Intimidação e manipulação da informação científica é marca da administração Bush
2006-05-03
As tentativas sem precedentes, da administração do presidente George W. Bush de silenciar e suprimir resultados de pesquisas que não sejam de seu agrado, colocam em perigo a ciência nos Estados Unidos, denunciam especialistas. O caso de James Hansen, especialista em Mudança Climática da Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço (Nasa), que revelou em janeiro ter sido censurado pelo governo, é a mais recente evidência da atitude da Casa Branca com cientistas que discordam de suas posições em questões ambientais.
Já em 2004, um destacado grupo de cientistas, que incluiu 20 prêmios Nobel e 19 premiados com a Medalha Nacional da Ciência, assinou uma carta aberta em que acusam o governo Bush de tergiversar deliberadamente fatos científicos com “fins político-partidários”. A prestigiosa Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos também exigiu, em 2004, que se deixasse de perguntar aos especialistas, quando entrevistados para integrar comitês de assessoria científica, se apóiam Bush.
Em 2002, o biólogo Mike Kelly, do Serviço Nacional de Pescas Marinhas, se demitiu, após pressões que recebeu para habilitar um maior bombeamento para irrigação de água do Rio Klamath, no Estado de Washington, que beneficiaria os partidários locais de Bush e contribuintes do agronegócio. A análise de Kelly mostrou claramente que reduzir a água do Rio prejudicaria o ameaçado salmão prateado, ou coho (Oncorhynchus kisutch), protegido pelas leis norte-americanas. “Queriam que fizesse algo ilegal e renunciei”, disse Kelly ao Terramérica.
Figuras políticas, entre elas o conselheiro político da Casa Branca, Karl Rove, substituíram a análise de Kelly e a água foi desviada do Rio. No ano seguinte, mais de 30 mil salmões prateados adultos, e centenas de milhares jovens, morreram por causa dos baixos níveis da água, segundo o especialista. “Quando o governo Bush obtém uma resposta científica que não lhe agrada, a elimina ou altera”, garantiu Kelly, que trabalhou dez anos no Escritório Nacional de Administração Oceânica e Atmosférica (NOAA).
“Há uma tentativa sistemática e obsessiva de controlar informação, sem importar o que é encontrado pela ciência”, afirmou Jeff Ruch, diretor-executivo da Public Employees for Environmental Responsibility (Empregados Públicos para a Responsabilidade Ambiental). “Centenas de importantes estudos científicos e relatórios de campo locais são questionados por razões extra-científicas”, como quando as descobertas científicas contradizem interesses políticos ou corporativo-empresariais, disse Ruch ao Terramérica.
As torpes tentativas do governo Bush de eliminar as evidências científicas em torno da mudança climática, provocada pelo aquecimento global, são as mais conhecidas. Em setembro de 2002, funcionários políticos, incluindo figuras que antes pressionaram a favor de companhias de petróleo, eliminaram um capítulo sobre aquecimento global do informe anual da Agência de Proteção Ambiental (EPA). Em junho de 2003, as demandas de extensas mudanças, em um capítulo sobre aquecimento global de outro relatório da EPA, obrigaram essa agência a suprimir totalmente o capítulo.
No outono passado, funcionários do governo ordenaram ao destacado especialista James Hansen, da Nasa, que eliminasse dados da Internet que sugeriam que 2005 poderia ser o ano mais quente já registrado. Logo se demonstrou que Hansen tinha razão, e em janeiro ele foi aos meios de comunicação denunciar as muitas tentativas para impedi-lo de falar sobre a mudança climática. “Hansen não podia conversar com jornalistas sem permissão, e esta lhe foi negada várias vezes”, afirmou Tom Devine, diretor legal do não-governamental Government Accountability Project (GAP-Projeto para a Responsabilidade do Governo).
“E quando lhe permitiam falar, supunha-se que deveria apresentar o outro lado (do assunto) ou enfrentar severas conseqüências”, disse Devine ao Terramérica. “É uma intimidação sem precedentes e diferente de tudo o que vi em meus 27 anos de GAP”. Também é ilegal, segundo as leis norte-americanas, que protegem denunciantes de práticas corruptas dentro de sua organização e impedem que os governos silenciem seus funcionários. Entretanto, a maioria dos cientistas não conhece as leis e raramente lutam contra as tentativas de amordaçá-los, acrescentou.
“Nunca vi nada igual, que se aproximasse do grau de controle sobre a informação que flui dos cientistas para o público, como acontece agora”, afirmou recentemente Hansen, que agora é um dos clientes do GAP. As conseqüências deste abuso são funestas, segundo Michael Halpern, que preside o Programa de Integridade Científica da norte-americana Union of Concerned Scientists (União de Cientistas Comprometidos). “Esta tergiversação da ciência está debilitando o que foi uma parte enorme do êxito econômico dos Estados Unidos”, disse Halpern ao Terramérica.
Isto também está gerando mortes desnecessárias, acrescentou. Funcionários políticos da EPA, freqüentemente procedentes do mundo da indústria, ignoram recomendações feitas por cientistas ao estabelecerem novas regras de contaminação do ar em relação a emissões de mercúrio e fuligem. Também na Administração de Drogas e Alimentos dos Estados Unidos (FDA), empregados eliminaram pesquisas que revelavam que o popular analgésico Vioxx estava vinculado a 139 mil ataques cardíacos e derrames cerebrais.
Funcionários designados por Bush, não só implementaram regras favoráveis aos negócios, como também as elaboraram com base em seu conservadorismo religioso, assegurou Halpern. Na FDA invalidaram comissões científicas e negaram o acesso público a um anticoncepcional de emergência chamado “Plano B”. Além disso, no governamental Instituto Nacional do Câncer foi sugerido que existem vínculos entre o aborto e o câncer de mama, apesar de não haver nada de científico sobre isto, afirmou. “Os políticos necessitam de acesso à informação científica precisa e imparcial”, afirmou Halpern. “Estamos enfrentando um problema sem precedentes que ameaça a democracia norte-americana”, ressaltou.
(Jornal do Meio Ambiente, 02/05/06)
http://www.jornaldomeioambiente.com.br/JMA-index_noticias.asp?id=9964