Pesquisadores estão preocupados com o futuro dos recursos hídricos disponíveis em SC
2006-05-02
Recentemente, a falta de água para aproximadamente 200 mil pessoas de Itajaí e Navegantes, no Litoral Norte do Estado, trouxe a tona uma série de discussões. Quem trabalha avaliando a qualidade da água sabe que a situação é grave em todo o mundo, e também aqui no Brasil, mesmo com a grande disponibilidade hídrica do País.
Para Leonardo Rubi Rörig, professor e pesquisador do Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar (CTTMar) da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), estamos passamos por um quadro progressivo de piora da água potável, em função de vários fatores, como o mau uso do solo e a falta de conservação dos ecossistemas que realimentam o líquido nas bacias hidrográficas. "Criam-se dia da água, ano da água, mas os governos efetivamente ainda não fizeram nada na prática para resolver o problema", frisa Rörig.
Um exemplo prático é o próprio Estado de Santa Catarina, que, apesar de ser desenvolvido, é o segundo pior do Brasil em saneamento básico. Na região Oeste, por exemplo, que possuiu uma agroindústria bastante atuante, o grande problema está no controle dos efluentes, que acabam poluindo os mananciais, ou seja, compostos presentes em adubos utilizados pela agroindústria despejados diretamente na água, sendo alguns até cancerígenos.
O pesquisador da Univali explica que alguns destes agrotóxicos também estão presentes no Planalto Serrano, citando o município de Urubici como um dos exemplos negativo desta atuação. "Urubici tem a maior incidência de câncer infantil do País. É uma cidade que parece ecológica, mas que tem como atividade prioritária das pessoas a horticultura, utilizando uma carga pesada de agrotóxicos. Como se trata basicamente de um trabalho familiar, os pais levam as crianças às lavouras, enquanto passam o veneno nas plantações. A incidência do câncer vem por contato aéreo", explica o professor, lembrando ainda que os próprios peixes do município possuem indícios de mutações por causa da poluição das águas.
Litoral sofre com salinidade
No litoral catarinense, a principal questão a ser resolvida é a disponibilidade do líquido, até mesmo por causa da penetração de água salgada nos rios. Foi justamente este fato que deixou Itajaí e Navegantes por quase três dias com as torneiras vazias. A situação, provocada pelo alto índice de salinidade no rio Itajaí-mirim, aconteceu quando a vazão do rio baixou e abriu espaço para que a água do mar invadisse o leito do Itajaí-mirim, levando sal até o ponto de captação. O fato fez com que ambas as cidades decretassem situação de emergência.
Para combater o problema, o Serviço de Água, Saneamento Básico e Infra-estrutura de Itajaí (Semasa), responsável pelo fornecimento de água nos dois municípios, construiu uma barragem no rio Canhanduba, fazendo com que a salinidade na estação Arapongas ficasse abaixo de 200 miligramas de sal por litro de água (o máximo permitido pela legislação é de 250 mg/l), garantindo o abastecimento de 20% de Itajaí. Já na estação de tratamento São Roque, responsável pela maior parte do abastecimento e também onde os problemas eram maiores, foi instalada uma draga no rio Itajaí-mirim, que vem captando água 700 metros acima do ponto original, com o intuito de evitar a cunha salina.
De acordo com o engenheiro sanitarista do Semasa, Wolfgang Roedel, existem duas formas estudadas hoje para se resolver a questão, que seriam captar água dois quilômetros acima do local atual ou construir uma barragem de contenção da água do mar.
Barragem é solução definitiva
Segundo o engenheiro sanitarista do Serviço de Água, Saneamento Básico e Infra-estrutura de Itajaí (Semasa) os projetos para normalizar o abastecimento de água em Itajaí, têm custos que giram em torno de R$ 5 milhões (captar água dois quilômetros acima do local atual) e R$ 20 milhões (construir uma barragem de contensão da água do mar).
"A barragem é algo definitivo, que não vai dar mais problemas, e também por isso tem um valor elevado. Já a transferência do ponto de captação pode resolver a questão apenas momentaneamente, uma vez que a tendência é a cunha salina continuar subindo o leito do rio nos próximos anos, até mesmo pela falta de ações preventivas existentes", explica Roedel.
Além da questão da salinidade, ainda existe no litoral uma intensa atividade de rizicultura, que utiliza muita água, especialmente no verão. Nesta época, o consumo nas cidades também é maior e o fato acaba gerando conflitos. A água é utilizada primeiramente nas plantações e às vezes nem chega a abastecer as estações das cidades. O exemplo mais recente ocorreu neste verão, em Itapema, onde os rizicultores acabaram usando a maior parte da água do rio Perequê, ocasionando a falta do líquido no município, que recebia grande número de turistas.
Especialista em saneamento básico (água, esgoto e lixo), o engenheiro Wolfgang Roedel alerta que há um certo desprezo por parte de pessoas e autoridades com relação à importância da água. Ele conta que já existem mananciais que não podem ser mais tratados ou estão desaparecendo e a situação se agrava a cada dia. "As pessoas precisam estar conscientes. Os mananciais em nossa região estão cada vez piores e muitas vezes o tratamento não é suficiente", frisa.
O engenheiro garante que ações preventivas são as melhores formas de se garantir uma boa qualidade de água, lembrando que um estudo desenvolvido no exterior constatou que para cada dólar investido em prevenção são economizados outros cinco.
Questão deve ter uma abordagem ecológica
O professor e pesquisador da Univali Leonardo Rubi Rörig revela que não adianta mais analisar apenas quanto existe de água nos rios e ver o que se pode retirar deles. Hoje, os rios estão diminuindo de vazão e é preciso abordar a questão pensando na preservação da natureza, ou seja, realizando uma abordagem ecológica. "Temos de conhecer a realidade de cada rio, manipulando sistemas já destruídos pelo homem, para que eles readquiram uma saúde ambiental e passem a produzir novamente água com quantidade e qualidade", frisa.
Trabalhos como estes são considerados de médio prazo (de cinco a dez anos para serem concluídos), mas o grande problema é que acabam ficando só na ciência e não são colocados em prática. "Nós produzimos os dados e tentamos fornecer respostas para os problemas, mas não temos a caneta para executar as obras."
No Brasil, que ainda dispõe de água em abundância, o ideal seria, segundo o professor, uma maior proximidade entre governantes e pesquisadores. O fato evitaria que pessoas despreparadas tomassem decisões equivocadas e prejudicassem ainda mais a população com projetos absurdos. Já para os cidadãos comuns a grande dica é aprender a usar racionalmente a água, economizando o líquido e não utilizando água potável para lavar calçadas, pátios e veículos, por exemplo.
(A Notícia, 30/04/06)