Saída de siderúrgica da Bolívia turva relações
2006-04-30
O governo boliviano decidiu expulsar a siderúrgica brasileira EBX, argumentando que há o risco de as florestas do departamento de Santa Cruz se converterem em carvão. Porém, a medida afetou as relações com o Brasil e exacerbou os ânimos de moradores locais que defendem a empresa. Em 2005, a EBX iniciou a construção de dois fornos de fundição no pequeno município de Puerto Suárez, 1,8 mil quilômetros a sudeste de La Paz, na fronteira com o Brasil, a fim de produzir ferro-gusa (matéria-prima na indústria do aço) com base em carvão vegetal.
Segundo o governo do presidente Evo Morales, a siderúrgica começou a construir os dois fornos sem licença ambiental e violou a Constituição Política do Estado, que proíbe estrangeiros de se estabelecerem dentro dos 50 quilômetros de fronteira. Com esses argumentos, as autoridades anunciaram, no dia 24 de abril, a saída da EBX e, dois dias depois, sua exclusão do processo de licitação da jazida de ferro El Mutún, uma das mais importantes da região, com reservas de 44 milhões de toneladas do metal. Trata-se da primeira expulsão de um investidor estrangeiro do país desde que Morales assumiu a presidência, em janeiro.
Organismos ambientais apoiaram a retirada da empresa por considerar que cerca de 250 mil hectares de florestas estavam em risco de desmatamento. De acordo com as autoridades, a significativa demanda por carvão vegetal por parte da empresa (450 mil toneladas ao ano) causaria uma forte pressão sobre as áreas florestais da região, aumentando os riscos sobre esses recursos atuais e potenciais. Eike Batista, dono da EBX e considerado o “barão da energia” no Brasil, negou todas as acusações, mas anunciou, no dia 25, sua decisão de retirar seus investimentos do país e em uma semana desmontar os fornos em construção.
“Não me querem na Bolívia”, disse, deixando claro que este país perderá US$ 450 milhões em investimento e a criação de 620 empregos em 282 hectares que obteve na zona franca de Puerto Suárez, associando-se, com um contrato de risco, à empresa boliviana Zoframaq. “Como boliviano, creio que o país perde a oportunidade de desenvolver a siderurgia a curto prazo”, disse ao Terramérica Fernando Tuma, presidente da Zoframaq.
“Em 12 meses, a siderurgia poderia estar produzindo 800 mil toneladas de ferro-gusa e 300 mil toneladas de aço, 200 mil delas para exportação e 100 mil para substituir as importações bolivianas, gerando uma economia de divisas de US$ 60 milhões ao ano e US$ 280 milhões em exportações”, disse Tuma. No Brasil, legisladores e comentaristas dos principais jornais expressam mal-estar pelo tratamento dado à empresa e disseram que Morales está ameaçando os interesses brasileiros.
“Não posso acreditar que o presidente Lula e o embaixador do Brasil defendam empresas que não respeitam as leis nem a Constituição”, havia declarado, no dia 24, Morales, cujo governo também prepara mudanças na legislação dos hidrocarbonos, que poderão afetar outras empresas importantes do Brasil. Entretanto, grupos de moradores de Puerto Suárez, que há uma semana chegaram a seqüestrar três ministros em protesto pela saída da EBX, disseram que continuarão mobilizados para proteger suas fontes de trabalho. O Comitê Cívico de Santa Cruz, o pólo de maior desenvolvimento econômico do país, também anunciou uma paralisação, para o dia 4 de maio, exigindo atenção por parte do governo central para uma série de demandas, entre elas a agilização da licitação da jazida El Mutún.
A EBX opera em vários países, desde 1983, com diferentes projetos, por meio de seu grupo empresarial, que inclui a MPX (energia), AMX (recursos hídricos) e MMX (siderurgia). Em junho de 2005, a empresa brasileira se registrou na Bolívia com o objetivo de produzir ferro-gusa e aço, com base em carvão vegetal, mas, segundo o governo, não identificou em seu projeto as áreas de floresta de onde o extrairia. A empresa alega que se abasteceria unicamente de desmontes autorizados com certificação da Superintendência Florestal.
Entretanto, segundo dados fornecidos ao Terramérica pelo vice-ministério de Biodiversidade, Recursos Florestais e Meio Ambiente, com os desmontes seria possível cobrir somente uma pequena porcentagem da demanda anual de carvão vegetal na primeira fase do projeto. “Desta forma, seria afetada a conversão de solos e haveria alteração no regime hídrico da região, com os conseqüentes impactos negativos em áreas não autorizadas para desmonte, isto é, desmatamento; perda de hábitat; impacto sobre ecossistemas frágeis próximos, como os parques nacionais de San Matias e Otuquis”, disse esse órgão.
O não-governamental Fórum Boliviano sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Fobomade) disse ao Terramérica que a EBX queria não só desmatar todo o Pantanal (o maior pântano de água doce do mundo) boliviano e toda a província Germán Busch, a sudeste de Santa Cruz, como também toda a floresta nativa deste departamento, na base de 12,75 mil hectares por ano, revelando ainda que a empresa se propunha a plantar eucaliptos.
O influente analista Carlos Valverde denunciou a plantação de cem mil eucaliptos que consumiriam toda a água do Pantanal. Fernando Tuma, da Zoframaq, desmentiu essas denúncias: “A EBX já desmontou o viveiro onde preparava 13 milhões de mudas anuais, não só de eucalipto, mas de todas as espécies do lugar. Também assegurou que as zonas para desmatar não estavam no Pantanal, e sim em áreas degradadas e abandonadas. O fornecimento de carvão viria do aproveitamento dos resíduos florestais de mais de dois milhões de hectares certificados que possui Santa Cruz e de todos os resíduos dos desmontes agrícolas e pecuários autorizados”, assegurou Tuma.
(Envolverde, 02/05/06)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=16807