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2006-05-02
Descumpre compromisso assumido com a Comissão de Meio Ambiente da Câmara e renova licença de hormônio usado no aumento da produção de leite

O uso da somatotropina bovina recombinante é uma polêmica mundial. Mais conhecido por sua sigla em inglês, BST, esse hormônio é considerado uma espécie de precursor dos transgênicos e usado para fazer com que vacas produzam mais leite. Cercado por suspeitas de danos à saúde de consumidores, o medicamento divide opiniões e tem sua comercialização proibida na Europa e no Canadá, mas permitida nos Estados Unidos e em outros países. O Brasil adotou a linha norte-americana e em 1990 autorizou dois laboratórios a venderem aqui o BST.

Pesquisadores afirmam que utilização do medicamento aumenta casos de inflamação em mamas de vacas, exigindo maior uso de antibióticos, que depois chegam aos consumidores.

Um memorando da Coordenação de Fiscalização de Produtos Veterinários (CPV), do Ministério da Agricultura, encaminhado à Câmara dos Deputados, informou no dia 6 de março que antes da renovação das duas licenças os casos seriam reavaliados para "atualizar as informações sobre segurança do uso do produto", e uma nova análise seria feita pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). A promessa foi ignorada. A licença mais antiga vence sexta-feira, dia 28, e o Ministério da Agricultura já decidiu renová-la sem fazer nenhuma reavaliação nem submeter o caso à CTNBio.

A somatotropina é um hormônio de crescimento natural secretado por alguns animais. No começo da década de 1980, ainda no nascedouro das experiências transgênicas, cientistas conseguiram produzi-la em laboratório por meio da chamada técnica do DNA recombinante. O medicamento começou a ser vendido para produtores para ser injetado em vacas, que passaram a produzir mais leite (ver infográfico ). As críticas não demoraram. Já em 1988, pesquisadores norte-americanos mandaram cartas a publicações científicas alertando para potenciais risco do leite resultante do uso do BST. No final da década de 1990, especialistas da Harvard Medical School e cientistas contratados pelo governo do Canadá reforçaram os temores.

Riscos

Os ataques ao BST se dão em duas frentes. Na primeira, pesquisadores afirmam que o aumento na produção de leite gera inflamações nas mamas das vacas, aumentando a necessidade de uso de antibióticos. O resíduo desses remédios no leite prejudicaria o sistema imunológico humano. Na segunda frente, o fato de o BST injetado aumentar a produção do Insuline-like Growth Factor (IGF-1), um hormônio semelhante à insulina, é apontado como potencial causador de câncer e outras doenças. Mesmo dentro da Embrapa, o respeitado centro de pesquisa do governo que defende transgênicos, o perigo do BST é levado a sério. O risco para a saúde de quem toma o leite é muito pequeno, mas realmente existe", afirma Leovegildo Lopes de Matos, gerente do Núcleo Sul da Embrapa Gado de Leite.

A defesa do uso do BST também começou cedo nos Estados Unidos. Em 1993, a Food and Drugs Administration (FDA), a agência norte-americana reguladora de alimentos e remédios, declarou formalmente que o uso do hormônio não implica problemas para as vacas nem para quem bebe leite. Diversos outros artigos publicados em revistas científicas e estudos realizados por pesquisadores da Universidade Cornell e por outras instituições também concluíram que o BST não é perigoso para os consumidores. Os principais argumentos dos especialistas que se enquadram nesse grupo são a inexistência de vinculo concreto entre a utilização do BST e inflamações em mamas de vacas, que exigiriam maior uso de antibióticos, e também a não comprovação de resíduos no leite de IGF-1 que não pudessem ser eliminados pelo aparelho digestivo humano e, assim, se tornassem perigosos. "Não existe nenhum risco para a saúde", diz Jaco Tormes, diretor de Assuntos Corporativos da Elanco, um dos laboratórios que vende o BST no Brasil.
Falta de identificação

Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) mostram que no ano passado produtores de leite brasileiros compraram 745 mil doses de BST. Como a venda ocorre em diversas regiões do país e o leite originário de diferentes pecuaristas é misturado no processo de produção de grandes empresas, não há como saber quais lotes de leite provêm de vacas que receberam o medicamento. Ao contrário do que já ocorre nos Estados Unidos, não há tradição no Brasil de uso da informação "leite sem BST" em rótulos de produtos retirados de vacas livres do hormônio.

O governo liberou a venda do BST em 1990. O laboratório Eli Lilly, do qual a Elanco é a divisão para produtos animais, foi autorizado a vender o Lactotropin, hormônio produzido pela Monsanto, a gigante mundial na área de transgênicos, e o Schering Plough Saúde Animal conseguiu licença para comercializar o Boostin, o BST produzido pelo sul-coreano LG. A licença do Boostin tem validade até setembro, mas a do Lactotropin vence na sexta-feira.

No começo do ano, o deputado Edson Duarte - dep.edsonduarte@camara.gov.br (PV-BA), membro da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, encaminhou um pedido de informações ao Ministério da Agricultura sobre a comercialização do BST. "Resolvemos buscar as informações para que a comissão possa tomar providências que forem necessárias", diz o deputado. É um assunto que nos preocupa." Foi na resposta a esse pedido de informações que o ministério prometeu reavaliar a liberação do produto. O memorando número 033/2006, preparado pela Coordenação de Fiscalização de Produtos Veterinários com o endosso do Departamento de Fiscalização de Insumos Pecuários e da Secretaria de Defesa Agropecuária do ministério, afirma isto na página 3: "Esclarecemos que, quando da renovação da licença, e com o objetivo de atualizar as informações sobre segurança do uso do produto, o MAPA solicitará nova análise da CTNBio."

A Elanco encaminhou no começo de abril um pedido de renovação da licença e está convencida de que não haverá problemas. "Nossa expectativa é que tudo corra de forma normal", diz Clea Camargo, gerente da Área Técnica e Recursos da Elanco, acrescentando não haver nenhuma necessidade de o processo passar pela CTNBio, um colegiado técnico de assessoramento do governo na área de modificações genéticas. Apesar de contrariar o memorando enviado à Câmara, é essa a linha que o Ministério da Agricultura assumiu na prática.

Sem problemas

Na última quarta-feira, Flordivina Mikami, coordenadora de Fiscalização de Produtos Veterinários do ministério, foi categórica ao afirmar que a licença será renovada. "Não há nada de novo em termos de informações", afirmou. Ela disse ter consultado técnicos do órgão e concluído não haver nenhum problema" para a renovação ser feita e descartou a necessidade de quaisquer novas análises ou avaliações. No dia seguinte, depois de saber que o Correio havia contatado a Elanco, a coordenadora amenizou um pouco o tom e foi menos taxativa, mas ainda assim afirmou que "hoje não teria nenhum problema" renovar a autorização. A licença do Lactotropin deverá ser anunciada pelo governo até a próxima sexta-feira para evitar que as vendas do hormônio dessa marca precisem ser suspensas. (Correio Braziliense, 25/4)

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