Bolívia nacionaliza gás e petróleo
2006-05-02
O presidente da Bolívia, Evo Morales, anunciou nesta segunda-feira (1°/5) a nacionalização da exploração de petróleo e gás no país, ordenando a ocupação dos campos de produção das empresas estrangeiras no país, entre eles os da Petrobras. Além da empresa brasileira, operam na Bolívia as petrolíferas Repsol YPF (Espanha e Argentina), British Gas e British Petroleum (Reino Unido), Total (França), Dong Wong (Coréia) e Canadian Energy. A partir de agora, elas ficam obrigadas a entregar sua produção para a empresa estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), que assumirá a comercialização do gás e do petróleo, definindo condições, volumes e preços tanto para o mercado interno quanto para exportação. A YPFB também assumirá o controle dos campos de produção de petróleo e gás. As companhias estrangeiras que exploram os produtos deverão regularizar sua situação no país com novos contratos em um prazo de 180 dias.
O decreto n° 28.701, que determina a nacionalização dos hidrocarbonetos, foi firmado em um ato no campo petrolífero de San Alberto, na província de Caraparí. “Nacionalizam-se os recursos naturais hidrocarboríferos do país, o Estado recupera a posse e o controle total e absoluto destes recursos”, disse o presidente Evo Morales ao anunciar a decisão. “Acabou o saque”, acrescentou. Enquanto isso, um militar subia no alto das instalações petroleiras de Margarita para desfraldar uma bandeira boliviana e uma faixa com a inscrição: “nacionalizado”. “Queremos pedir (às Forças Armadas) desde esse local, a partir desse momento, tomar todos os campos petrolíferos em toda a Bolívia, com os batalhões de engenheiros organizados pelo Ministério de Hidrocarburetos junto ao presidente da YPFB”, disse ainda o presidente Morales. Depois do anúncio, iniciou-se a ocupação militar das instalações petrolíferas em todo o país.
Promessa de novas nacionalizações
Ainda segundo o decreto do governo boliviano, 82% dos valores arrecadados com a venda de gás e petróleo devem ir para o Estado, ficando 18% para as empresas. Pablo Sólon, diretor da Fundação Sólon, uma das entidades responsáveis pelas mobilizações em defesa da nacionalização, disse à Agência Brasil que um dos efeitos do decreto é a inversão de porcentagens vigentes até então. Entre 1996 e 2005, as empresas passaram a se beneficiar com 82% dos lucros, quando uma nova lei redefiniu os valores de 50% para cada uma das partes. E o processo de nacionalização não deve ser limitar ao setor de gás e petróleo. Em um discurso feito na noite de segunda, no balcão do Palácio do Governo, Evo Morales anunciou mais nacionalizações de recursos naturais. “Estamos começando a nacionalizar os hidrocarbonetos. Amanhã será a mineração, os recursos florestais. Serão todos os recursos naturais”, declarou o presidente boliviano.
Evo Morales também determinou o confisco das ações necessárias para que o Estado tenha o controle de mais de 50% das ações das empresas. Na Bolívia, o anúncio foi recebido com muita satisfação pelos apoiadores de Evo Morales que, em alguns lugares somaram-se aos militares que ocuparam as instalações petrolíferas. “Agora queremos conhecer quem são os que defendem as empresas petrolíferas”, disse o vice-presidente, Álvaro Garcia, numa alusão aos setores empresariais de Santa Cruz e Tarija, apontados como defensores dos interesses das empresas transnacionais que operam no país. A nacionalização do gás e do petróleo converteu-se, nos últimos anos, em uma bandeira da maioria da população do país que saiu para às ruas e derrubou o presidente Gonzalo Sánchez de Lozada, que implementou a privatização do setor, em condições consideradas desvantajosas para o país.
Com a privatização, as empresas transnacionais que exploram gás e petróleo no país se beneficiaram com uma redução de 50 para 18% nos impostos pagos ao Estado boliviano, reclamam os críticos da medida. Depois da privatização, lembram, executivos da Repsol YPF (Espanha e Argentina) festejavam o fato de que, para cada dólar investido na Bolívia, a empresa obtinha 10 de lucro. Durante a campanha eleitoral do ano passado, Evo Morales anunciou que tomaria essa medida. E cumpriu a promessa. “O povo boliviano conquistou a custo de sangue o direito às nossas riquezas”, afirmou o presidente ao anunciar o decreto. Essa é a terceira vez que a Bolívia adota o caminho da nacionalização. Em 1937, a empresa norte-americana Standart Oil era dona dos poços no país. Em 1969, era a Gulf Oil, que também acabou nacionalizada. Esta será “a terceira e definitiva nacionalização”, garantiu Evo Morales.
A reação do governo brasileiro
A decisão afeta diretamente o Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou uma reunião de emergência para a manhã desta terça-feira, em Brasília, para discutir os impactos do decreto de nacionalização sobre a economia brasileira. A Petrobrás investiu, desde 1996, cerca de US$ 1,5 bilhão na Bolívia, e outros US$ 2 bilhões para trazer o gás para o Brasil. A empresa explora os dois principais campos de gás do país e as duas maiores refinarias, entre outros negócios. É a maior empresa atuando na Bolívia, respondendo por cerca de 15% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. De Houston, onde participa de uma feira internacional sobre petróleo, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, disse que os termos do decreto não foram discutidos previamente com a empresa e classificou a decisão como “inamistosa”. Segundo ele, Evo Morales “tomou medidas unilaterais, de forma inamistosa e que nos obriga a analisar com muito cuidado a situação no país”.
Ainda segundo o presidente da Petrobrás, os advogados da empresa vão tentar agora esclarecer o significado do decreto do governo boliviano que teria “vários detalhes que não estão ainda definidos e que precisamos saber o que significam”. Um deles, exemplificou, é a decisão de definir a YPFB como responsável pela comercialização do produto. O fluxo de gás natural para o Brasil (que atualmente é de cerca de 24 milhões de metros cúbicos por dia) será mantido normalmente, garantiu o diretor da área internacional da Petrobras, Nestor Cervero. “O decreto é apenas um documento de gestão. Nós continuaremos discutindo as condições de trabalho na Bolívia. Queremos manter a maior normalidade possível no mercado brasileiro”, disse Cervero à Agência Brasil. E reconheceu a gravidade do problema: “Estamos falando do abastecimento de 50% do mercado brasileiro de gás. Não é nada pequeno”.
Por Marco Aurélio Weissheimer, Agência Carta Maior (com informações da Agência Brasil e de agências internacionais).