. Fechou contrato com a empresa Ecopav para
instalação e manutenção de 140 mil cestos de lixo na cidade entre 2002 e
2005. No entanto, até 2003 apenas 8 mil tinham sido instalados. Problemas
financeiros da companhia levaram à rescisão do contrato e, desde então, as
lixeiras voltaram a sumir das ruas da cidade. Das que foram instaladas pela
Ecopav, 6 mil acabaram destruídas por vandalismo da população.
E como antes deste contrato a prefeitura não contabilizava lixeiras porque
elas praticamente não existiam, dá para dizer que as mais de 10 milhões de
pessoas que moram na cidade têm à sua disposição no máximo 2 mil cestos de
pequeno porte. O resultado disso é que lixo em mão de paulistano acaba, em
geral, sendo jogado nas ruas. O que gera conseqüências que vão do
desagradável ao grave, como poluição visual, mau cheiro, entupimento de
esgoto e bueiros, que resultam na proliferação de ratos, insetos e doenças.
Quem mais sofre com a falta de lixeiras, depois dos seres humanos, são as
árvores. “As pessoas acabam jogando lixo em qualquer buraco e muitas vezes
esse buraco é o canteiro de uma árvore. Vejo muito saco plástico nas bases,
o que impede a passagem da água, além de filtro de cigarro adoidado,
garrafas pet, de vidro e latinhas. Tudo isso diminui sua capacidade de
desenvolvimento e prejudica a qualidade do solo. Não é à toa que as árvores
de São Paulo estão muito doentes”, afirma Alexandre Chut, acupunturista e
fundador da ONG Projeto Plant-AR, que incentiva o cuidado e a plantação de
árvores.
Problema caro
A situação também faz sangrar os cofres públicos. Com tanto lixo sendo
jogado na rua, não há outra alternativa a não ser varrer a cidade. O
Limpurb, departamento de limpeza urbana da prefeitura, gasta R$ 30 milhões
por mês para fazer o serviço, que rende 2 mil e 500 toneladas por mês. “O
prefeito José Serra chegou a afirmar que o que existe de corrupção na
varrição não está escrito. No entanto, ele não desfez contratos anteriores,
com valores acima de mercado. O contrato de varrição de emergência, por
exemplo. Esse mesmo serviço poderia ser feito por mais empresas por um
preço menor e com tanta qualidade quanto. Falta gestão, administração e
vontade política para resolver o problema", afirma o administrador Enio
Noronha Raffin, consultor em limpeza urbana e autor do livro e do site
Máfia do Lixo.
O poder público tem uma imensa parcela de culpa por esse estado de coisas.
Mas a população da cidade também está longe de ser inocente. Não se tem
conhecimento de que alguma vez ela tenha reivindicado lixeiras públicas.
Pelo contrário. O que se tem certeza é que ela joga sujeira nas ruas com
tal fervor que parece ter o secreto desejo de que São Paulo tivesse sido
construída sobre um aterro sanitário.
“Cidadãos que acabam com quase todas as lixeiras instaladas estão
praticamente dizendo eu quero mesmo é que esta cidade fique
imunda!. Devemos, sim, cobrar o poder público, mas também precisamos
educar os muitos “sujismundos” que têm por aí”, afirma Cândido Malta Campos
Filho, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Raros são
os paulistanos que, à falta de lixeiras, levam seu lixinho no bolso para
dispensá-lo em casa ou no escritório. “As pessoas preferem imitar o Lula,
flagrado jogando papel de bombom no chão atrás da cadeira da pessoa que
estava do seu lado”, afirma Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto
Akatu.
“Estudos nos Estados Unidos mostram que o que está estragando ou estragado,
quebrando ou quebrado, atrai ainda mais desmazelo”, afirma Anna Verônica
Mautner, psicóloga e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São
Paulo. Ela diz que as pessoas jogam lixo nas ruas porque vêem sujeira em
vias públicas, problema que é agravado pela falta de lixeiras. “Experimente
jogar lixo no chão da Suíça. Vai ficar feio, porque o único papel da rua
será o seu. Todo sacro santo dia que o sol nascer, a limpeza deve ser
mantida, senão não adianta. Um hábito não se forma pela lei, mas pela
eterna vigilância. O preço da limpeza é a eterna limpeza”, diz.
É nesse mote que o japonês Hideaki Ijima aposta para virar uma exceçãoo à
regra no comportamento do habitante da capital. Ele é proprietário da rede
de cabeleleiros Soho e presidente da ONG Zeladoria do Planeta, inspirada em
similar do Japão. Todos os anos, voluntários da Zeladoria recolhem lixo em
vários pontos de São Paulo, entre eles o Parque da Aclimação e a Paulista.
Cada varrição na avenida cartão-postal da cidade junta 7 toneladas de lixo,
das quais boa parte é separada para reciclagem. Ijima não pára por aí.
Todos os dias pela manhã recolhe 2 sacos de lixo de 100 litros na rua onde
mora.
Ele não é o único. O professor Campos Filho é outro exemplo de que com
consciência e boa vontade, é possível criar um ambiente mais limpo e
saudável. “Sou daqueles que cata lixo. Recolhi muito na praia do Lázaro, em
Ubatuba. No início, me olhavam com estranheza. Afinal, não é normal ver um
cara com certo nível social fazendo isso. Mas persisti por anos a fio. E
sabe o que aconteceu? As pessoas que sempre me viam pararam de jogar lixo
na praia e inclusive começaram a me ajudar”, conta.
A prefeitura promete que vai começar a fazer a sua parte para reduzir o
lixo que se espalha pelas ruas de São Paulo. Em 30 dias, diz que começa a
instalar 30 mil cestos de lixo na cidade. É pouco, mas é um começo. A
população também poderia começar a fazer a sua parte e sair imitando gente
como Ijima e o professor Campos Filho.
(Karina Miotto, O Eco,
29/04/06)
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